Herança para fortalecer o campo

Trabalho na lavoura começa cedo para formar nova geração

Manoel Freitas
O Norte - Montes Claros
25/10/2018 às 06:37.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:25
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

Uma pesquisa do IBGE revela que a mão de obra infantil ainda é forte no setor agropecuário. Em Minas, 45.842 crianças e jovens menores de 14 anos trabalham no campo – 26.109 meninos e 19.733 meninas. O número corresponde a 2,5% dos trabalhadores rurais no Estado. Do total, 77% trabalham em estabelecimentos da própria família.

Em Glaucilândia, a 30 quilômetros de Montes Claros, os números são bem exemplificados em duas comunidades – Caiçara e Barra de Caiçara. Lá, crianças e jovens são motivados a ajudarem os pais nas diversas tarefas, fortalecendo esse universo de 45 mil meninos e meninas mineiros que procuram conciliar o trabalho e os estudos.

Essas são duas das 14 comunidades que integram o programa “Juventude Rural e a Sucessão no Campo”, com o suporte da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Nessas comunidades são realizadas a criação de aves e a oleicultura.

“A gente motiva o filho do agricultor a estudar e a manter as raízes com os pais, dar continuidade à produção nas propriedades da família, por ser uma ferramenta importante para conter o êxodo dos jovens rurais para os centros urbanos”, argumenta a extensionista do escritório da Emater em Glaucilândia, Ivanete Ferreira da Silva.

Na Fazenda Lagoa do Boi, apenas um dos dez filhos de Geralda Ferreira, a Dona Dica, de 84 anos, quis ficar na propriedade em Barra do Caiçara para cuidar da lavoura e dos animais. Darci Ferreira Silva, de 43 anos, comanda uma enorme plantação de brócolis, couve-flor, tomate, abóbora e melancia. E já conta, diariamente, com a ajuda da filha Lavínia Ferreira, de 10 anos, depois que ela chega da escola, em Glaucilândia.

Darci garante que a prioridade é manter a menina estudando e que a produção agroecológica, “que requer muito cuidado”, é o modo de repassar a ela o que aprendeu com os pais.

A maior parte da produção que Darci obtém com a ajuda da caçula tem como destino o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que assegura a venda para as escolas de Glaucilândia. O restante é comercializado “de porta em porta” no próprio município e no Mercado Central em Montes Claros.
 
TRADIÇÃO
O trabalho na roça faz parte da realidade de Elisângela de Fátima Oliveira Marques, presidente da Associação de Caiçara e Barra do Caiçara. Ela cria frangos e não dispensa a ajuda da filha Tainara Sueli, de 14 anos. A produtora rural tem outros três filhos, já adultos, mas é à mais nova que procura repassar o que aprendeu com os pais na lida.

“Nasci com o nariz na roça, ajudando nas tarefas, cuidando dos porcos, das galinhas. Desde os 3 anos já colocava água para as galinhas, cuidava dos porcos, da horta, levava a comida para quem cuidava das plantações”, conta a líder comunitária para quem o programa da Emater “é fundamental por promover a formação cidadã e profissional” de quem vive no campo.

Para Humberto Silva Augusto, supervisor de pesquisas agropecuárias do IBGE Minas Gerais e coordenador do Censo Agropecuário, os números não indicam, necessariamente, uma exploração do trabalho infantil. Segundo ele, o fato de a maior parte das crianças trabalharem para algum parente indica uma herança cultural da agricultura familiar no Estado.

“Muitas vezes, o produtor rural tem um sítio e os filhos ajudam na cozinha ou na capina da horta, fora do horário escolar. Por isso, o percentual com laço familiar é bem maior”, explica. Ele ressalta, porém, que a evidência não exime os lugares onde os menores são contratados de forma exploratória e novos estudos precisam ser feitos para identificar e punir a prática.

Trabalho na Ceanorte no intervalo dos estudos
Jeniffer Emanuele, de 11 anos, passa as manhãs de segunda a sexta-feira entre batatas-doces, limões, cenouras e mandiocas enquanto ajuda a mãe, Mônica Aparecida Gomes da Silva, de 38 aos, a empacotar os produtos vendidos na Central de Abastecimento de Montes Claros (Ceanorte), a maior do Norte de Minas. Depois de ajudar na tarefa, Jeniffer vai para casa, no bairro Vila Sion, para fazer as tarefas da escola e seguir para as aulas.

Ela é apenas um exemplo dos vários menores de 14 anos que ajudam os pais no imenso galpão de comercialização de produtos hortifrutigranjeiros que recebe agricultores e vendedores de toda a região.

São meninos e meninas que, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, passam a ser percentual no universo de cerca de 22,1 milhões de crianças e adolescentes que trabalham ajudando os pais e conhecidos da família, mesmo diante do avanço da Legislação Trabalhista no Brasil.
 
CULTURAL
A mãe de Jeniffer e de outros três filhos, mesmo reconhecendo que o trabalho não é a melhor escola, explica que há dois anos a caçula a ajuda. Para Mônica, o trabalho não prejudica os estudos. Ela conta que herdou essa tradição da mãe. “Trabalhei dos 14 aos 19 anos e isso só me fez crescer”, conta Mônica, enquanto a filha negociava e empacotava os produtos adquiridos na comunidade rural de Lagoinha, às margens da BR-135.

Ela ressalta que os feirantes da Ceanorte respeitam o trabalho de crianças e adolescentes. “Eles entendem ser uma cultura passada de geração para geração”, afirma.

A diferença entre explorar uma criança no trabalho e conscientizá-la sobre a importância de ter responsabilidades é a bandeira de Marilene Celestino Horta, de 54 anos, moradora do Major Prates e que há sete vende nove tipos de temperos que produz. Ela emprega a estudante Raíssa Aguiar, de 14.

Mesmo sem parentesco com a ajudante, acredita agir corretamente. “O ser humano, em sua caminhada, deveria ajudar os jovens, porque isso não é um emprego, é um treinamento. Quando ela sair daqui, com 17 anos, pode arrumar ocupação formal em qualquer lugar”, salienta a feirante.

No vai e vem frenético da Ceanorte, a atuação de adolescentes conta com a simpatia de consumidores. É o caso de Maria Evangelista Pereira da Silva, de 37 anos. “Filho ajudar os pais e parentes, para mim, é como um mandamento. A criança aprende desde pequeno como é o mundo, por isso tem que ajudar mesmo”, salienta, observando que o filho Yago Rodrigues Pereira, de 12 anos, auxilia o marido em depósito de construção. (M.F.)

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