Lei de diretrizes e bases da educação ainda guarda ideais do tempo imperial

Jornal O Norte
17/10/2005 às 10:31.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:53

Jerúsia Arruda


Repórter

Tudo começou no dia 15 de outubro de 1827, com um decreto imperial outorgado por D. Pedro I - a primeira Lei geral relativa ao Ensino Elementar - se tornando um marco na educação imperial de tal modo que passou a ser a principal referência para os docentes nas províncias.

A Lei abrangia diversos assuntos como descentralização do ensino, remuneração dos professores e mestras, ensino mútuo, currículo mínimo, admissão de professores e escolas das meninas.

Sua primeira contribuição foi a de determinar, no seu artigo 1º que as escolas de primeiras letras (hoje, ensino fundamental) deveriam ensinar, para os meninos, a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais gerais de geometria prática. Às meninas, sem qualquer embasamento pedagógico, estavam excluídas as noções de geometria. Aprenderiam as prendas (costurar, bordar, cozinhar etc) para a economia doméstica.

Se compararmos, veremos que a atual lei geral da educação republicana, a Lei 9.394/96 (Lei de diretrizes e bases da Educação) ainda persegue ideais imperiais, ao estabelecer, entre os fins do ensino fundamental, a tarefa de desenvolver a capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo.  Portanto, mais de um sesquicentenário da lei, perseguimos os mesmos objetivos da educação imperial

DILEMA HISTÓRICO

A remuneração dos professores é, historicamente, o grande gargalo da política educacional, do Império à Nova República, de Dom Pedro I a Luis Inácio Lula da Silva. Mas ao outorgar a Lei de 15 de outubro de 1827, o Imperador não se descuidou, pelo menos, formalmente, dos salários dos professores que no artigo 3º, determina que os presidentes, em Conselho, taxariam interinamente os ordenados dos professores, regulando-os de 200$000 a 500$000 anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares. Feita a conversão, de acordo com o Antônio Luiz Monteiro Coelho da Costa, especialista em cotação de moedas, estima-se que 200$000 equivalem a aproximadamente R$ 8.800,00 (isto é, a um salário mensal de R$ 680, considerando o 13º) e 500$000 a aproximadamente R$ 22.000(R$ 1.700, por mês).

Com base em dados do MEC - ministério de Educação, o Brasil tem hoje mais de dois milhões de professores no ensino fundamental e médio responsáveis pela educação de 50 milhões de crianças e jovens. Os dados mostram, ainda, como esses professores recebem bem aquém dos parâmetros estabelecidos pela lei imperial. Segundo o MEC, do total de professores, 65% ganham menos que R$ 650, 15% ganham entre R$ 650 e R$ 900 e 16% ganham mais de R$ 900. O salário médio mensal, de acordo com o senso do MEC, é de R$ 1.474 nas escolas federais, R$ 656 nas particulares, R$ 584 nas estaduais e R$ 372 nas municipais. Nos municípios cearenses, ainda encontramos milhares de professores recebendo (e com atraso) menos do que um salário mínimo vigente.

Atualmente, a Constituição federal de 1988, no seu inciso V, artigo 206, garante aos profissionais de ensino, planos de carreira para o magistério público com piso salarial profissional. Mas, segundo Domingas Oliveira de Almeida, professora do ensino fundamental da rede pública e do maternal da rede particular, não há vontade política para se determinar o valor do piso salarial condigno aos professores.

- O trabalho do professor ainda é a mais importante das profissões, pois é através dele que a sociedade se torna realmente livre e, portanto, deveria ser bem remunerado. Amo ser professora e trabalho por satisfação e não por reconhecimento, pelo menos por parte dos governantes.

O PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE

Teóricos como Paulo Freire, Moacir Gadotti, entre outros, entendem que o profissional da educação tem um papel eminentemente político a desempenhar, educando para a transformação da sociedade, tendo em vista uma educação igualitária e com qualidade para todos.

Posicionando-se então, este profissional não mais neutro, pode ascender à sociedade usando a educação como instrumento de luta, levando a população a uma consciência crítica que supere o senso comum, sem, contudo, desconsiderá-lo.

Nessa perspectiva, entende-se que o povo de posse do saber mais elaborado poderá vir a ter condições de se proteger contra a exploração das classes dominantes se organizando para a construção de uma sociedade melhor, menos excludente, e realmente democrática.

Para Suellen Thaís, professora de educação religiosa do ensino fundamental da rede pública estadual, o papel do professor na sociedade é de suma importância, pois só a educação pode  possibilitar ao  cidadão uma vida digna e livre e é através do trabalho do professor que este cidadão se conscientiza dessas possibilidades.

QUESTIONAMENTOS

Em recente artigo sobre o papel social do educador, publicado na Revista Ibero-americana de Educação, número 33, Maria José Ferreira Ruiz, pedagoga graduada em Supervisão escolar e supervisora educacional de escola da rede particular de Londrina, questiona como professores e professoras se vêem frente a essas questões? Que espaço eles reservam para discutir suas funções sociais? Será que no seu dia-a dia, entre uma escola e outra, fazem tal reflexão ou acabam sucumbindo ao sistema, mergulhando num fazer sem fim? A sociedade e a escola têm valorizado os profissionais da educação, ou vêem esses como um apêndice, um recurso preparado, ou despreparado?

Para Cássia Aparecida Silveira, pedagoga, especialista em Psicopedagogia e mestra em Educação, o ambiente escolar leva o professor a manter-se em constante questionamento, pois além de ensinar, exerce funções que muitas vezes são dos pais e da própria sociedade. Cássia diz acreditar que, apesar da formação humanística, que lhe permite um envolvimento crítico, o professor, de um modo geral está com a auto-estima baixa em virtude da falta de condições de trabalho, da baixa remuneração e pouca valorização e isso tem dificultado sua plena percepção do papel que ocupa dentro do processo pedagógico. Segundo ela, o professor de hoje é um profissional novo que está lutando pela sistematização da profissão, construindo sua própria formação.

REFLEXÃO

Em um momento em que sociedade passa por profundas transformações esses questionamentos são imprescindíveis. As mudanças nas esferas educacionais são urgentes e não é mais possível admitir que estas sejam propostas, como diz Maria José Ruiz em seu artigo Por tecnoburocratas e por alguns educadores que atingiram um certo nível de ilustração, mas, sim, por educadores realmente engajados em um processo de transformação social.

Será que, ao comemorarmos o Dia do professor em 2007, 180 anos depois da primeira geral da educação imperial, teremos atingido esse desiderato republicano?

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