Bombeiros têm prova de fogo na Lapa D’Água

Aumento de visitação em parques e cavernas do Norte de Minas exige treinamento pesado dos militares para casos de salvamento terrestre e nas cavidades rochosas

Manoel Freitas
20/06/2019 às 08:19.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:11
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

Minas tem o maior número de cavernas do Brasil, em sua grande maioria, no Norte do Estado. Marca que estimula o ecoturismo, que cresce em toda a região, dia após dia. A visitação das cavidades subterrâneas tem sido boa para a geração de renda, mas também motivo de grande preocupação para o Corpo de Bombeiros Militar. Quanto maior o número de pessoas entrando nesses espaços, maiores os riscos.

Para enfrentar esse desafio, o 3º Comando Operacional de Bombeiros, responsável por 236 municípios, realizou em Montes Claros a etapa mais dura do Curso de Salvamento Terrestre. O treinamento de 39 militares que atuam em diversas unidades no Norte e Jequitinhonha foi baseado em uma simulação de resgate na Lapa D’Água, com 1.100 metros, no Parque Estadual Lapa Grande.

A chamada “prova de fogo”, que reuniu os militares mais bem preparados da corporação na caverna desprovida de claraboias e fechada à visitação pública, foi acompanhada com exclusividade pela reportagem de O NORTE.

Logo na entrada, no nível inferior, com 460 metros de profundidade, além do esforço físico, há o desafio de enfrentar a grande umidade oriunda de dois cursos d’água que correm na caverna 100% escura – os rios São Marcos e Lapa Grande.

Contudo, os maiores obstáculos estavam reservados para o segundo nível, chamado de “bastante ativo”, por se tratar de área de risco, vencida somente através do rastejo. Alguns pontos têm menos de meio metro de altura entre o piso e o teto, ultrapassados com o suporte de membros da Sociedade Brasileira de Espeleologia.

Antes da preparação, o forte espírito de aventura veio em três palavras proferidas pelo comandante do Curso de Salvamento Terrestre, tenente J. Carlos, comandante do 7º Batalhão de Januária, “Penúria, sofrimento e privação. A verdadeira escola dos bons soldados. E é assim que sairão daqui”.

Recado dado, às 9h30 do dia 12 de junho, ainda na entrada da Lapa D’Água, o primeiro sinal do esforço que reclamaria o treinamento: através de técnica conhecida como “corre-mão”, conduzir em pé, na prancha de resgate, o próprio comandante, tarefa desempenhada por militares de Montes Claros, Diamantina, Janaúba, Januária, Pirapora e Salinas, bem como representantes dos estados do Maranhão e Roraima.

Depois de explicações sobre iluminação artificial, dando conta que operação completa de busca e salvamento é um processo amplo, que possui fases notadamente distintas entre si, o grupo deixou de avançar dentro da caverna pouco antes das 11h. Nesse momento, a umidade do ar aumentava e diminuía a oferta de oxigênio, “fenômeno que em algumas grutas cria confusão mental”, explica Carlos Leonardo Giunco, integrante da Sociedade Brasileira de Espeleologia.

“Uma das principais normas de segurança em cavernas diz respeito à não navegação nessas condições, porque o cérebro só memoriza 15, 20 metros. Essa regra vale para espeleólogos com 40 anos de experiência e novatos”, ressalta Léo Giunco. Ele explica que os bombeiros precisam ser treinados “porque encontram-se no mesmo grau de risco da vítima, que só aumenta nesses procedimentos de evacuação, com grande desgaste físico”.

‘O mais real possível’
O propósito do treinamento, segundo o comandante da operação, tenente J. Carlos, era fazer com que todos sentissem as dificuldades de evacuação em condições adversas. As operações em cavidades, como a Lapa D’Água, explicou, têm que ocorrer em menor tempo possível, porque há grandes abismos.

Depois de pedir a todo o grupo que apagasse as luzes e permanecesse em silêncio por cinco minutos, “para terem ideia do que passaram os meninos que ficaram presos numa caverna da Tailândia”, o tenente J. Carlos escolheu dois militares – um homem e uma mulher – que tiveram como tarefa vencer os obstáculos da escuridão total e avançar o máximo possível em três minutos.

Começou então a etapa “o mais real possível” da simulação de resgate. O soldado Daniel, do 7º Batalhão de Januária, fez o papel da vítima e logo recebeu o colar cervical e foi imobilizado.

Mesmo em se tratando de simulação, o chefe da equipe ponderou que todos tinham que agir com muito cuidado e, em casos reais, com as mesmas precauções. “Estamos resgatando uma vítima e não um cadáver. E, mesmo um cadáver, também teríamos que retirar seguindo os procedimentos, tracionando os mosquetões e polias, a chamada redução de força para diminuir o esforço do grupo”.

A preparação é fundamental porque cada minuto pode ser decisivo. “Prevalece a regra de quatro por um, ou seja, se gastarmos uma hora para chegar à vítima, precisamos de pelo menos mais quatro horas para proceder o resgate. Daí a necessidade de nos prepararmos, porque hoje contamos com o apoio de 39 bombeiros, enquanto nos pelotões, por exemplo, trabalhamos com número bem mais reduzido – em média cinco militares. Daí a necessidade de acionar outros atores que possam ajudar no resgate, porque dependendo do grau de dificuldade, não conseguiremos retirar sozinhos. É preciso da ajuda de espeleólogos que conheçam a caverna”, ressalta o tenente.
 
DEVER
No início da tarde, em uma operação que envolveu praticamente todo o grupo e um grande arsenal de equipamentos, a prancha com o soldado Daniel chegou ao ponto mais crítico – passar a maca em trecho com menos de meio metro de altura. “Por uma vida todo sacrifício é dever”, ecoou o coro dos militares.

A operação só terminou às 14h30, na área do Parque Estadual da Lapa Grande, onde estava a base de apoio. “Uma superação”, comemorou o tenente J. Carlos, para quem a corporação deve intensificar cursos de salvamento terrestre, especialmente em cavernas.

O militar frisou que os Bombeiros utilizam o geoprocessamento em algumas cavernas, como as do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e que, mesmo na Gruta Janelão, com grande luminosidade, resgates são complexos e oferecem riscos.

“Se um acidente ocorrer na Perna da Bailarina, dentro dessa caverna, o mensageiro só vai conseguir sinal telefônico depois de uma hora de caminhada. Uma guarnição de Januária gastaria mais uma hora para se deslocar até o parque e mais 20 minutos para chegar à vítima, ou seja, duas horas e 20 minutos. Se tudo não for feito rapidamente, a chance de agravar o quadro da vítima é muito grande”.

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