Deitado de costas, de lado, de bruços. Numa poltrona, num sofá, numa cadeira de balanço, numa espreguiçadeira, num pufe. Numa rede, se tiver uma. Na cama, naturalmente, ou até debaixo das cobertas. Pode também ficar de cabeça para baixo, em posição de ioga. Com o livro virado, é claro. Regule a luz para que ela não lhe canse a vista. Faça isso agora, porque, logo que mergulhar na leitura, não haverá meio de mover-se. Procure providenciar tudo aquilo que possa vir a interromper a leitura (...). O que falta ainda? Bom, isso é com você...
Com essas palavras de Ítalo Calvino, um dos grandes mestres da literatura mundial, pronunciadas em uma cerimônia no palácio do Planalto, em dezembro de 2004, tinha início uma das mais extraordinárias mobilizações em torno da leitura já vistas no Brasil: as comemorações do Ano Ibero-americano da Leitura, o Vivaleitura.
Apesar de 2005 ter sido eleito o ano da leitura, o dia do Leitor, comemorado no dia 07 de janeiro, acontece quando no Brasil são lidos menos de dois livros por habitante a cada ano. E apenas um entre cada quatro brasileiros com mais de 15 anos de idade consegue ler e compreender um livro ou um texto um pouco mais longo. Porque os demais são analfabetos ou analfabetos funcionais, com baixíssima compreensão leitora.
Segundo dados da pesquisa Retrato da leitura no Brasil, realizada pela Câmara brasileira de livros (CBL) e outras entidades, apenas 25% dos brasileiros, com idades entre 15 e 64 anos têm habilidade plena de leitura. Dentro da mesma faixa etária 8% são analfabetos absolutos, 30%, capazes de entender informações simples e 37% lêem e entendem textos curtos. Enquanto na França cada habitante lê, em média, sete livros por ano, no Brasil o número é de apenas 1,8.
Já no Programa internacional de avaliação de alunos (Pisa), que mediu o desempenho de 250 mil estudantes de 15 anos em 32 países, os brasileiros ficaram em último lugar. Embora as estatísticas não sejam nada animadoras, o Dia do Leitor encontra o país atravessando uma fase de crescimento no ramo livreiro, o que significa um aumento no consumo de livros e, conseqüentemente, do número de leitores.
VIVALEITURA
A iniciativa de criar um Ano da Leitura partiu da OEI – Organização dos estados ibero-americanos – e do Cerlalc – Centro regional de fomento ao livro na América Latina e no Caribe - e no Brasil foi criado um Conselho Diretivo integrado por essas duas instituições mais a Unesco, o Mec e o ministério da Cultura. Também foi criado um Comitê executivo, órgão composto por dezenas de instituições da sociedade e por diversos comitês regionais espalhados pelos vários estados brasileiros e Distrito Federal, numa parceria público privada da leitura, que produziu um extenso e rico calendário de atividades.
Doze meses depois verificamos que o Vivaleitura mobilizou 100 mil parceiros na tarefa de fomentar a leitura no país. São órgãos governamentais – federais, estaduais e municipais – e, principalmente, organizações da sociedade civil, empresas privadas, entidades do livro, ONGs, bibliotecas, escolas e voluntários. Eles foram os responsáveis por desenvolver projetos, programas e as mais diferentes e criativas formas de ação para ampliar o acesso ao livro e a outras formas de leitura. Os festivais de literatura e leitura se multiplicaram com incrível velocidade pelos quatro cantos do país. Assim como as feiras de livros, os salões, as bienais e bate-papos informais entre escritores e seus leitores, numa verdadeira festa da palavra. Mais do que nunca, foi vivenciado, ao pé da letra, que ler é abrir janelas, destramelar portas, enxergar com outros olhares, estabelecer novas conexões, construir pontes que ligam o que somos com o que outros imaginaram, pensaram, escreveram. Que ler é fazer-nos expandidos.
NOVAS PERSPECTIVAS
Se a sociedade respondeu positivamente, o estado brasileiro também procurou fazer a sua parte. Do lado do governo, foi implantada a Câmara setorial do Livro, Literatura e Leitura; criado o BNDES Pró-Livro, acabou com os impostos sobre o livro no Brasil e chegaremos ao final de 2006 com quase duas mil bibliotecas e mini-bibliotecas a mais – bibliotecas essas abertas em cidades que ainda não as possuíam e em comunidades rurais, indígenas e quilombolas. O Mec fez o maior programa de aquisição e distribuição de livros do mundo.
Importantes instituições governamentais e não-governamentais estão ajudando a escrever o primeiro Plano nacional do Livro e Leitura, o PNLL, em 500 anos de história do Brasil. Estima-se que, inicialmente, pelo menos uma centena de projetos e programas vá integrar o PNLL, que, por sua vez, será parte do Plano nacional de Cultura, que está sendo construído pelo ministério da Cultura junto com a sociedade.