Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
O auditório do Campus Funorte São Norberto, em Montes Claros, foi pequeno para receber os quase trezentos estudantes que compareceram na tarde de sábado, 27 de outubro, para assistir às palestras sobre o livro Quase História (Ed. Armazém da Letras, 2007), do escritor quase montesclarense Carlos Lindenberg.
O livro, uma coletânea de crônicas do autor publicadas no jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, que reconta os bastidores de episódios que marcaram a história política brasileira no período de 1980 a 2007, é um dos indicados para o processo seletivo da Soebras/Funorte.
O auditório do Campus Funorte São Norberto, com capacidade
para 286 pessoas, ficou lotado na tarde de sábado
(foto: WILSON MEDEIROS)
Segundo a professora Nely Rachel Veloso Lauton, presidente da comissão organizadora do processo seletivo, mesmo não sendo uma forma literária comum em vestibulares, o livro foi escolhido por representar um abrir caminhos para o aluno que vai se ingressar na faculdade.
- O estudante de hoje normalmente não conhece os bastidores da política brasileira e a leitura do livro de Carlos Lindenberg pode representar um diferencial para o aluno, que chega à faculdade mais centrado, com uma perspectiva maior da sua história, do seu mundo. É muito importante que o estudante faça todos os tipos de leitura; quanto mais leitura tiver, mais vai estar preparado para vida, além de se tornar uma pessoa mais atenta. Além disso, nenhum aluno egresso da faculdade será um profissional solitário; geralmente ele vai compor uma equipe multiprofissional, e daí precisa conhecer melhor outras áreas – argumenta.
Em Quase História, Lindenberg reúne suas memórias em 600 páginas, onde a história política brasileira é recontada em episódios instigantes e inusitados. Nely diz que mesmo sendo um gênero completamente diferente do romance, o livro possui uma escrita bastante difícil, onde o autor foge da subjetividade e ao mesmo tempo se serve dela para apresentar sua história.
- Se, num primeiro momento, a quantidade de páginas assusta um pouco o aluno, durante a leitura, ele descobre que a obra não tem linearidade nenhuma, que não há um núcleo temático, que cada crônica se completa, uma não possui ligação com a outra, o que deixa a leitura mais leve. As crônicas também são datadas para que o leitor menos avisado se contextualize historicamente e filosoficamente – completa Nely.
A professora de literatura, Erenice Carvalho diz que a subjetividade e ironia, elementos muito presentes na obra, estimulam a capacidade de interpretação do aluno.
- Nas aulas de preparação para o vestibular priorizamos o olhar sobre o texto, buscando captar os traços de subjetividade, de ironia, a seleção que o autor faz quanto à postura de não privilegiar nenhum ponto negativo ou positivo, mas de falar de uma forma neutra, não comprometendo a questão da imparcialidade. Também comentamos sobre a estrutura do texto, que é uma organização muito longa - são 231 crônicas com episódios dos mais diversos -, orientando os alunos quanto à forma como o livro poderia ser cobrado numa prova de vestibular – diz Erenice, uma das palestrantes de sábado.
O livro é não-ficcional, não pode ser considerado história e, apesar de contar fatos acontecidos durante dezessete anos, é factual e atualíssimo e, segundo Erenice, sua indicação é muito conveniente por proporcionar ao aluno um novo tipo de aprendizado.
- Assuntos relacionados à política e, mais ainda, aos bastidores da política, costumam não ser dos mais atrativos para os jovens e, mesmo a obra não tendo tantos elementos da literatura - e a indicação do livro vem pela área da literatura e sabemos bem que a história pode se aproveitar disso -; considero a indicação importante por trazer um pouco mais do que a necessidade de apreender um livro para resolver questões de uma prova de vestibular, mas propiciar um conhecimento que dificilmente o jovem buscaria se não fosse, de certa, pressionado – ressalta.
Professor de história, na palestra, José Gilson Camelo disse que um dos grandes problemas do estudante hoje é ser meio alienado, averso à política e coloca todos os políticos como iguais, e para mudar esses conceitos, mais do ouvir falar, é preciso ler sobre o assunto. O mineiro sempre leu muito sobre política e isso está se perdendo. A indicação do livro Quase História é uma forma de recuperar um pouco isso – avalia.
O jornalista e professor Elpídio Rocha, que também participou do seminário, disse que a obra faz uma amarração do vestibular com a realidade.
- É preciso sair daquela idéia de que só é efetivamente bom, só é literário, o que foi produzido por aqueles autores que têm o respaldo do tempo, que são consagrados por anos e anos de trabalho. Então, um livro como o de Carlos Lindenberg, que tem a perspectiva de construção em cima do factual, do jornalístico, vamos dizer assim, traz uma atualidade, um imediatismo mais presente que talvez consiga atender um anseio das pessoas que estão fazendo vestibular, que querem algo mais próximo da sua realidade. Também tem a questão da linguagem que, por estar amarrado à linguagem jornalística, é mais simples, mais direta, mais objetiva, diferente de uma linguagem que se propõe a reproduzir um estilo de época de anos atrás. Não que seja indecifrável, mas como vivemos em uma sociedade cada vez mais rápida, às vezes, quanto mais simples o texto, maior a possibilidade de a pessoa ler e efetivamente tirar alguma coisa dele – conclui.
INOVAÇÃO
Nely ressalta que o processo seletivo da Soebras/Funorte sempre buscou inovar, trazendo novas linguagens que estimulem a capacidade de interpretação, percepção e criatividade dos estudantes. Em outras edições, o livro foi substituído por filmes, indicando Cidade de Deus (Brasil, 2002), do diretor Carlos Meireles, e Zuzu Angel (Brasil, 2006), do diretor Sérgio Rezende.
Para o processo seletivo 2008, além de Quase Histórias, do jornalista mineiro de Espinosa, Carlos Lindenberg, também foi indicado o livro Mayra, do sociólogo e escritor montesclarense, Darcy Ribeiro.
As provas acontecem no próximo dia 4 de novembro e a expectativa é de que mais de dois mil candidatos participem do processo.