Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Com expressão compenetrada e o olhar terno de quem aprendeu a ver a vida sob a ótica sensível da arte, artista plástica, filósofa, educadora e poeta, Felicidade Patrocínio fala do trabalho que vem impulsionando sua vida há 20 anos.
Formada em Filosofia , disciplina da qual é hoje professora, presidente por dois mandatos da Associação dos artistas plásticos de Montes Claros, mãe de Ana Paula, Marília e Cecília, avó de Vinícius e prima carnal de Maria Estela – a filha do coração de Juscelino Kubitschek – Felicidade transborda vitalidade e leveza em seus gestos. Alternando entre trabalho e viagens pelo mundo, a artesã faz uma pausa para falar ao jornal O Norte sobre sua carreira, sonhos e esperanças.
ORIGEM
- Comecei a trabalhando com a cerâmica; ensinava a esmaltar. A princípio, comprava as peças prontas. Mas, como buscava elementos que traduzissem melhor meus sentimentos, passei a eu mesma a fabricá-las. Pode-se dizer que minha inserção no mundo das artes plásticas aconteceu a partir de 1989, quando fundamos a Associação dos artistas plásticos de Montes Claros, com Mário Filho à frente. Foi nessa época que fiz minha primeira exposição individual, em Brasília/DF. Foi tudo muito rápido. Fiz uma individual na sede central da Codevasf, outra no espaço cultural do ministério das Minas e Energias e outra no espaço cultural do senado, no período de setembro de 1989 a 1990. Então, aí posso dizer que entrei no mundo das artes plásticas porque passei a criar a minha peça, desde a retirada da terra do solo, a transformação em argila e a modelagem. Foi a argila o material que recebeu minha expressão desde o início.
ARTE E FILOSOFIA
- Vendo as possibilidades que a arte me oferecia, comecei a desejar mais. Então, comecei a estudar filosofia para entender bem o que é a arte. E aí descobri que arte e filosofia são a mesma coisa. O que uma diz a outra mostra. E talvez a arte vá mais distante do que a filosofia, porque ela diz o indizível, o inefável, que a filosofia não consegue porque necessita da linguagem, da verbalidade.
ASSOCIAÇÃO
Na época em que Mário Ribeiro era o prefeito, fizemos uma homenagem a Ray Colares e acredito ter sido a maior reunião de artistas plásticos de Montes Claros. Reunimos todos os artistas, imprensa, diretorias de universidade, conservatório, cultura etc. Fizemos exposição e foi um momento muito bonito.
Quando Mário (Boy) Filho morreu, eu que era vice-presidente da associação continuei como presidente. Fui reeleita e conseguimos algumas realizações.
Um grande momento na minha história como presidente da associação foi a realização da exposição Via Sacra, de Konstantin Chistoff, artista plástico que tinha acabado de realizar essa exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Como são obras monumentais – porque Konstatin tem duas artes: a bonitinha que serve para galerias e a outra que chamo de filosófica, instigadora, que ele fala que é sua verdadeira arte -, e nós conseguimos realizar, no espaço aberto do Montes Claros Shopping.
CRÍTICAS
- Apesar de sempre receber convites para participar, realizar, ou organizar exposições, temos algumas críticas a fazer porque a nós que acompanhamos tanto as administrações municipais, correspondendo com presença efetiva, com colaboração, ao mesmo tempo nos vemos desprezados no patrocínio e, quando se trata de uma ajuda que o artista ou a associação precisa, realmente não temos a correspondência necessária e passamos por muitas dificuldades.
ESPAÇOS
- Realmente Montes Claros necessita de mais espaços para exposição porque, a não ser o Centro Cultural, os demais são alternativos. Quando na presidência da associação, sentimos uma esperança muita grande de criar um espaço permanente que seria fantástico, no prédio onde funcionava a Minas Caixa. Trabalhamos um ano junto à diretoria da Copasa na construção daquele prédio, que teria uma galeria. Fizemos desenho, projeto de iluminação e quando a galeria já estava quase pronta, a secretaria de Cultura reivindicou o espaço para ela. Como os artistas tinham acompanhado todo o processo de construção, a diretoria da Copasa se viu em uma situação difícil, então decidiu usar o espaço para a empresa. A princípio ficamos sem entender e só depois de dois anos ficamos sabendo dessa história que, para não criar um problema político, não nos entregaram o espaço. Isso foi na gestão da secretária Iara Souto. Como não queríamos criar um mal-estar com administrações, porque a arma da nossa arte é poética e pacífica, então nos silenciamos na esperança de resgatar o espaço. E ainda temos essa esperança.
Outro problema que tivemos foi com o espaço que criamos na galeria Mário Filho, no final da gestão de Mário Ribeiro. Não deu tempo de inaugurar e quando Tadeu Leite assumiu a prefeitura, o primeiro decreto dele foi dissolvendo essa galeria, porque ele não aceitou o fato de Mário Filho ter trabalhado na campanha de Mário Ribeiro. Não conformados, porque já estava criada juridicamente, então, conseguimos encaminhá-la para a Amans, onde funcionou por vários anos e realizamos 43 exposições de artistas de todo país.
Agora estamos aguardando a resposta do prefeito Athos Avelino para que possamos montar uma galeria no hall de entrada da prefeitura, um espaço que está ocioso e tem muito fluxo de pessoas. Parece que há uma boa vontade, mas tem que ser feito um trabalho pela secretaria de Planejamento para ser entregue aos artistas. Por enquanto estamos sem sede.
ABRAÇO
- Minha expressão cultural começou do abraço. Refleti a forma do abraço e essa temática me atraiu muito. Eu vejo o mundo contemporâneo exacerbado no individualismo, que reflete liberdade, mas, paradoxalmente, a gente vê uma carência muita grande do ser humano, com pessoas muito livres mas muito sós, muito carentes. Então, sinto o dever de demonstrar isso com um abraço, que seria com o outro, com o mundo. Um abraço fraternal, sensual, amoroso, abraço de qualquer jeito. Eu comecei daí, mas também parti para outras temáticas, como o afro-brasileiro, questões antropológicas – até trabalho Antropologia na faculdade -, levanto totens onde coloco toda a simbologia, paisagens culturais do Brasil; mas o abraço sempre permeia o meu trabalho. Agora estou com a idéia de voltar a me dedicar totalmente a ele.
OBRAS
- Já fiz algumas obras das quais gostei muito, mas eu diria que o pára-raio, o que minhas antenas captam do mundo, eu coloco no abraço. É a minha melhor criação.
VALORES
- Eu já morei fora, já andei muito pelo mundo, porque meu luxo é viajar; não tenho jóias, não tenho nada, faço questão de não ter, e posso dizer com toda certeza que Montes Claros é uma cidade voltada para arte e cultura. É uma coisa natural e não sei se vem desse sol quente, dessa seca braba que faz nascer dentro da gente uma sensibilidade diferenciada, Mas se aqui tivesse um real apoio das bases governantes, seria um boon, porque Montes Claros se destaca no cenário nacional, mas você percebe que são valores individuais que, a fogo e ferro, se colocam no meio artístico, impõem seu trabalho, impõem sua presença. Montes Claros exporta arte e arte de boa qualidade, tanto na música, nas artes plásticas, nas artes cênicas estão começando a despontar verdadeiros talentos e há certa fraternidade, apesar da competitividade que está sempre paralela, há uma certa força, mas ainda falta muito respaldo das autoridades.
AUTO-DEFINIÇAO
- O fazer arte é o alimento que me sustenta, me dá equilíbrio e me completa. Eu não conseguiria ser completamente feliz se não pudesse continuar a fazer arte, que para mim é substância de transcendência. É onde procuro ultrapassar meus próprios limites, a forma eleita de colocar a minha expressão, de dizer a que vim e mostrar meu entendimento da vida e meu sentimento nessa dimensão. É o que há de mais importante pra mim.