Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Certas pessoas passam pelo mundo e deixam rastros de luz que iluminam gerações. São donas de uma genialidade que as coloca à frente de seu tempo, dando-lhe um toque de imortalidade.
Assim é Miles Davis, que constituiu sozinho um capítulo à parte na história do jazz.
Nascido no dia 25 de maio de 1926, viveu numa época em que a música se encontrava em plena ebulição. Apesar de não ter se formado tecnicamente, Miles tinha uma maturidade e profundidade musical que faziam dele verdadeiramente virtuoso.
Dono de uma personalidade difícil, às vezes contraditória, o garoto de classe média reinou soberano durante mais de quarenta anos, tocando seu trompete puro, macio e quase sem vibrato, frequentemente com som de surdina, com estilo conciso e despojado. Foi ele o criador do jazz-rock, do cool jazz, do jazz modal e da fusion, renovando linguagens e criando um novo panorama que influenciou a música do mundo inteiro.
TRAJETÓRIA
Iniciou sua careira no Bebop, na década de 1940, ao lado do não menos genial Gil Evans, que escreveu verdadeiras pérolas, cuja elaboração, textura e sofisticação possibilitaram a Miles se expressar de forma plena.
Na formação Miles Davis-Capitol Orchestra, a mais célebre big band de todos os tempos, Miles e Evans se consagraram.
Paralelamente, já no final da década, Miles esboça o estilo cool, que revela sua maneira mais intimista de tocar.
PARCERIAS
Ao longo da década de 1950, Miles lidera o quinteto/sexteto por onde passaram talentos como o saxofonista John Coltrane, o pianista Red Garland, o contrabaixista Paul Chambers, o baterista Philly Joe Jones, com quem gravou vários discos. Mais tarde vieram Bill Evans e Wynton Kelly, que se revezavam ao piano, o baterista Jimmy Cobb, nascendo o jazz modal, usando combinações harmônicas mais livres do que a harmonia tonal tradicional.
RENOVANDO A ESTÉTICA
Na década de 1960 surgiu uma nova formação do sexteto, com George Coleman ao sax tenor, Herbie Hancock ao piano, Ron Carter ao contrabaixo e o brilhante adolescente Tony Williams à bateria, de onde saíram trabalhos notáveis. Começava a era do jazz moderno.
Sempre renovando a estética, Miles começa a fazer experiências com a fusão de jazz e rock, redescobrindo talentos. Nessa fase, ao lado de parceiros como Herbie Hancock, Chick Corea e Joe Zawinul, os bateristas Tony Williams e Jack DeJohnette, os contrabaixistas Dave Holland e Ron Carter, o guitarrista John McLaughlin, o saxofonista Wayne Shorter, o organista Larry Young, entre outros, faz uma verdadeira revolução no estilo.
SINCRETISMO
Nos anos 70 e 80, Miles continua as experiências com a integração de linguagens, renovando completamente seus conjuntos com músicos pouco conhecidos, afastando-se do jazz e aproximando-se do funk até do hip-hop, sem, entretanto, se tornar trivial ou comercial, embora as opiniões se dividam acerca das obras desse período.
ADEUS
De repente o silêncio. No dia 28 de setembro de 1991, infarto, pneumonia e problemas respiratórios silenciam o trompete multifacetado e desbravador de Miles Davis.
Se calou o homem, gritou sua obra, ora hermética, ora lírica, mas sempre irreverente, desbravadora, às vezes mordaz.
Os ouvidos atentos do mundo jamais se fecharão para o eterno Miles Davis, que sempre servira de material para análise, estudos e pesquisas, mas também para embalar sonhos, acalentar a alma e aquietar corações.