(MANOEL FREITAS)
No Centro-Norte de Minas Gerais, durante mais de meio século, a colheita de sempre-vivas e a extração de cristais moveram a economia de vários municípios da Serra do Cabral, especialmente Joaquim Felício, Buenópolis e Francisco Dumont. A maior fatia desse extrativismo desordenado tinha como destino o mercado internacional, ao custo de grandes danos ambientais.
Utilizadas em buquês, bijuterias e artesanatos, algumas dessas espécies de flores praticamente foram extintas dos campos de altitudes, enquanto o garimpo, por sua profundidade, além de degradar a paisagem atingiu o lençol freático, dando origem a lagoas.
Entretanto, a luta dos ambientalistas para proibir o comércio de minérios e a colheita ilegal de sempre-vivas só ganhou força em 2005, quando o governo de Minas criou, em Joaquim Felício e Buenópolis, o Parque Estadual Serra do Cabral, bem como uma Área de Proteção Ambiental (APA) que faz divisa com Francisco Dumont, que historicamente sofria com a extração de cristais.
O objetivo do Estado era preservar ecossistemas naturais, realizar pesquisas científicas e fomentar o ecoturismo na montanha de perfil biogeográfico privilegiado, ou seja, localizada entre o maciço do Espinhaço e a grande bacia do rio São Francisco, um autêntico tesouro.
O parque, uma unidade de conservação de proteção integral rico em sítios arqueológicos, está distante 275 km de Belo Horizonte, possui uma área de 22.494,1728 hectares e integra a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço.
A criação ocorreu depois que estudos revelarem a importância capital na conservação de importantes remanescentes do bioma Cerrado. Com a concepção da APA, passaram a integrar o “Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral”, que teve a área reconhecida pela Unesco.
BIODIVERSIDADE
A riqueza da fauna e da flora foi atestada muito antes da criação do parque e da APA. Estudos feitos pelo Instituto Biotrópicos, com sede em Diamantina, revelaram que o complexo ecológico abriga, ainda, espécies da fauna brasileira em extinção, tais como a Onça-Pintada (P. onca), Veado-Campeiro (Ozotoceros bezoarticus), Tatu-Canastra (Priodontes maximus), Anta (T. terrestris), Onça Preta (Panthera onca), Tamanduá Bandeira (Myrmecophaga tridactyla), Galo da Campina (Paroaria dominicana), Pássaro Bicudo (Oryzoborus maximilian) e Gato-Palheiro.
Cenário de encantamento
Guiados pelo monitor Alexandre William, funcionário da Prefeitura de Joaquim Felício, percorremos parte do parque, cuja paisagem provoca encantamento.
Em Francisco Dumont o cenário é marcada pelo afloramento de lençol freático – fruto da extração sem critério de cristais –, que deu lugar à Lagoa Azul, na chamada “Lavra de Cristal da Comexa”, com 14 metros de profundidade.
Nas margens da lagoa, a segunda lavra em profundidade da região, o guia catou alguns cristais bem pequenos. “Só encontramos na superfície cristais de tamanho reduzido, chamados cristais-guias, daí o uso de máquinas pesadas e dragas para extração. Quanto mais fundo, maior a possibilidade de encontrar cristais de maior espessura e melhor a qualidade”.
Constatado o belo que emergiu da exploração sem critério, foi a vez de retratar as sempre-vivas que venceram a colheita sem regras, prática que ainda persiste, apesar da fiscalização dos órgãos ambientais, notadamente do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
O problema é tão grave que, segundo o guia Alexandre William, “as sempre-vivas muito boas, selecionadas mesmo, são vendidas a R$ 10 o quilo, como a Pé de Ouro. “Normalmente, o preço varia de R$ 6 a R$ 8, ou seja, preço entre aspas, isso dé dado, porque o trabalho é feito por vários coletores para dar alguns quilos, no máximo três quilos por pessoa”, conta William.