Centenas de pessoas lotaram
o teatro e galeria do centro cultural
na noite da última segunda-feira,
para assistir à palestra
do escritor Frei Betto
Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
A sala Cândido Canela, do Centro Cultural Hermes de Paula, foi pequena para receber as centenas de pessoas que compareceram para assistir à palestra do frade dominicano e escritor Frei Betto, na noite da última segunda-feira, 27. Muitas pessoas tiveram que se acomodar na galeria Godofredo Guedes, que assistiram à preleção em um telão, com transmissão em tempo real.
(fotos: Wilson Medeiros)
O escritor, educador, jornalista, antropólogo e filósofo e um dos intelectuais brasileiros mais respeitados internacionalmente, esteve em Montes Claros pelo projeto Tim Estado de Minas Grandes Escritores, encerrando a temporada 2007.
Ao chegar ao Centro Cultural, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto se surpreendeu com a casa lotada e, no início de sua preleção, disse que era a primeira vez que vinha a Montes Claros e pode confirmar a boa impressão que tinha da cidade.
- É a primeira vez que tenho que começar uma palestra antes do horário. Diferente da Suíça, que começa na hora exata, aqui estamos começando antes. Isso é uma boa surpresa – diz.
Durante a palestra, o frade discorreu sobre suas experiências como educador, sua participação nas lutas revolucionárias de seu tempo de estudante e na política, sobre literatura e arte, entre outros assuntos. Autor de 54 livros, Frei Betto disse que pode considerá-los como 54 filhos, já que são produzidos a partir do útero e nascem de dentro da gente.
- Estou grávido de pelo menos uma meia dúzia de temas. Escrever não é uma coisa de idéia, é uma coisa de pele, e o texto é resultado de um longo processo de elaboração, por isso, o livro nasce, como um filho, gerado pelo amor à arte e pela dedicação e persistência – argumenta o escritor e diz que um texto é melhor compreendido se for contextualizado com a época e o lugar em que foram produzidos.
- Temos que formar um triângulo: texto, contexto e pretexto – completa.
Ainda sobre a arte literária, Frei Betto diz que, para uma pessoa saber se tem vocação para escrever é simples.
- Se você é capaz de se imaginar sendo feliz como uma outra pessoa que considere realizada, alguém que tenha como ídolo, como um astro de cinema, um jogador de futebol, um rei ou rainha, mas que não escreva, então você não nasceu escritor. Um artista só é feliz quando descobre sua vocação artística e se imagina produzindo sua arte. O verdadeiro escritor só se sentirá feliz escrevendo – explica, ressaltando que a literatura é uma arte que tem que saciar a fome de beleza e que a leitura é importante porque nos arremete a nossa subjetividade.
Crítico e bem humorado, Frei Betto falou sobre gastronomia e disse que cozinhar é uma arte.
- Alguns cozinheiros são verdadeiros artistas e produzem comidas divinas, para serem levadas ao céu da boca – brinca, enquanto, sutilmente, critica a culinária de nossos dias, ressaltando a comida servida nas escolas, ricas em açúcar e gordura saturada, e que em nada contribuem para a educação alimentar das crianças, que não aprendem a apreciar legumes, frutas e verduras.
VIDA PÚBLICA
Frei Betto também falou sobre sua experiência na prisão – ficou preso quatro anos, durante a Ditadura Militar, sendo dois como preso político e dois como preso comum – e como utilizou a escrita como terapia, para não enlouquecer, e nas obras resultantes da experiência na prisão – inclusive o livro de memórias Batismo de Sangue (1983, ed. Rocco), que, segundo o escritor, demorou treze anos para ser produzido, e que foi transformado em filme homônimo pelo diretor Elvécio Raton (Drama, 110 minutos, 2007); de seu trabalho, por mais de 20 anos, com a educação popular e com a Anampos - Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais; de sua experiência como assessor especial do presidente Lula e coordenador de mobilização social do Programa Fome Zero, e de sua impressão sobre o governo Lula e sobre as implicações do atual panorama político brasileiro.
- Votaria de novo no Lula. A América latina é melhor com ele do que sem ele, mas não é o governo dos meus sonhos – diz.
Ao final de sua preleção, o escritor falou um pouco sobre algumas de suas obras, de como foram escritas e como estão contextualizadas.
QUESTIONAMENTOS
No encerramento da palestra, Frei Betto respondeu aos questionamentos do público, entre eles sobre a reestatização de empresas como a Vale do Rio Doce, que, segundo o escritor, apesar de não ter ouvido falar nessa possibilidade nos bastidores do governo federal, acredita que o ideal seria questionar não apenas a reestatização da Vale, mas de todas as outras empresas privatizadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso; sobre o projeto que tramita no congresso nacional para liberação do aborto, que, segundo o frade, deveria ser tratado com mais acuidade, levando em consideração, em primeira instância, a defesa da vida, mas, também, considerando a posição da mãe, que deveria ser atendida por uma equipe especializada, formada, inclusive, por um representante da igreja a que pertence, de forma que esta possa ser induzida a ter o filho, com orientação madura e consciente, evitando que coloque sua vida em risco com um aborto sem acompanhamento profissional; sobre entretenimento e cultura, entre outros assuntos.
OBRA
Mineiro, de Belo Horizonte, nascido em 24 de agosto de 1944, Frei Betto se consagrou como escritor com inúmeros livros de sucesso, dentre eles Fidel e a Religião (1985), coletânea de entrevistas com o líder cubano, que vendeu milhões de exemplares no Brasil e no exterior e lhe rendeu o prêmio Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores. Em 1982 ganhou o prêmio Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, por seu livro de memórias Batismo de Sangue. Com A noite em que Jesus nasceu (Editora Vozes) ganhou o prêmio de Melhor Obra Infanto-Juvenil, de 1998, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2005, o júri da Câmara Brasileira do Livro premiou-o mais uma vez com o Jabuti, na categoria Crônicas e Contos, pela obra Típicos Tipos - perfis literários, além de dezenas de prêmios por seu trabalho em favor dos Direitos Humanos, entre eles, em 1998, foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Paolo E. Borselino, na Itália.
