Fabíola Cangussu
Repórter
Na manhã do dia 28, o curso de Psicologia da Funorte parou suas atividades normais, para receber os calouros de uma maneira diferente. Veteranos e professores se pintaram e se igualaram aos novos estudantes. Juntos foram ao asilo São Vicente de Paulo para conhecerem a realidade dos idosos e repartirem a alegria de iniciar um novo círculo de vida, o curso superior.
Segundo o professor de Psicologia da Funorte, Nebson Esolast, a iniciativa da visita foi dos veteranos, que decidiram oferecer uma nova forma de realizar o trote.
Calouros, professores e idosos formam a corrente
da solidariedade (foto: FABIOLA CANGUSSU)
- Nossos trotes ainda permanecem com raízes da idade média, onde os reis e senhores achavam que promover a violência, ou mesmo a humilhação eram formas de alegrar as pessoas. O acadêmicos de Psicologia decidiram fazer a diferença, promovendo a integração dos calouros e oferecendo momentos de descontração sem que esses tenham que sofrer nenhum tipo de humilhação e nem tratados como seres inferiores – explica o professor.
A estudante do primeiro período de Psicologia Daniella Pereira diz que a forma que a faculdade escolheu para recebe-los foi maravilhosa, pois além de se divertirem, podem fazer alguma coisa pelo próximo.
- Não há nem como comparar, aqui nós nos pintamos iguais aos professores e colegas para levar alegria às pessoas que moram no asilo. Enquanto outros cursos pintam e sujam os novatos para mendigarem. O valor conseguido é usado para beneficiar somente os veteranos – comenta Daniella.
Mary Emille Vieira concorda com a colega e ressalta a necessidade de mudança de comportamento.
- Vivemos num mundo violento. Precisamos humanizar o nosso cotidiano. Nosso curso deve ser exemplo de respeito à vida – alerta a jovem.
A responsável por receber os alunos da Psicologia no asilo São Vicente foi a assistente social Leni Maria Silva, que agradeceu a presença , reforçando que isso enriquece o dia de todos. Explicou a rotina da casa e lembrou a importância de se respeitar o ritmo individual de cada morador.
- Temos 94 idosos, mais da metade estão acamados. E cada um com seu temperamento. Uns vão adorar dançar e participar das brincadeiras, outros preferem apenas olhar. Portanto, cabem aos visitantes respeitar essas diferenças e se doarem – comentou a assistente.
Após as recomendações, estudantes e professores desenvolveram atividades de lazer, incluindo músicas, danças, maquiagens. Um outro grupo ficou responsável por visitar e conversar com os idosos que não podem sair dos quartos, por alguma limitação física.
Armando Lopes, 73 e Silvério Bispo, 69, afirmaram que gostam da movimentação dos estudantes, porém alertam que isso é raro no dia-a-dia deles.
- Nunca gostei muito de dançar e nem de ir a festas. Gosto de ficar mais quieto e do Cruzeiro, que se dará bem neste ano. Mas aprecio ver o movimento das pessoas – comenta senhor Armando, olhando a folia dos jovens de longe, mandando um recado provocativo ao time de futebol do Funorte – eles ainda têm que engrossar muito a batata das pernas para chegar à primeira divisão – fala sorrindo o idoso.
DEFINIÇÃO E ORIGEM DO TROTE
A palavra “trote” possui correspondentes em vários idiomas, como trote espanhol, trotto italiano, trot francês, trot inglês e trotten -alemão. Em todos estes idiomas, e também em português, o termo se refere a uma certa forma de movimentação dos cavalos, uma andadura que se situa entre o passo mais lento e o galope, mais rápido. Todavia, deve ser lembrado que o trote não é uma andadura normal e habitual do cavalo, mas algo que deve ser ensinado a ele, muitas vezes à base de chicotadas e esporadas. Da mesma forma, o calouro é encarado pelo veterano como algo mais que um animal, mas menos que um ser humano que deve ser domesticado pelo emprego de práticas humilhantes e vexatórias; em suma, o calouro deve aprender a trotar.
Da mesma forma, denominar o calouro de bixo ou bixete, se for mulher, parece querer indicar que o calouro deve ser humilhado a ponto de nem mesmo merecer que a palavra trote estudantil não é uma exclusividade brasileira, muito menos foi inventado no Brasil. Seu histórico pode ser traçado a partir do começo das primeiras universidades, na Europa da Idade Média . Nestas instituições, surgiu o hábito de separar veteranos e calouros, aos quais não era permitido assistirem as aulas no interior das respectivas salas, mas apenas em seus vestíbulos de onde veio o termo vestibulando para designar estes novatos. Por razões profiláticas, os calouros tinham as cabeças raspadas e suas roupas muitas vezes eram queimadas.
Todavia, já no século XIV, as preocupações com a higiene haviam se transformado em rituais aviltantes, com nítida conotação sadomasoquista. Isto é observado nas universidades de Bolonha, Paris e, principalmente, Heidelberg, onde os calouros, reclassificados como feras pelos veteranos, tinham pelos e cabelos arrancados, e eram obrigados a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados domesticados.
Em Portugal, os trotes violentos, como o notório Canelão podem ser rastreados a partir do século XVIII na universidade de Coimbra. Não por coincidência, estudantes da elite brasileira que por lá realizaram parte de seu processo educativo, trouxeram a “novidade” para o território nacional. Em decorrência disso, surgiram desavenças entre veteranos e calouros que culminaram com a morte, em 1831, de um estudante da faculdade de Direito de Olinda, Pernambuco – seria a primeira, mas lamentavelmente não a última vítima de um trote violento no Brasil.
