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Escola Estadual Xukurank, aos 17 anos, abrigou os visitantes e foi palco de rituais e cultura

Manoel Freitas
11/01/2019 às 06:21.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:58
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

SÃO JOÃO DAS MISSÕES – A ideia de concentrar cinco nações indígenas em uma única aldeia durante a realização dos VI Jogos Indígenas de Minas era a de possibilitar o intercâmbio cultural não apenas dos caciques, lideranças e atletas, mas de todos os envolvidos na competição com forte cunho cultural.

Dessa forma, dois povos Pataxó, Xucuru Kariri, Krenak e Xakriabá se abrigaram, realizaram rituais e participaram de programação cultural na Escola Estadual Xukurank.

O objetivo, além das disputas esportivas, é claro, era mostrar a gastronomia dos anfitriões e discutir temas ligados à causa indígena, sobretudo a demarcação de terras por parte da Funai.

A organização do evento pelo Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais e Prefeitura de São João das Missões, com suporte do Comitê Intertribal de Memória e Ciência Indígena, fez opção por hospedar os grupos étnicos nas dependências da escola Xukurank, na Aldeia Barreiro Preto, pelo significado do espaço.

O educandário – edificação mais imponente fora da sede da tribo Xakriabá, na Aldeia Brejo Mata Fome, quase todo em formato de oca – foi inaugurado em dezembro de 2002 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), com participação direta dos índios na concepção e elaboração do projeto arquitetônico.

A diretora da unidade de ensino, Maria Aparecida Barros de Andrade, que coordenou os trabalhos de recepção das delegações, alojamento e alimentação, disse que não apenas ela, “mas como toda a comunidade escolar atuou arduamente no suporte para receber da melhor forma nossos parentes”.

Segundo Maria Aparecida, a escola em formato de palhoça é um espaço onde a etnia se reúne para discutir os assuntos do momento, cultivar as tradições, retomar a língua e cultura Xakriabá. A escola funciona em três turnos, com educação infantil, ensinos fundamental e médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
 
CRESCIMENTO
“Os primeiros professores Xakriabá se formaram na segunda metade dos anos 1990 e muitos emergiram, como o atual prefeito José Nunes de Oliveira”, contou a diretora, argumentando ainda não ter dúvida de que os participantes dos VI Jogos Indígenas voltaram para suas respectivas terras cientes do papel das escolas como grandes responsáveis por “extraordinária mudança na comunidade indígena”.

O centro das atividades coletivas, ao lado também da Casa de Medicina Xakriabá, é uma grande área circular coberta e sem paredes, com telhado em dois níveis para permitir a entrada de luz natural, palco de rituais durante a celebração.

No campo e na escola, elas são as donas da bola

Duas índias se destacaram nos VI Jogos dos Povos Indígenas realizados na Aldeia Barreiro Preto. Nas disputas em campo, a grande estrela foi a jovem Cila Gonçalves Queiroz, de 22 anos, da Aldeia Brejo Mata Fome, sede da tribo Xakriabá. Mas nas ideias e ações pelos direitos dos indígenas, os holofotes se voltaram para a professora Célia Nunes Correa, a Célia Xakriabá.

Nas arenas, Cila começou a brilhar na primeira partida de futebol, contra o time dos Krenak, marcando quatro dos nove gols da vitória. Na final, contra os Xucuru Kariri, marcou mais duas vezes no triunfo de 11 a 0 que garantiu ao futebol feminino de sua etnia o hexacampeonato, de forma invicta. Cila não passou em branco em nenhuma partida das seis edições.
 
POLIVALENTE
Artilheira da competição, com seis gols, Cila Gonçalves é considerada pelo povo Xakriabá uma atleta polivalente. Foi campeã também na corrida de 100 metros do maracá. Na zarabatana, sua pontaria rendeu a terceira colocação para os anfitriões, mesmo lugar que obteve no arremesso de lança.

Após marcar quatro vezes na estreia, a jovem guerreira disse a O NORTE que se empenha em todas as modalidades, “mas o futebol fala mais alto por exigir conjunto, esforço coletivo”.
 
LUTA PELAS PALAVRAS
Fora dos gramados, o espetáculo entre as mulheres ficou por conta de Célia Xakriabá. Responsável pela programação cultural dos VI Jogos Indígenas, ela é formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com mestrado pela Universidade de Brasília (UnB).

A professora, que hoje dá aula na escola onde estudou, abriu os debates na Aldeia Barreiro Preto e chorou ao afirmar que “somos sementes e a universidade só faz sentido se for instrumento de luta”.

Xakriabá com bandeira na mão
Primeira indígena a representar os povos tradicionais na Secretaria de Educação de Minas Gerais, a professora Célia Xakriabá é reconhecida internacionalmente pela luta em favor do seu povo.

Para centenas de índios presentes à noite cultural na Escola Estadual Indígena Xukurank, a ativista lembrou que sua luta concentra-se na reestruturação do sistema educacional, no apoio às mulheres e à juventude.

É motivo de orgulho para o povo Xakriabá também porque estudou na Escola Xukurank, onde hoje é professora, além de ter sido em 2015, com apenas 25 anos, a primeira mulher indígena a fazer parte do quadro de especialistas na Secretaria de Estado de Educação.

A educadora acredita que o problema principal dos povos indígenas no Brasil é a demarcação territorial, mas faz questão de lembrar que uma de suas bandeiras é denunciar a ausência das mulheres em posições políticas.

Para Célia, os VI Jogos Indígenas “foram importantes pelo intercâmbio, pela união que possibilitaram entre as diversas nações indígenas”. “Todo esforço deve ser feito em reunir os grupos étnicos de Minas com maior frequência, quer seja através da educação, do esporte e da cultura”.

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