Brincadeira ilegal com linha de cerol e chilena mata duas pessoas no Norte de Minas

Christine Antonini
O NORTE
10/06/2020 às 01:03.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:44
 (AGÊNCIABRASIL PMMG/DIVULGAÇÃO)

(AGÊNCIABRASIL PMMG/DIVULGAÇÃO)

Apesar da regra do isolamento social estar prevalecendo, por causa do risco de contaminação pelo novo coronavírus, a brincadeira de soltar pipa continua entretendo crianças e jovens no Norte de Minas. Mas a diversão tem ganhado contornos de tragédia. Em menos de uma semana, duas pessoas morreram e três foram feridas por linha de cerol ou chilena na região. Situação que tem provocado grande comoção e revolta.

Em Montes Claros, uma mulher morreu após ter o pescoço e tórax atingidos por uma linha chilena. Em Bocaiuva, uma jovem também teve a jugular cortada com o mesmo tipo de material. 

O Corpo de Bombeiros não tem estatística de ocorrências registradas com linha de cerol, pois todos os acidentes deste tipo entram como “trauma”.

Já o Samu aponta que nos últimos dois anos, em Montes Claros, foram contabilizados 14 acidentes envolvendo linhas de cerol ou chilena. A maioria das lesões atinge pescoço (jugular) e tórax. As vítimas, em grande parte, são motoqueiros.

O número de ocorrências, no entanto, deve ser maior, na avaliação do Samu. Isso porque nesse tipo de acidente, as vítimas são socorridas por terceiros, e o fato acaba não sendo notificado. Os dados que o serviço de atendimento possui são apenas dos acidentes nos quais atua.
 
REVOLTA
A morte de Andrea Borges, de 44 anos, na noite de segunda-feira chocou a população montes-clarense. A Câmara de Vereadores fez uma homenagem à mulher que voltava do serviço em uma motocicleta com o filho de 11 anos na garupa e foi fatalmente atingida quando passava pela avenida Manoel Caribé Filho, entre os bairros Vila Greice e Dona Gregória. 

Segundo a Polícia Militar, a criança não sofreu ferimentos, mas estava em choque. Ainda não se sabe quem estava soltando pipa com a linha chilena. Um pedaço do material ficou cravado no corpo da vítima.

Já o homem que estava empinando o “papagaio”, em Bocaiuva, também com o material cortante, e que vitimou uma jovem de 24 anos, foi preso. Ele responderá por homicídio culposo, pode pegar de um a três anos de prisão ou pagar fiança de 21 salários mínimos (cerca de R$ 22 mil).
 
CRESCIMENTO
As ocorrências sempre aumentam nesse período de junho a setembro, quando os ventos ficam mais fortes, atraindo crianças, adolescentes e muitos adultos para soltar a pipa. Grazielle Márcia Matos Gomes passou um susto também nestes últimos dias. Ela foi atingida pela linha cortante quando fazia uma entrega em domicílio de moto, no bairro Major Prates.

“Consegui ver a linha e freei a tempo de não me cortar mais. Mesmo assim, a linha cortou meu pescoço. Graças a Deus fui atendida a tempo e não tive nada mais grave”, pontua.

Paulo Ferreira também foi vítima da linha chilena. Ele levou 13 pontos no pescoço. O acidente ocorreu quando ele passava de motocicleta na avenida do Córrego das Melancias.

“Gostaria de pedir às autoridades mais atenção nesta época. No último domingo, por volta das 17h, estava passando de motocicleta quando fui atingido por uma linha de pipa com cerol. Tive apenas um corte no pescoço. Graças a Deus não foi algo tão grave. Gostaria de pedir mais atenção e fiscalização das autoridades”, alerta o motoqueiro.

“Se a pessoa é flagrada portando ou soltando pipa com a linha, é feita a apreensão do material e a aplicação de multa. Quando, na verdade, a linha chilena representa um risco muito maior. Por isso, a necessidade de regras mais rígidas. Se for criança, quem responde pelo crime são os pais”

Linhas são proibidas, mas facilmente encontradas
O uso do cerol e da linha chilena – que é ainda mais cortante – amedronta motociclistas, ciclistas, pedestres e deixa órgãos de segurança pública em alerta. A linha chilena é feita de cola de madeira e óxido de alumínio e corta quatro vezes mais do que o cerol. Este material tem a comercialização proibida, mas é fácil de ser encontrado em lojas e em sites e redes sociais. O potencial de dano da linha chilena é tão grande, que ela pode danificar latarias de carro e até mesmo helicópteros, como já ocorreu com o Arcanjo, do Corpo de Bombeiros.

Em Montes Claros é proibida a comercialização da linha chilena, porém ela pode ser facilmente fabricada através de vídeos na internet. “Se a pessoa é flagrada portando ou soltando pipa com a linha, é feita a apreensão do material e a aplicação de multa. Quando, na verdade, a linha chilena representa um risco muito maior. Por isso, a necessidade de regras mais rígidas. Se for criança, quem responde pelo crime são os pais”, destaca o tenente Márcio Henrique Borges Silva.

Como ação de prevenção, a Polícia Militar realizou, na manhã de ontem, uma operação em alguns bairros de Montes Claros. Somente no Delfino Magalhães foram apreendidos 23 carretéis de linha chilena e com cerol. As crianças que estavam com o produto foram repreendidas pelos militares, assim como os pais dos meninos. O material foi queimado.
 
FALTA PROTEÇÃO
Com o alto índice de acidentes envolvendo linhas de pipa nos últimos dias, a procura por antenas e equipamentos de proteção para impedir os cortes aumentou em Montes Claros. Porém, os motociclistas estão tendo dificuldade de encontrar os acessórios nas lojas da cidade.

“Com a pandemia, diminuímos as compras de acessórios para motos e carros. Ainda tínhamos algumas antenas e um protetor para pescoço, que também é muito utilizado pelos motoqueiros. Contudo, na última semana esgotaram. Já pedimos uma nova remessa que deve chegar em até 15 dias”, afirma André Soares, proprietário de uma loja de acessórios para veículos.

Enquanto os equipamentos não chegam à cidade, quem precisa utilizar moto e até bicicleta tem que ficar atento para não se ferir. “Quando estou passando por uma rua mais ‘aberta’ (sem muitos fios), já fico atento para ver se não tem alguém soltando pipa por perto. E nem sempre são crianças. Já vi adultos brincando disso, mas não dá pra saber se é linha comum ou cortante”, pontua o entregador Juarez Cardoso.

Prejuízo elétrico
No ano passado, a Cemig registrou 121 ocorrências com pipas na rede elétrica, que provocaram desligamentos de energia para 58.328 clientes no Norte de Minas. Somente no primeiro trimestre deste ano, foram 17 ocorrências, que deixaram quase 2 mil residências sem energia. Além disso, muitos curto-circuitos são provocados pela tentativa de retirada dos brinquedos presos aos cabos. “Para brincar com segurança, as pipas devem ser soltas em locais abertos e afastados da rede elétrica. Também é preciso evitar o uso de fios metálicos ou cerol e, caso a pipa fique presa nos fios dos postes, elas não podem ser resgatadas, porque acidentes nestas condições podem ser fatais”, orienta o gerente de Saúde e Segurança do Trabalho da Cemig, João José Magalhães.

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