Homenagem ao pequi resgata arte, cultura e muita folia

Jornal O Norte
28/11/2005 às 12:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:54

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

A Festa nacional do pequi, nesse ano em sua 16ª edição, tem muitas histórias para contar. A principal delas talvez seja a de ter se mantido firme durante dezesseis anos consecutivos, sem perder a característica de festa popular.

A primeira edição foi em 1988, idealizada pelo jornalista, advogado e diretor de teatro Reginauro Silva e pelo músico, ator, cantor e compositor Charles Boavista, que lutaram arduamente para que a comunidade e o governo municipal acreditassem e apoiassem o projeto. O resultado foi uma festa com 15 dias de duração, a mais longa da história. Na época, o então prefeito Tadeu Leite e o secretário municipal de Cultura, Hamilton Trindade, abriram espaço no parque de exposições João Alencar Athayde, viabilizando a realização da festa.

Nas primeiras edições, a festa contou com o engajamento de pessoas que contribuíram de forma significativa para que se solidificasse e chegasse ao que é hoje: um movimento que envolve a sociedade em todos os segmentos, com resultados reconhecidos nacionalmente e que se expandem cada vez mais. Entre elas, podem-se destacar a jornalista Raquel Mendonça, Egídio Medeiros, o jornalista e ator Eduardo Brasil e o então secretário municipal de Cultura Ildeu Braúna, que providenciou para que a festa se mudasse para o pátio do mercado central.

Hoje, com uma programação mais enxuta em festividades e maior abrangência nas discussões sobre a defesa e o resgate das potencialidades do cerrado se estendendo, inclusive, a todos os níveis educacionais, como conteúdo da grade curricular, a Festa do pequi chama a atenção da mídia de todo o país, com projetos ambientais, turísticos e estudo dos recursos de subsistência, através dos frutos do cerrado.

Na programação deste ano, Montes Claros revive sua história com a apresentação de artistas que são verdadeiros dinossauros da música regional. Entre eles estão Fatel, Charles Boavista, Carlos Maia, Bob Marcílio, Zé Lu, Jorge Santos, Cícero Billy Alves e muitos outros que, como sói acontecer, dão o tom exato da música que sempre encantou a cidade, tornando-a conhecida internacionalmente como cidade da arte e da cultura, outra criação de Reginauro Silva.

CHARLES BOAVISTA E CARLOS MAIA

- O mercado absorveu novas vertentes, mas nós não, somos fiéis ao nosso estilo.

Apesar da chuva fina que teimava em cair, a dupla se apresentou ontem, sexta-feira, no mercado central, desfilando um repertório para lá de especial, com pérolas que já são folclóricas de tanto que embalaram os sonhos da gente sertaneja. Entre elas, De trem pra Montes Claros, Pássaro, A lenda do arco-íris, Rasante, Sobradinho, Brejo das almas; e novas canções, como Carneiro e meu violão, compostas nesta parceria que promete uma longa estrada à frente.

Charles Boavista é personagem obrigatório na história da cidade, de tanto que atuou na sua construção, não só como artista, mas também como cidadão engajado na defesa dos valores culturais de nossa gente. Filho do maestro e músico Agenor de Santana, é músico desde que pode se lembrar.

Um dos criadores do grupo Raízes, que fez sucesso em todo o Brasil na década de 1970, Charles é um artista que não se dobra às novas vertentes, mantendo-se fiel ao estilo que o tornou célebre, com composições belíssimas, gravadas em vários estilos e por muitos cantores.

Carlos Maia, assim como Charles, é regionalista por natureza. Também músico, compositor e cantor, leva suas canções e a de seus conterrâneos Brasil afora, mantendo viva a chama da música inspirada no velho Chico.

O encontro dos dois músicos resultou no resgate de canções que têm público cativo e que não tinha mais oportunidade de ouvi-las em shows. Além desse resgate, novas composições prometem reacender o estilo que tão bem representa Moc.

BOB MARCÍLIO

- A música, para mim, é a mãe de todas as artes e através dela é possível chegar ao coração das pessoas.

Nascido em Rubelita, mas montes-clarense de coração, Bob Marcílio começou a tocar aos 11 anos. A música chegou em sua vida bem cedo, através dos discos de seus pais, que eram amantes de Roberto Carlos, Beatles e Rolling Stones, e de seus tios, que tocavam violão. Mas o despertar do músico de forma definitiva veio como um amor à primeira vista, quando assistia a um show de calouros pela televisão.

- Foi um delírio. Naquele momento tive certeza de que queria ser músico. Aí comecei a aprender a tocar, sem escola e sem nada, só ouvindo. Além do som que ouvia em casa, me interessava muito pelos ritmos folclóricos de Montes Claros. Na época, não existia aquele tipo de música no rádio e na televisão. Eu ouvia na rua os catopês, marujos... Assistia de perto e vibrava com aquele som - conta, entusiasmado.

Quando começou, em 69/70, o rock estava no auge. Misturando a Tropicália, Jovem Guarda, Beatles e Bob Dylan, Bob Marcílio foi desenvolvendo um estilo que até hoje é marcante em suas composições.

- Minha influência foi bem isso, somada aos sons da cidade. E eu tinha uma curiosidade em saber como é que Sá e Guarabira faziam naquele solo, como Marco Antônio Araújo ou o 14 Bis faziam naquela música. Era muito curioso, e queria ver na prática a música que me encantava pelo rádio. Ficava impressionado com Paul Simon, com aquela voz pequenininha, mas que conseguia ter uma delicadeza tão linda. É diferente do grupo de rock. O próprio Bob Dylan, que considero minha maior influência, tem aquela voz esquisita, mas que tem algo especial, que encanta - diz.

Aluno do Conservatório estadual de música Lorenzo Fernandez por um ano e meio, Bob apurou a técnica através dos estudos de violão clássico. Nessa época já tocava na noite e já arriscava suas primeiras composições.

- Fui estudar lá para aprimorar um pouco.  Só que não funcionou, porque eu já tocava e lá tinha que partir do zero. Mas eu já sabia alguma coisa. E o que os professores me disseram é que eu sabia não era música e aquilo me deixou intrigado, porque eu fazia shows e as pessoas gostavam. Depois que fui entender que eles queriam dizer é que eu tinha uma iniciação popular, mas não tinha uma seqüência para violão clássico e tinha que começar do começo mesmo. Fiquei um ano e meio e foi maravilhoso. Acrescentou muito. Tive a oportunidade de conhecer muita gente boa, fiz muitas amizades. E também aprendi a definir minhas influências, me conhecer melhor como músico. As composições continuaram com poucos acordes, mas uma coisa firme, forte. A música quando é mais simples, melhor - explica o cantor.

Migrando por várias cidades como São Paulo, Salvador, Viçosa e Belo Horizonte durante anos, à procura de um porto seguro para sua música,  Bob conheceu as mazelas a que está sujeito o artista que sonha viver de sua arte. E foi nessas andanças que amadureceu suas idéias e fomentou seus sonhos, resultando em um primeiro CD, Saindo do escuro, 2004, se estabelecendo a partir daí como músico profissional.

- Até hoje não encontrei o lugar ideal. Gosto muito de Montes Claros, mas acho que aqui a música não funciona, não dá pra viver só dela. Eu queria viver, respirar, sonhar, beber só música. Mas aqui realmente não dá. É preciso conciliar com outro trabalho - pondera.

Sobre suas influências e estilo, Bob diz que bebeu em muitas fontes, mas se considera um compositor urbano, que se inspira no cotidiano das ruas.

- Sempre tive a curiosidade de buscar a origem da música, o que inspirou o artista para compor determinada canção. E até hoje não saberia definir bem minha música porque tem influências de várias vertentes. Mas tem um estilo. Não vou tocar sertanejo ou o axé da Bahia porque não saberia fazer bem, porque não tive essa influência musical - explica.

Com uma consciência cívica aflorada, Bob usa a música para falar de paz e amor, militando pela proteção ecológica do planeta:

- A música, para mim, é a mãe de todas as artes. E através dela é possível chegar ao coração das pessoas. Por isso abraço causas que acredito e defendo a vida e a felicidade, acima de tudo.

Com repertório pronto e já trabalhando os arranjos, Bob Marcílio prepara o próximo CD, que terá como título A água e a paz, com lançamento previsto para o próximo ano. Neste sábado, ob se apresenta na feira de artesanato, a partir das 9 horas, no mercado central.

FATEL

- Dizem que eu sou falsa baiana, que sou nordestina, que falo arrastado, que faço forró suingado, que eu engano muito bem.

Depois de 15 anos longe dos palcos de Montes Claros, a cantora e compositora retorna à cidade para participar da Festa nacional do pequi. Com show cujo repertório é marcado pelo mais autêntico forró nordestino, Fatel promete deixar o público em euforia.

Depois de gravar três LPs, ter se casado com um sanfoneiro paraibano, morando há 15 anos em São Paulo, a cantora montes-clarense revela que realmente é possível adotar um estilo e executá-lo com maestria, como se tivesse cantado somente ele a vida inteira. Ela atribui essa capacidade às experiências que adquiriu como cantora da noite e de conjunto de baile que, segundo ela, preparam o artista para enfrentar de peito aberto os desafios que a música oferece, sem medos e com intimidade.

O primeiro LP foi 86, pela Copacabana, com produção do compositor e cantador Téo Azevedo, com uma seleção de ritmos, dando um salto para a profissionalização. Nesse primeiro trabalho, o grande sucesso foi o xote Que coisa é o amor, de Charles Boavista, que começou a definir o namoro de Fatel com o forró. A partir daí, a cantora participou de vários grupos, como Agreste, Raízes e MC 5. Em 1989, mudou-se em definitivo para São Paulo, retomando o contrato com a Copacabana, gravando mais dois LPs, exclusivamente de forró. O segundo LP chamou-se Forró Plic-Plic-Pla, com sucessos de Luiz Gonzaga, Dominguinhos e outros compositores nordestinos.O terceiro seguiu a mesma linha, sempre amparada pelo produtor Téo Azevedo.

Fatel fez muitos shows pelo Nordeste, onde é considerada uma autêntica nordestina e faz muito sucesso. Participou de muitos programas de televisão em rede nacional e teve algumas de suas músicas tocadas em todo o país.  Em 1994, gravou seu último trabalho pela Copacabana. Logo depois, a convite da Eldorado, gravou o primeiro CD com composições de Téo Azevedo, o Fatel canta Téo Azevedo, em 2000.

Hoje, com um CD pronto para ser lançado, com a maioria das músicas inéditas, tendo inclusive uma canção que Dominguinhos fez especialmente para ela, além das próprias composições, Fatel diz estar emocionada em cantar em sua terra.

- O show vai ser muito bom, principalmente pela participação de Zé Lu que é um músico maravilhoso. É a primeira vez que venho aqui depois de 15 anos e vou rever pessoas que adoro. Sei que será uma troca de energia muito bacana.

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