(MANOEL FREITAS)
SÃO JOÃO DAS MISSÕES – O sertão mineiro foi palco, pela segunda vez, de um ritual de valorização da cultura e da união de quatro povos indígenas que vivem em terras mineiras. Durante quatro dias, mais de 600 atletas nativos dividiram o espaço na tribo Xakriabá, em São João das Missões, no Norte do Estado, para participarem dos VI Jogos Indígenas de Minas Gerais.
O NORTE acompanhou essa confraternização e traz, nesta edição, a primeira matéria de uma série que irá retratar as disputas e a cultura das nações participantes.
Nas terras do maior grupo étnico do Estado, na Aldeia Barreiro Preto, os quatro povos se enfrentaram em oito competições: derruba o toco, arco e flecha, cabo-de-guerra, zarabatana, corrida do maracá, bodok, arremesso de lança e futebol.
Xakriabá, Krenak, Xucuru Kariri e Pataxó valorizam e perpetuam as tradições através dos jogos, criados em 1996 pelo Comitê Intertribal de Memória e Ciência Indígena.
Para quem possa imaginar que as tribos vêm perdendo força e suas tradições e culturas nos últimos anos, os jogos demonstraram o contrário. A pintura no rosto é marca de que os traços étnicos continuam muito vivos.
Além disso, a presença das crianças, interessadas nas modalidades é muito grande. Correndo pela tribo, a diversão principal é o arco e flecha, nada de carrinhos ou brinquedos comuns aos pequenos da cidade.
O antropólogo da Funai França Júnior, que atua nas 34 aldeias Xakriabá que fazem limite com os municípios de Manga, Miravânia, Montal-vânia, Januária e Itacarambi, lembra que na competição “há pouco valor para a vitória e mais atenção para a comunhão, com forte impacto na cultura de cada povo”.
O indigenista destaca que a pintura corporal, muito mais forte ainda durante os quatro dias do torneio, “é uma tradição com profundo significado para os povos indígenas, sinal de respeito pela terra e pela cultura”. O antropólogo reforça que o motivo principal dos jogos “é aproximar os povos indígenas, de modo a fortificar as culturas e tradições”.
INTEGRAÇÃO
“Os jogos nos permitem conhecer a realidade de cada povo”, argumentou o cacique Thyeru Jal, que assumiu a tribo Xucuru Kariri em 2015, após a morte do pai. Lembrando que a competição o permitiu pisar em solo Xakriabá. “E aí, depois de uma partida de futebol, da derrubada de um toco, a gente senta para saber como estão as questões internas de cada povo, vai descobrindo cada segredo um do outro para depois juntar tudo e fazer um bolo só”, disse.
A escolha de São João das Missões para a realização dos jogos levou em conta, também, o fato de o município ser administrado, pela terceira vez, pelo índio José Nunes. Em 1987, com 11 anos de idade, ele foi testemunha ocular da morte do pai, o cacique Rosalino Gomes, na “Chacina Xakriabá”, que ganhou repercussão internacional, forçando a Funai a demarcar as terras da etnia.
RELATOOs Jogos Indígenas ocorrem em solo Xakriabá 15 anos depois que comecei a retratar os principais ritos desse povo, a chegada de suas lideranças ao poder e, ainda, o resgate das tradições, tendo como base a construção da Casa de Cultura, erguida na Aldeia Sumaré, com recursos internacionais. Avanços que, em pouco tempo, melhoraram a qualidade de vida da etnia e colocaram o artesanato produzido por eles entre os mais ricos e representativos do país.Agora, no final de dezembro, durante a cobertura dos jogos, o que mais me impressionou, além da hospitalidade do índio sertanejo, foi a forte presença das crianças nos rituais: herança cultural, legado retratado em pinturas corporais, presentes também quando apenas se divertem na aldeia com arco, flecha, maracá e cocar, brincando de índio mesmo. Manoel Freitas