Comunidade ainda em conflito com Parque da Mata Seca

Moradores de Pau de Légua enfrentam restrições para sobrevivência

Carlos Castro Jr.
16/08/2019 às 07:14.
Atualizado em 05/09/2021 às 20:00
 (DIVULGAÇÃO)

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Há quase 20 anos, mais exatamente nos anos 2000, um decreto estadual dava início ao Parque Estadual da Mata Seca, no município de Manga, no Norte de Minas. A decisão gerava também um conflito por conta da utilização de recursos naturais. 

No território determinado para o parque, já se encontrava a tradicional comunidade barranqueira de Pau de Légua, com cerca de 60 famílias. O agronegócio, forte na região, principalmente após a implantação do Projeto de Irrigação Jaíba, também já exercia as atividades locais. 

O conflito de interesses da comunidade, do agronegócio e do Estado chamou a atenção da pesquisadora Júlia Veloso, mestre em Sociedade, Ambiente e Território, que realizou um estudo na região para entender a atual situação.

De acordo com Júlia, a comunidade tradicional de Pau de Légua possui uma identidade diretamente relacionada àquele território, à natureza do lugar com o qual possui laços tradicionalmente construídos.

“A comunidade nutre pela localidade um sentimento de pertencimento e possui uma racionalidade distinta sobre a ocupação do território, tendo ali desenvolvido regimes de propriedade comum e técnicas tradicionais de manejo dos recursos naturais que contribuem para o equilíbrio do ecossistema”, explica. 

Ainda de acordo com a pesquisador a, o agronegócio vê na localidade uma região importante para o desenvolvimento de atividades rurais em grande escala, devido ao fato de se tratar de uma área com solo fértil, topografia favorável e grande disponibilidade de água advinda principalmente do rio São Francisco. 

Júlia Veloso ressalta que no conflito em questão, o Estado adotou uma postura conservacionista, vendo a região como um local apropriado para a instalação de políticas ambientais compensatórias, instalando ali uma unidade de conservação de proteção integral, que não permite qualquer interferência humana ou o uso indireto de seus recursos naturais. 

“Implementou ações de conservação sem considerar os processos históricos vivenciados pelo território, violando os direitos territoriais da comunidade que ocupava a referida localidade. Vale destacar que o Parque Estadual da Mata Seca faz parte do Sistema de Áreas Protegidas do Jaíba (SAP Jaíba) e foi criado como medida compensatória para viabilizar a Licença de Operação à expansão da etapa II do Projeto Jaíba”, afirma Júlia.
 
ISOLADOS
O trabalho de preservação no parque é realizado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). O estudo realizado pela mestre chegou à conclusão que, atualmente, os moradores de Pau de Légua encontram-se encurralados em uma pequena área na beira do rio e são proibidos pelo órgão de circular pelo território.

“Sofrem com a restrição absoluta do uso dos recursos naturais disponíveis na região. O espaço que ocupam não é suficiente para plantarem e colherem, tampouco criar animais, o que vem comprometendo a subsistência e segurança alimentar. Além disso, os moradores estão sujeitos às penalidades previstas pela legislação ambiental, o que limita ainda mais as suas ações, principalmente suas técnicas tradicionais de manejo”, destaca.

Ainda de acordo com Júlia, a comunidade que depende da terra e da água do rio para sobreviver acaba tendo os direitos humanos violados em nome do desenvolvimento da região.

“Acredito que a regularização das terras tradicionalmente ocupadas seria capaz de solucionar o conflito ambiental ali instaurado. Nesse sentido, o reconhecimento por parte do Estado dos direitos territoriais da comunidade tradicional, da racionalidade distinta sobre o uso dos recursos naturais e do seu distinto modo de apropriação territorial, representa um paradigma a ser superado”, diz, lembrando que é preciso espaço para que a comunidade possa ser ouvida.
 
O QUE DIZ O ESTADO
Em nota, o Estado afirmou que o parque foi criado com a finalidade de proteger a fauna e flora regionais, as nascentes dos rios e córregos da região e que as informações existentes à época da criação não registram a presença de comunidades no seu interior.

Afirmou ainda que por determinação da lei, é vedado a utilização ou permanência de moradores naquela área. Por fim, disse que tem envidado esforços para conciliar todos os interesses envolvidos, visando assegurar espaços democráticos de discussão e solução de conflitos.

“Entendemos que a comunidade tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e cabe ao IEF gerir a unidade de conservação em busca deste equilíbrio”, finaliza a nota. 

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