Bomba-relógio sem licença

Rompimento da barragem de Riacho dos Machados arrasaria a região e comprometeria o Projeto Gorutuba e o abastecimento de água da população de Janaúba

Manoel Freitas
20/02/2019 às 07:15.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:37
 (ARQUIVO PESSOAL)

(ARQUIVO PESSOAL)

O único reservatório de rejeitos do Norte de Minas é considerado por especialistas uma “bomba-relógio” em operação desde 2009 e sem licença ambiental. Com área de 500 mil metros quadrados, 33 metros de altura e volume de 3,7 milhões de metros cúbicos, a barragem de mineração de Riacho dos Machados, distante 144 quilômetros de Montes Claros, possui vários focos erosivos, o que a torna um empreendimento com risco de rompimento.

O fato foi levado à reunião extraordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, realizada na última semana para discutir a situação das barragens na região, com participação do Ministério Público Estadual.

De acordo com o engenheiro florestal e analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rafael Macedo Chaves, a mina funciona desde maio de 2009 extraindo ouro, inicialmente sob alegação de pesquisas, e, posteriormente, apenas com base em Licença Prévia concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente em abril de 2010. Essa permissão, segundo Rafael, foi referendada pela Unidade Regional Colegiada de Minas (URC), do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

“Além do risco de morte de centenas de famílias, na hipótese de rompimento da barragem, seria comprometida a maior represa da região, a Barragem Bico da Pedra, distante 31 quilômetros, em Janaúba, com volume de 750 milhões de metros cúbicos”, afirma o engenheiro. O reservatório foi construído em 1978 para irrigação de 5.500 hectares do Projeto Gorutuba e para abastecimento de água da população, estimada em 71.265 habitantes, segundo o IBGE em 2018.

Para Rafael Chaves, que é também membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, “não se vê cuidados da empresa para contenção dos focos erosivos”, que seria o principal problema da mina, que foi comprada da Vale em maio de 2009 pela empresa Carpathian Gold Inc., e mais recentemente vendida para outra empresa, também canadense, a Brio Gold Inc, e agora está com a LeaGold.

Logo após o rompimento da Barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), viralizou nas redes sociais o risco de rompimento da represa de Riacho dos Machados. No entanto, o problema foi logo afastado pelas autoridades com base no último relatório expedido pela Agência Nacional de Mineração (ANM). No documento, a barragem da mina de ouro é classificada como de baixo risco de rompimento e de baixo potencial de dano.

No entanto, segundo Rafael Chaves, “as populações circunvizinhas não sabem que estão em área de risco, que suas casas podem ser atingidas por um possível rompimento da barragem, ou seja, estão morando abaixo da bomba prestes a estourar na sua cabeça”.

O engenheiro disse que tem procurado chamar a atenção das autoridades para as falhas na estrutura, principalmente depois que a empresa assinou protocolo de intenções com o governo de Minas para investimentos da ordem de U$ 250 milhões.

Para este ano, já sob o controle da Brio Gold Inc, a estimativa é a de produzir cerca de 95 mil onças, ou seja, 2.850 kg de ouro, que na cotação internacional de ontem equivaleria a R$ 454,4 milhões.

Riscos de contaminação do solo e pela poeira
A empresa proprietária da mina anunciou, no ano passado, que a vida útil da jazida de lavra a céu aberto aumentou em 37%, prolongada em três anos, somando nove anos no total. Com isso, a atuação na área será ampliada, aumentando um risco também denunciado pelo Ibama, o de contaminação dos moradores.

Segundo o órgão, as detonações e movimentação de caminhões e máquinas levantam poeira que afeta diretamente a saúde das pessoas. “Sem contar que existem casas trincadas. A mineradora expulsa os seus vizinhos, ao invés de tentar até adquirir uma área tampão em volta de segurança da barragem”.

O risco de contaminação, de acordo com os estudos apresentados pelo Ibama, é alto pela concentração de metais pesados no solo escavado e processado, de modo que o monitoramento deve ser rigoroso e auditável, “realizado não apenas pela empresa, mas também pelo governo estadual, que não pode simplesmente lavar as mãos nessa questão”.

O promotor Daniel Piovanelli, coordenador Regional do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual e coordenador Regional das Bacias dos Rios Verde Grande e Rio Pardo de Minas, explicou que o Ministério Público não tem competência técnica para arbitrar sobre estabilidade e segurança de barragem, sendo esta atribuição da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Por outro lado, garantiu que o MP “vem acompanhando as denúncias em relação à estrutura. Além disso, ressalta que já assinou com a mineradora dois Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que foram acatados.
 
MINIMIZAR IMPACTOS
Presente à reunião, Talita Aguiar, responsável pelo relacionamento institucional e comunidades da LeaGol Inc, disse que o “objetivo da empresa é minimizar os impactos socioambientais por meio de compensações que gerem valor local” e que “a responsabilidade socioambiental é um dos pilares da empresa”.

André Viana Melo, engenheiro civil e um dos responsáveis técnicos pela barragem de rejeitos na empresa LeaGold Inc, explicou que a barragem de rejeitos em Riacho dos Machados é do tipo alteamento a jusante, “método mais caro e mais seguro, diferente das que ocorrem em Mariana e Brumadinho, alteamento a montante, mais baratas e mais inseguras”.

O engenheiro reforçou ainda que, “o barramento em Riacho dos Machados atende a todos os critérios de segurança, possui certificado acima dos padrões nacionais, declaração de estabilidade semestral, plano de emergência e plano de fechamento da mina”.

Ele ressalta que como uma das condicionantes ambientais a empresa construiu uma barragem de água com capacidade para 55 hectares e que a represa vai ficar para a comunidade após o encerramento das atividades de mineração, em 2023.

André Viana foi questionado sobre como estão sendo contidos os focos erosivos no solo e quais medidas a empresa está tomando e sobre o risco de contaminação da água por resíduos de metais pesados. Entretanto, estes questionamentos ficaram sem respostas. Os técnicos da empresa se comprometeram a prestar os devidos esclarecimentos em nova oportunidade.

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