Escravos do século 21

Auditores do Ministério do Trabalho já resgataram 102 pessoas em flagrante de trabalho escravo no Norte de Minas neste ano. Crime estaria avançando nas carvoarias

Christine Antonini
01/08/2019 às 05:55.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:48
 (MTE/Divulgação)

(MTE/Divulgação)

Somente neste ano, 102 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Norte de Minas – 89 na cidade de Coração de Jesus, 10 em Grão Mogol e três em Jaíba. A maioria dos casos é referente a mão de obra escrava em carvoarias e fazendas, nas plantações de banana e outros tipos de cultura. Os trabalhadores vêm de vários estados do país, com a promessa de uma vida melhor, de emprego fixo e moradia para toda a família.

“Percebemos um aumento do trabalho escravo no Norte de Minas no ramo da carvoaria, algo antigo, mas que tem crescido nos últimos anos”, afirma o auditor do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Marcelo Gonçalves.
 
RESGATE
De 2017 à primeira quinzena deste ano, os auditores do MTE resgataram 197 pessoas em situação insalubre de trabalho. Em algumas situações, os trabalhadores e suas famílias tinham os documentos pessoais retidos pelo empregador. No mês passado, 66 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo em Paracatu – as vítimas eram de algumas cidades do Norte de Minas e do Piauí. Elas moravam em alojamentos improvisados e não recebiam qualquer valor nem alimentação.

A cidade que mais tem registros de mão de obra escrava na região é Coração de Jesus (89), seguida por Jequitaí (53), que está a 102 quilômetros de Montes Claros, maior município do Norte de Minas, que dispõe de unidades do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do MTE.

Segundo o órgão, as fiscalizações são frequentes e frisam à necessidade de denunciar qualquer tipo de abuso que configure mão de obra escrava. As multas não correspondem ao ato de crueldade enfrentado por essas pessoas. De acordo com o diagnóstico feito pelo MTE, no município que mais apresentou mão de obra escrava no Norte de Minas, Coração de Jesus, para os 89 resgatados, a fazenda foi multada em R$ 19.815,46.
 
PERFIL
A escravidão do século 21 não diferencia os trabalhadores por raça. Basta o indivíduo não ter conhecimento dos seus direitos e aceitar fazer qualquer serviço para não deixar o pão faltar à mesa. Outro perfil dos resgatados é que são jovens, menores de idade e idosos, sempre sem Carteira de Trabalho assinada e nenhum direito garantindo. Muitas vezes, no local não é oferecida água potável e a jornada de trabalho é exaustiva, sem nenhum tipo de equipamento de segurança.
 
COMPENSAÇÃO
Quando a empresa é multada por algum ato de infração trabalhista, ela pode negociar com o Ministério Público e compensar o município ou os cidadãos lesados de alguma forma. A multa aplicada pode ser dividida entre os prejudicados ou a empresa pode oferecer serviços à sociedade, como bolsas de estudo, construção de escolas, etc. E, para a empresa voltar a funcionar, deve atender a uma série de burocracias e se submeter a constantes visitas dos analistas fiscais.

Presidente Bolsonaro critica punição estabelecida em lei
Na última terça-feira, o presidente da República, Jair Bolsonaro, criticou a emenda constitucional que pune com expropriação a propriedade rural em que for constatado trabalho escravo. Além disso, o presidente argumentou que a definição do que é “trabalho análogo à escravidão” precisa ser mais clara, afirmando que o empregador “não quer maldade para o seu funcionário nem quer escravizá-lo”.

A escravidão foi oficialmente abolida no Brasil em maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea. Dessa forma, a expressão “trabalho análogo à escravidão” faz referência a situações degradantes, similares às das relações de trabalho na época da escravidão.

As expressões “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” foram introduzidas pela Lei Federal nº 10.803/2003, que modernizou a repressão à escravidão contemporânea no Brasil. Esta lei determina “reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência” para quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

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