Pastoral da Criança dá exemplo de trabalho sério e comunitário em São João da Lagoa

Jornal O Norte
27/09/2005 às 10:46.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:52

Jerúsia Arruda


Repórter

SÃO JOÃO DA LAGOA - No último sábado, 24, a reportagem experimentou um desses momentos em que a esperança lança o seu tom de verde ante a aspereza cinzenta da falta de recursos, na tentativa de fazer brotar uma semente de amor e solidariedade aos que quase nada têm.

O tom poético é para melhor descrever a iniciativa da Pastoral da Criança de São João da Lagoa que, graças a um trabalho de fé e dedicação, mobilizou toda a comunidade do município e de cidades vizinhas, como Lagoa dos Patos e Coração de Jesus, lançando uma campanha com o objetivo de arrecadar fundos para provimento de estoque de multi-mistura, ingrediente fundamental no combate à desnutrição das crianças na região.

A campanha foi coordenada pela líder da Pastoral no município, Euza Rodrigues, que contou com uma equipe integrada por membros da comunidade local e de outras seis comunidades rurais, além de voluntários.

Foi realizado um concurso entre garotas de todas as comunidades envolvidas, que venderam votos ao preço de 10 centavos, coroando, ao final, Rainha da Pastoral aquela que atingiu o maior número de votos vendidos.

Em clima descontraído e sem competição, as garotas desfilaram numa passarela improvisada em uma casa de shows em São João da Lagoa, onde foram amplamente aplaudidas e receberam presentes doados pela comunidade. A vencedora do concurso foi Josiane, da comunidade do Barro, com 2.560 votos, recebendo a faixa de Rainha da Pastoral.

No final do concurso, a Banda Atitude, grupo de forró da cidade, fez a festa para os convidados, que também contribuíram com a campanha, comprando convites para o evento.

AMOR E SOLIDARIEDADE

A Pastoral da Criança nasceu de um sonho: salvar a vida de milhares de crianças. Sua história teve início em 1983, quando a CNBB – Conferência nacional dos bispos do Brasil confiou à Dra. Zilda Arns Neumann e ao arcebispo Dom Geraldo Majella Agnelo a tarefa de criar uma entidade para assistir crianças carentes. Hoje, atua nas áreas de pobreza de todo o Brasil com ações básicas de saúde, nutrição, educação, cidadania e controle social. Com a missão de promover o desenvolvimento das crianças e, em função delas, de suas famílias e comunidades, sem distinção de raça, religião, sexo ou nacionalidade, tornou-se um exemplo para o mundo.

EM SÃO JOÃO DA LAGOA

Segundo Euza, em São João da Lagoa, apesar dos esforços, o trabalho é dificultado pela escassez de recursos e a pouca participação da comunidade nos projetos de rotina.

Mensalmente, a equipe visita as residências do município, pesando e medindo as crianças e, em caso de baixo peso ou desnutrição, a criança passa a receber acompanhamento contínuo, além de porções da multimistura, até que tenha seu peso controlado. Não existe nenhum registro de dados, por isso, não é possível precisar o número de ocorrências no município.

Para Euza, a maior dificuldade é a manutenção dessa equipe que, por ser voluntária, precisa dividir o tempo entre os compromissos pessoais e o cumprimento das metas da Pastoral. Ela acredita que, se houvesse mais voluntários, o trabalho seria mais produtivo.

QUESTÕES POLÍTICAS

Outra grande dificuldade apresentada pela coordenadora é em lidar com as questões políticas, pois, de acordo com o regulamento da Pastoral, o trabalho da equipe não pode estar vinculado, em nenhuma instância, a grupos ou partidos políticos e, por ser São João da Lagoa uma cidade de pequeno porte, ainda não conseguiu criar meios de receber as contribuições disponibilizadas pela prefeitura sem implicitar apoio político. Ela diz que, na próxima reunião nacional da Pastoral, que acontece mensalmente em Montes Claros, vai apresentar o assunto, buscando uma solução para esse impasse.

O prefeito João Ramos diz que admira e respeita o trabalho da Pastoral e gostaria de ter a oportunidade de uma maior participação no seu trabalho, mas que essa se auto-exclui do processo de apoio social da prefeitura, se retendo em pedir ajuda. João sugere uma revisão do posicionamento da equipe de coordenação da Pastoral no município e diz que o benefício está disponível e considera esse um compromisso e uma obrigação do governo municipal.

DESIGUALDADES E RIQUEZAS

É comum ouvir que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. E é verdade. O país tem um índice de Gini de 60,7 (o índice é o principal medidor da diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres), próximo ao de nações como a República Centro-Africana e a África do Sul, e maior que Colômbia, Chile e México, para citar países próximos em termos de geografia e economia.  É comum ouvir dizer que o Brasil é um país onde cerca de um terço das crianças e adolescentes vive em famílias com renda igual ou menor a meio salário mínimo. E é verdade, 27,4 milhões de meninas e meninos brasileiros vivem em situação de pobreza.

Porém, em meio a tantos desafios no país, há que se reconhecer que o Brasil, nos últimos anos, tem sido visto em todo o mundo por sua capacidade de encontrar soluções criativas na área social.

NA DIREÇÃO CERTA

A Pastoral da Criança é um programa que inspira iniciativas semelhantes na América Latina e na África e suas ações e resultados são reconhecidos em todo o mundo, revelado como uma das maiores riquezas do Brasil, pela sua capacidade solidária.

Espera-se, assim, que iniciativas como a deste sábado, que envolveu tantas pessoas, principalmente jovens e adolescentes, e que teve resultados tão positivos, não venham se esbarrar em problemas de ordem puramente burocrática, impedindo que o programa siga seu curso. O que importa é contribuir para a construção de um país mais justo, mais democrático e mais igual para cada um de seus 61 milhões de meninas e meninos.

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