A lição de casa possibilita a interseção desses dois universos, envolvendo a família na vida escolar dos filhos, motiva o aluno a assumir responsabilidades, a trabalhar sozinho e desenvolver hábitos de estudo, buscando o conhecimento por conta própria, além de promover a interação entre família e escola
(foto: Manoel Freitas)
Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Os constantes questionários aplicados pelo ministério da Educação em escolas públicas de todo país para avaliar a qualidade do processo ensino-aprendizagem, bem como a eficiência dos programas educacionais adotados, têm revelado diferenças consideráveis no desempenho dos alunos de uma escola em relação à outra, muitas vezes localizadas na mesma região e até na mesma cidade.
De acordo com os resultados divulgados pelo Inep/Mec no ano passado, essas diferenças são decorrentes das características de cada escola, como condições de infra-estrutura física e pedagógica, aspectos do clima escolar e estilo pedagógico dos professores.
Aliado a essas características, os resultados também apontam para o envolvimento da família na vida escolar dos filhos e a abertura da escola ao diálogo com a comunidade que, de acordo com a avaliação do grupo de educadores que analisaram os resultados, ajudam a escola a fazer a diferença, salientando, inclusive, a importância dos pais se preocuparem com o desempenho escolar de seus filhos e cobrar, por exemplo, que estes façam a lição de casa.
A lição de casa possibilita a intersecção de dois universos: casa e escola. É nesse sentido que a professora Rosely Madureira da Silva Aniceto, que trabalha há 28 anos na alfabetização, diz que a participação dos pais é fundamental para o estímulo da criança.
- Quando os pais demonstram interesse pelas atividades escolares do filho, se preocupam com seu aprendizado, isso reflete diretamente no seu desempenho, principalmente nos anos iniciais, na alfabetização, que é o período em que a criança começa a definir sua personalidade e tomar gosto pelas diversas atividades que lhe são apresentadas. O tipo de estudante que ela vai ser no futuro está diretamente ligado à forma como vivencia a escola nesse período – explica a educadora.
LIÇÃO DE CASA
Em várias partes do mundo foram feitos diversos estudos sobre a polêmica em relação à quantidade de lição de casa que as crianças deveriam ter. Em 1992, por exemplo, foi divulgada em Washington uma pesquisa comparativa coordenada pelo Educacional Testing Service norte-americano (ETS), que buscava medir a qualidade de ensino de escolas públicas e particulares de 20 países. Um dos itens estudados era o tempo dedicado e os instrumentos utilizados na lição de casa. Embora não caiba aqui comentar os resultados dessa pesquisa, o exemplo ilustra as preocupações que rodeiam o tema.
Em relação à lição de casa, Rosely diz que é um importante momento de interação entre a família e escola.
- Quando os pais orientam na tarefa de casa, a criança faz questão de mostrar o resultado e fica orgulhosa e feliz. Quando não tem esse acompanhamento ela até esconde o caderno. A atenção dos pais nesse período é uma coisa que ela vai guardar para o resto da vida – explica a professora
Andréia Luciana Pena e Souto, professora de português, literatura e redação na 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Médio na rede pública estadual diz que a lição de casa ajuda a reafirmar o conteúdo apreendido na escola.
- A atividade ajuda a sanar as dúvidas que porventura não foram esclarecidas durante a aula e possibilita o envolvimento da família na vida escolar da criança. Muitos pais entregam seus filhos à escola e deixam tudo por conta dos professores e, muitas vezes, como não têm tempo de acompanhá-los na tarefa de casa, contratam um professor particular. Essa falta de envolvimento enfraquece os laços familiares e mina a confiança e a expectativa da criança em relação aos pais, que acabam indo buscar apoio em outras pessoas, o que nem sempre é o melhor caminho – argumenta a professora, que diz que os laços afetivos só se fortalecem no convívio diário e é importante que pais e filhos compartilhem suas dificuldades e conquistas.
CONTEÚDO
Muitos confundem aprendizagem com memorização, valorizam a repetição de exercícios e consideram o estudante um pote vazio que precisa ser preenchido pela transferência do conhecimento do professor para o aluno. Por isso conferem importância à quantidade, regularidade e tempo em que a tarefa deve ser feita, mantendo o aluno sempre ocupado. Se, ao contrário, considerar a aprendizagem como um processo de construção individual de conceitos e idéias, sua maneira de pensar, sua leitura de mundo, suas hipóteses a respeito dos diferentes assuntos, a quantidade de lição de casa perde a importância.
Apesar de considerar a lição de casa importante, Rosely diz que é preciso que o conteúdo seja uma continuidade do que foi ensinado na sala de aula, que possibilite ao aluno assumir responsabilidades, a trabalhar sozinho e desenvolver hábitos de estudo buscando o conhecimento por conta própria, e não apenas uma atividade para ocupar o tempo ou forçá-lo a estudar.
- Além disso, a tarefa tem que ser dosada de acordo com a idade da criança. Da mesma forma que é importante estudar, é preciso que ela tenha tempo para ser criança, para brincar, que tenha um tempo para o lazer – explica a professora e diz que o relevante é que o aluno seja envolvido e estimulado pelo desafio.
INDEPENDÊNCIA
A lição de casa é uma oportunidade de estudo independente, uma situação em que o aluno pode ter a iniciativa e realizar tarefas por si próprio, já que na classe a maior parte do tempo trabalha coletivamente.
Na pesquisa realizada pela ETS, 95% dos pais responderam que consideram a lição de casa necessária especialmente para o aluno criar hábito de estudo independente e como reflexão para rever o que foi estudado em classe. A maior parte dos pais também acredita que a lição não deve existir como uma atividade para ocupar o tempo do aluno em casa ou para compensar o (relativo) pouco tempo - 4 a 5 horas diárias - que se passa na escola.
Andréa Juliane Silva é mãe de Isabela, 8 anos, que cursa a 3ª série do Ensino Fundamental. Segundo ela, mal a filha chega em casa e já vai fazer a tarefa.
- Fico sempre por perto, ajudo no que for preciso, mas ela diz que prefere fazer sozinha e, se precisar, me pergunta. Percebo que ela vibra na hora que descobre que pode fazer algo sozinha, que aprendeu uma coisa nova, que sanou uma dúvida. Isso é bom porque desenvolve a vontade de acertar, de fazer bem feito e aumenta a auto-estima e a confiança em si mesma – comemora Andréa.
Estudante do 3º ano do Ensino Médio e se preparando para enfrentar o vestibular, Gabriel Santiago Rocha, 17 anos, diz que antes detestava fazer a lição.
- Me incomodava saber que tinha passado horas na escola e quando chegava em casa ainda tinha que fazer tarefa. Mas hoje sei que se não fosse assim, ia passar longe dos livros. Confesso que às vezes ainda tenho preguiça, mas sei que preciso estudar e, mesmo não tendo mais lições de casa como antes, tenho que ler, consultar apostilas, e nunca deixo para depois, vou logo fazendo e aí me sobra tempo para fazer outras coisas, encontrar os amigos ou mesmo ficar à toa em casa – conclui Gabriel.
Confira as dicas que costumam dar bons resultados na hora de fazer a lição de casa:
· Oriente seu filho(a) para ler os textos e refazer os exercícios todos os dias;
· Oriente seu filho(a) para realizar a lição no dia em que foi dada;
· Cobre letra legível, capricho na organização do espaço gráfico e limpeza;
· Incentive seu filho(a) a fazer perguntas sobre suas dificuldades ao invés de depender da presença constante do adulto para a realização da lição;
· Caso sinta que a dificuldade é muito intensa oriente seu filho(a) para que encaminhe as dúvidas ao professor, que precisa conhecer a real possibilidade de desempenho de seu aluno frente ao assunto estudado.