Em busca do tempo perdido: alfabetizar e recuperar etapas do ensino fundamental e médio é o grande desafio das políticas públicas com a educação de jovens e adultos

Jornal O Norte
Publicado em 14/03/2007 às 10:07.Atualizado em 15/11/2021 às 08:00.

Em uma de suas primeiras experiências profissionais, o pedagogo Paulo Freire alfabetizou 300 trabalhadores rurais em apenas 45 dias. Foi na cidade de Anjinhos, no Rio Grande do Norte, em 1962 – época em que o País era eminentemente agrário. De lá para cá, o Brasil cresceu, industrializou-se e ficou mais complexo. Essa mudança de perfil econômico, porém, não foi acompanhada pela evolução dos índices de educação. Segundo o IBGE, a taxa atual de analfabetismo é de 11,1%. Ainda hoje, cerca de 65 milhões de pessoas não completaram o ensino fundamental. Desse total, 33 milhões são considerados analfabetos funcionais (com menos de quatro anos de estudo). O ensino médio, por sua vez, também apresenta defasagens. Alfabetizar e recuperar etapas perdidas – no ensino fundamental e médio – por este amplo público é o desafio da Educação de Jovens e Adultos (EJA).



Os esforços são amplos e variados. O governo federal desenvolve pelo menos dois programas destinados a este segmento da educação, mas a contribuição da sociedade civil tem sido substancial, incluindo o reforço de ações empresariais. Mas ainda há muito que fazer, inclusive em relação à qualidade deste ensino, afirmam os especialistas.



- Já tivemos muitos avanços, mas não o suficiente para corrigir um problema histórico de tamanha complexidade - admite Timothy Ireland, diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Ireland concorda que só mesmo considerando a educação uma prioridade nacional para reverter esse quadro.



O analfabetismo total vem decaindo, embora ainda atinja 3,16% dos jovens entre 15 e 24 anos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (IPEA), mas resta o analfabetismo funcional. Em 2005, segundo o IBGE, 18% dos jovens de 15 a 17 anos estavam fora da escola. Um número expressivo daqueles que concluem o ensino fundamental o faz em idade superior à considerada adequada e nem sempre ingressa no ensino médio. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicam que a distorção idade-série foi de 30% no ensino fundamental, em 2005. Maior ainda na área rural: 45,6%. Assim, são jovens que realimentam a estatística do analfabetismo funcional, que caracteriza pessoas com dificuldades de compreensão do que lêem. São cidadãos que mesmo tendo ido à escola – muitas delas tiveram apenas uma passagem transitória – não conseguem dominar o código da leitura e da escrita no cotidiano. Têm poucas chances num mercado de trabalho cada vez mais competitivo.



- Há um reconhecimento no MEC de que é necessário expandir a educação de jovens e adultos, que abrange prioritariamente o ensino fundamental. Só que o tamanho do desafio exige muito mais, diz Ireland. Para ele, seria necessário um programa de educação continuada no âmbito do EJA e que as universidades preparassem professores com esse tipo de especialização. Ao mesmo tempo, é preciso investir na qualidade do ensino regular e na sua expansão – antídotos contra a repetência e a evasão escolar, que, somente no ensino fundamental, gira em torno de 7%.



PROGRAMAS NACIONAIS



No âmbito da EJA, Brasil Alfabetizado e Fazendo Escola são os dois principais programas de governo. Juntos, estão consumindo investimentos da ordem de R$ 761,1 milhões este ano. Em 2005, cerca de 1,1 milhão de pessoas passaram pelo programa Brasil Alfabetizado, que atua no País inteiro por intermédio de parceiros. Recentemente, um convênio entre os ministérios da Educação e do Trabalho e Emprego incluiu os trabalhadores encontrados na condição de trabalho análogo a de escravos entre o público beneficiado. Populações indígenas, pessoas com necessidades especiais, quilombolas, pescadores artesanais e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas são alguns dos segmentos sociais atingidos pelo programa.



O Fazendo Escola, por sua vez, foi criado para enfrentar o analfabetismo e a baixa escolaridade em bolsões de pobreza, onde se concentra a maior parte da população de jovens e adultos que não completou o ensino fundamental. Este ano, a meta é atender 3,3 milhões de pessoas, distribuídas por 4.305 municípios. Para atender a população do campo, o governo criou o programa Saberes da Terra, para ampliar as iniciativas de acesso e permanência de jovens agricultores familiares no sistema formal de ensino.



BAIXO NÍVEL



- Alfabetizar só não basta - alerta Eliane Ribeiro, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio). Especializada em educação de jovens e adultos, ela diz que já viu muita aberração nessa modalidade de ensino:



- Numa pesquisa recente, encontramos uma moça, no interior do Rio de Janeiro, que estava na classe de alfabetização há seis anos. No ensino médio, o desempenho da EJA também é baixo. No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os alunos tiveram média 35,75%, o que significa quase nove pontos de diferença em relação às médias de quem estuda no ensino médio regular.



Esse resultado reflete não só o perfil econômico do público, mais pobre e com poucas chances de acesso a bens culturais, como também particularidades dessa modalidade de ensino. A EJA só funciona no período noturno, quando o grau de absenteísmo dos professores é maior, as bibliotecas costumam ficar fechadas e o tempo de aula é menor. Não bastassem todos esses problemas, ainda há a questão dos conteúdos.



- A educação de jovens e adultos deveria ser focada em competências da vida e no incentivo à pesquisa. A universalização do ensino pressupõe, além do acesso, a permanência, a progressão e a conclusão na idade adequada - diz Eliane. Apesar das críticas, ela considera um avanço a criação da Secad – reivindicação antiga dos fóruns de educação de jovens e adultos. (Portal Onda Jovem)

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