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Jornal O Norte
Publicado em 25/07/2008 às 22:48.Atualizado em 15/11/2021 às 07:39.





A formanda, que colou grau na sexta-feira, 25, recebeu o carinho da família com a conquista (VALÉRIA BORBOREMA)




(VALÉRIA BORBOREMA)

Valéria Borborema


Colaboração para O NORTE



Exemplo de superação. Assim pode ser definida a trajetória de Otávia Pereira Rosa, que em outubro completa 49 anos e neste mês tornou-se a primeira deficiente visual a concluir o curso superior de Comunicação Social, com especialização em Jornalismo, no Norte de Minas. Supervisora do Núcleo de Tradução e Braile do Centro de Apoio Pedagógico (CAP) ao Deficiente Visual, Simone Souza Fonseca, que acompanhou a recém-formada a partir do terceiro período nas Faculdades Unidas do Norte de Minas (Funorte), revela que pesquisa que ambas fizeram nos CAPs e noutras instituições de auxílio a pessoas nessa condição, em Minas, aponta para o pioneirismo de Otávia Rosa no que diz respeito ao diploma de terceiro grau na área.



TRAJETÓRIA



Nascida na cidade de Bocaiúva, distante 50 quilômetros de Montes Claros, Otávia, entretanto, passou a infância na pequena comunidade Camilo Prates, zona rural do município. Ela é filha de Joaquim Pereira Rosa e Maria Pereira Fernandes e a quinta de uma prole de seis irmãos. Mas os problemas começaram cedo, no momento em que a criança, de dois ou três meses de vida no máximo, parou de enxergar. Depois se seguiram dois duros golpes: a morte dos pais, que ocorreu três anos mais tarde, e a perda de contato com os manos, à exceção de Ana Pereira Rosa, a caçulinha da família que, até hoje, é companheira fiel de Otávia. Tudo isso, entretanto, não a impediu de sonhar com o dia em que entraria para o mundo do conhecimento, apesar da situação de seus olhos.



Lá pelos idos de 1977, Otávia e Ana tomaram coragem e pediram ajuda ao então pároco do Senhor do Bonfim, Padre Geraldo Majela de Castro, hoje Arcebispo Emérito de Montes Claros, durante uma de suas visitas pastorais ao interior da paróquia de Bocaiúva. “Eu viajava de trem, de charrete e até a cavalo”, lembra Dom Geraldo Majela, que pediu para que as duas fossem a cidade tentar resolver uma pendência familiar de que lhe haviam falado e que acabou na justiça. Daí que, por força das circunstâncias, tiveram que permanecer na zona urbana por dois ou três dias. Receberam acolhida na casa do sacerdote que, na época, morava com a mãe e algumas de suas irmãs, de onde só saíram anos mais tarde, primeiro para Montes Claros, visto que Padre Geraldo fora eleito bispo coadjutor de Dom José Alves Trindade (1982) e, em seguida, rumo a Belo Horizonte, para que Otávia pudesse ser operada e recebesse dois transplantes de córnea. 



Em 1986, as duas irmãs retornaram ao seio dos Castro – “a única família que conheci na vida”, frisou Otávia, que ali morou durante quase 20 anos –, que a estimularam a estudar. Fez o primeiro e o segundo graus, além do magistério, no antigo Colégio São Norberto. “Eu não pensava em faculdade, não. Achava-me incapaz de dar conta do recado”, confessa quem, no entanto, decidiu arriscar e prestar vestibular. “Só para ver no que ia dar”, emenda. Freqüentou cursinho preparatório e, algumas vezes, tentou, sem sucesso, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Ciências Sociais e Direito, cursos que, acredita, têm ligação com o Jornalismo, seu verdadeiro anseio. Difícil imaginar a alegria de Otávia assim que tomou conhecimento de que havia passado – exatamente na área que sempre desejara – na primeira tentativa na Funorte, que disponibilizou inclusive assistência oftalmológica para a candidata.



Uma nova batalha, todavia, começou quando Otávia entrou na faculdade. Pelas suas contas, a fase de adaptação durou até o terceiro período, o que equivale a um ano e meio de incertezas. Em sala de aula, a acadêmica vencia os desafios como podia. Gravava as explicações dos professores, tinha o auxílio de Dona Silvia, que lia os livros e a matéria para ela... No final, foi obrigada a parar para fazer as dependências das quais não escapara. Nada, porém, que a abatesse. Mesmo porque faltava pouco para que a supervisora Simone Souza entrasse na história e lhe oferecesse uma preciosa e vital atenção. Além de ler o conteúdo programático e de transcrevê-lo para o sistema braile (representação de letras, números, sinais de pontuação e acentuação, entre outros), destinado aos deficientes visuais, Simone acompanhava Otávia, sempre na presença de um monitor, até a Biblioteca da faculdade, a fim de que ela fizesse as provas. E assim aconteceu até meados deste ano, época em que Otávia defendeu a monografia “A inserção do deficiente visual no Ensino Superior e na Sociedade”, com cerca de 60 páginas.



PRESENTE



Otávia foi graduada na última sexta-feira, 25 de julho. Aliado às atividades oficiais alusivas ao evento (missa, culto, colação de grau e baile), ela, que não esconde a essencialidade da fé em sua vida, recebeu um presente do Arcebispo Emérito Dom Geraldo Majela de Castro. Na manhã de 24 de julho, o líder religioso celebrou Missa em Ação de Graças pela formatura de Otávia, que considera uma filha, na capela de sua residência, no bairro Jardim São Luiz. Na homilia, Dom Geraldo Majela enfatizou o trecho do Salmo 35 ou 36 (conforme a editora da Bíblia) que diz “em vós está a fonte da vida, ó Senhor”. Ele explicou que Jesus oferece vida para todo mundo. “E vida significa, também, a realização pessoal de cada um de nós, que se dá a partir do momento em que Jesus nos entrega tudo que é necessário para nossa vida”.  Recordou que Dona Ana, sua mãe e madrinha de Otávia, ficava admirada com a persistência da afilhada na realização dos afazeres que lhe competia. Amparou-se no Livro Sagrado, que remete ao fato de os olhos físicos não serem o único meio de se enxergar, para garantir que os deficientes visuais suprem essa carência com a alma e o coração. “E quem vê com o coração, enxerga o que é invisível, como a virtude e a bondade”, complementou. Dom Geraldo Majela ensinou ainda que o profeta Jeremias, autor da primeira leitura prevista na liturgia daquele dia, se ali estivesse, certamente falaria para Otávia que o seu caminho de sucesso está apenas no início e que deve usar tudo o que aprendeu em benefício dos outros, sobretudo daqueles iguais a ela.



PLANOS



É justamente isso que Otávia pretende. Agora, a nova jornalista, que já estudou violão e teclado no Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez, concentrará esforços no sentido de implementar um projeto para viabilizar, em Montes Claros e Bocaiúva, uma imprensa em braile. Para tanto, já manteve contato com algumas instituições na capital mineira, que possuem impressora adequada ao serviço. “Aqui é muito difícil porque, se a gente quiser saber das notícias, tem que arranjar uma pessoa para ler. Caso contrário não tem como saber o que os jornais dizem”, reclama. Otávia Rosa ainda sonha em fundar uma instituição para os deficientes visuais da região, que desejam e não podem estudar. Afirma que já ganhou até lote para a sede, mas prefere manter os detalhes do projeto em segredo. Só enquanto obtém mais certezas em torno da idéia.

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