Adriana Queiroz
Repórter
A cantora lírica Simone Santana começou a cantar com 06 anos de idade. Aos nove, já era aluna de Celf - Conservatório estadual de música Lorenzo Fernandez - e aos dezoito já atuava como profissional.
Divulgação
- Tocava violão e flauta em casa, eu era ainda bem pequena. Passei pelo processo pedagógico musical, aprendi um pouco de cada instrumento. Primeiro foi o piano. Depois me formei em flauta doce, e, no meio desse processo, fui convidada para participar do Coral Lorenzo Fernandez, cuja regência era da saudosa Júnia de Melo Franco - conta.
Depois de ter se formado no curso técnico do Celf, a cantora participou de muitos concursos pelo Brasil.
- O primeiro foi em 1998, o Honorina Barros, em Curitiba, onde ganhei o prêmio como melhor intérprete. Também participei das comemorações dos 30 anos do Palácio das Artes. A primeira ópera que fiz, estava com 25 anos. Francisco Mayrink, diretor artístico do Palácio das Artes, daquela época, me ligou convidando para fazer o teste da ópera Cavalleria Rusticana. Tive apenas três dias para estudar 206 páginas e foi no ônibus, já chegando a Belo Horizonte, que consegui concluir. Quando cheguei lá, deparei, com várias cantoras do país. Tive que fazer uma ária extra a La Mamma Morta, uma ária do Andrea Chenier, e logo depois o maestro pediu para que eu cantasse a ária principal da Santuzza com o personagem Turiddu. Nessa hora, senti que eu realmente estava no páreo - conta emocionada.
Simone diz que foi um momento especial quando os funcionários e alunos escutaram e subiram para o grande teatro para ver o que estava acontecendo.
- Foi uma glória. O maestro então falou: é ela de que estamos precisando! - Revela a cantora que também venceu o Concurso Nacional de Canto Amália Conde, no Rio de Janeiro, sob a direção de dona Marina Lorenzo Fernandez.
A cantora também foi semifinalista do Concurso Internacional de Canto Bidu Saião, em Belém do Pará.
Bidu foi uma célebre intérprete lírica brasileira. Entre os papéis nos quais ela mais se destacou, estão Mimì em La Bohème, de Puccini, Susanna em As Bodas de Fígaro, de Mozart, Zerlina em Don Giovanni, Violetta em La Traviata, de Verdi, Gilda em Rigoletto, Zerbinetta em Ariadne auf Naxos, de Richard Strauss, e os papéis femininos principais em Roméo et Juliette, de Gounod e Pelléas et Mélisande, única ópera de Debussy.
O Concurso internacional de Canto Bidu acontece hoje de dois em dois anos, não mais em Belém, mas em Belo Horizonte.
- É com certeza um dos maiores do Brasil, com premiação de R$ 15.000,00, para o primeiro lugar - observa.
Simone diz que foi uma experiência única participar do concurso, e que todo cantor deveria passar por esse concurso, além é claro, de interagir com pessoas do mundo inteiro, crescer e adquirir experiências.
Foi marmelada!
- Na realidade, o prêmio Bidu Saião seria meu. A moça que ganhou, sua família era conceituada, gente de São Paulo, a mãe, uma pianista e o pai, violoncelista, renomados músicos, reconhecidos. E eu, lá, representando o Norte de Minas. Quando fui eliminada, as pessoas gritaram: é marmelada! Fiz uma ária melhor do que a dela, porém ela foi para a final. Depois descobrimos que tinham comprado. É a chamada carta marcada. Isso faz a gente desistir. Graças a Deus, não desanimei. E quer saber? Bola pra frente - conclui.
Desafios
Simone conta que logo depois passou num concurso para vozes líricas no teatro Collon, na Argentina, e por motivos financeiros e falta de patrocínio, não teve condição de participar.
- Logo depois, ganhei uma bolsa para estudar no Neustimenn, na Alemanha. Mas por causa da idade, eu deveria estar com 30, mas estava com 31, não deu para ir. Depois participei do concurso Trugillo, no Peru, fui semifinalista e participei do concurso de gala, em Lima - conta.
Atualmente, Simone atua como professora e regente de coral e se apresenta em casamentos e eventos.
- Ser professor é um dom, não basta fazer um curso técnico, estudar didática, encher de livros; se você não tiver amor, não adianta todos os livros. É importante o querer, o carinho em buscar cada minuto com seu aluno, tirando dele o que ele quer, não impondo - avalia.
Sobre as atividades com seus alunos, ela diz que trabalha com todo tipo de cantor, do gospel ao sertanejo, sem distinção.
- Não gosto de ser tachada como professora que só ensina canto lírico. Ensino de tudo um pouco.
Lembrando de uma situação engraçada, Simone conta que uma vez pediram para ela cantar Princesa, de Amado Batista, em uma cerimônia de casamento.
- Eu, sutilmente, disse assim: eu acho que o padre não vai gostar. Imagina interpretar Ao te ver pela primeira vez/ Eu tremi todo/ Uma coisa tomou conta/Do meu coração...
Jamais falaria que isso era brega, não iria tratar a noiva assim. Mas as pessoas pedem de tudo. Mas a maioria quer Con Te Partiró e All I Sky of you, talvez por influência da mídia, das novelas - observa.
Celf
- É emocionante falar do Celf, estou lá desde os nove anos, cheguei com a escola celebrando 30 anos. Minha história foi um pouco triste, vim de família humilde, era difícil ir todo dia, às vezes tinha que andar muito, sempre pensei que chegaria lá, apesar da minha mãe achar que não - lembra e diz que mesmo assim, não desistiu.
Simone nasceu em Goioerê, no Paraná, veio para Montes Claros com oito anos de idade. Antes, passou por Catuni, município de Francisco Sá.
- Minha mãe me dizia que eu iria passar fome se fosse uma cantora lírica, que aqui na cidade não tinha espaço para mim. Mas encontrei um anjo na minha vida, a Júnia de Melo Franco. Ela foi responsável pelo que sou hoje. Ela acreditou em mim, me deu emprego. As pessoas me chamavam de favelada, pobre, achavam que eu não iria chegar lá. Júnia me mostrou o contrário, me falou de perseverança, que eu lutasse com toda minha força que tinha certeza que passaria por cima daqueles que me maltratavam. Até porque talento a gente nasce com ele. Não fabrica.
Perto da sua morte, me senti órfã, um pedaço de mim também morreu. Fiquei com medo de não chegar lá, mas sempre lembrava das palavras dela.
Algumas pessoas diziam que porque eu era pobre e negra não conseguiria ser uma grande cantora. Eu falava que seria, e elas riam. Até que um dia apareceu outro anjo, o professor de português Antônio Salgado. Veio para dar aula de canto Master Class, no Celf, na rua Doutor Veloso. Eu estava numa sala estudando uma canção de G.Fauré, Aprés Un Rave, e ele estava entrando, escutou e perguntou: quem é você? Eu disse que era aluna. Aluna de Regina Coelho e ele disse por que você não está fazendo o Master Class? Eu respondi que não tinha condições de pagar as aulas. E imediatamente ele me convidou para participar. Me lembro das suas palavras: A partir de agora você é minha convidada, quero você participando. O Master Class é meu. Aí eu criei uma guerra. Durante o curso, o tempo todo, ele me pedia para dar exemplos, repetir as coisas, e eu, prontamente fazia. Aprendi muito a fazer caras e bocas, tendo ao mesmo tempo oportunidade com o mestre, sem precisar que ninguém me diminuísse como pessoa. Aí minha vida virou outra. Ele pediu para as pessoas prestarem atenção no meu talento porque eu tinha muito para oferecer para a escola e para o mundo.
Virei pupila. Ele foi meu segundo anjo. Sempre lembro dos conselhos dele e da Júnia. A partir disso, comecei a despontar - conta saudosa.
Simone diz que teve mais de vinte professores trabalhando sua técnica vocal e cita a musicista Regina Coelho como referência.
- Regina Coelho foi uma grande professora, a maior que eu conheci, aquela que sabe tirar de você para fora, sem impor, impor na hora certa. Regina é tudo que qualquer cantor precisa conhecer. É espetacular! Graças a ela e aos anjos que tudo fluiu em minha vida - reconhece.
Coral universitário Raquel Muniz
Simone Santana atualmente é a regente do Coral universitário Raquel Muniz, composto por funcionários e alunos da Funorte/Soebras.
- Ano passado nos apresentamos no Concerto de Natal, formaturas cantando a 9ª Sinfonia de Beethoven, Dawn by the river side, entre outras. Foi lindo! Estamos voltando aos nossos ensaios, fazendo cânones, peças regionais e Aquarela do Brasil - conta Simone.
Para ela, trabalhar música na faculdade ajuda em todos os aspectos sociais.
- A música lava a alma. Já percebi que os alunos estavam sonolentos, a matéria meio arrastada. Eles já melhoram. Trabalhamos voz e exercícios, o corpo saudável, mais ânimo. Isso tudo ajuda, além deles conhecerem o universo da música, o canto lírico.
Viagem de sonho
Um outro momento especial da vida de Simone foi uma viagem que fez a Curitiba.
- Lá, você consegue se transportar, além disso, a cidade é limpa, bem cuidada. Outro dia recebi aqui em Montes Claros uma amiga que mora em Lavras e fiquei desanimada. Não tinha nem onde levá-la - confessa.
- Do Rio de Janeiro a gente não esquece. Me formei lá, no Conservatório Brasileiro de Música com a cantora e mestre Patrícia Peres. Independentemente da violência, é um lugar que você chega e não quer voltar. Mas Montes Claros é paz, tem calor humano. Isso aqui é nosso - avalia.
Cultura do Norte de Minas
Para a cantora, Montes Claros teve uma fase boa de cultura, onde aconteceram muitas coisas. Mas segundo ela, está tudo parado.
- O secretário de Cultura, Ildeu Braúna, tem feito o que pode, mas esperamos que melhore. Para você ter uma ideia, tem um piano no Centro Cultural que está às moscas, é um piano de calda, precisando de conserto. Deviam olhar para ele. Parece que houve até uma proposta dentro do orçamento, mas nada foi feito. O piano é um patrimônio cultural da cidade e está jogado. Quem sabe alguém se interessa? - provoca a cantora.
Mãe, mulher, dona de casa
Simone é mãe do pequeno Fernando Henrique, de 03 aninhos, e quando está em casa com ele, canta ópera.
- Ele ama ópera, se emociona, sabe distinguir quando uma ópera é alegre e quando ela é triste. Ele tem esse sentimento. Quando estou no palco, ele fixa o olhar no meu. Isso é lindo. - diz a mãe coruja.
Para 2011, a cantora diz que pensa em sair do Brasil, para se aperfeiçoar.
- Tenho uma proposta de fazer um mestrado em ópera. E é isso, cantar muito, cada vez mais.
