THALITA PERES: De Montes Claros para o mundo

Nas comemorações dos 10 anos do Jornal O Norte de Minas, a musicista recebe homenagem especial

Jornal O Norte
26/09/2013 às 10:25.
Atualizado em 15/11/2021 às 17:12

Nas comemorações dos 10 anos do Jornal O Norte de Minas, a musicista recebe homenagem especial

Homenageada especial 10º edição do Prêmio Gente & Ideias, a musicista conversou com nossa reportagem, quando falou sobre sua formação e suas influências musicais e suas impressões sobre a música produzida em Montes Claros, no Brasil e no mundo.



Por Adriana Queiroz

Você desenvolveu projetos musicais que fizeram história. A homenagem a Chiquinha Gonzaga foi um deles. Como foi conhecer profundamente a vida e a obra dessa pioneira da nossa música popular/erudita e qual foi o grande ensinamento que lhe ficou dessa “garimpagem” em termos pessoais?

O estudo da obra de Chiquinha Gonzaga me possibilitou grande conhecimento estético e histórico acerca da música brasileira, considerando que trata-se de uma compositora de grande valor para a produção da música popular nacional, que muito contribuiu para a difusão e a valorização da música do país. Além disso, a história de vida e as conquistas de Chiquinha Gonzaga, em uma época em que a mulher praticamente não tinha espaço na sociedade, demonstraram que garra, perseverança, coragem, amor à música e obstinação em torno de um ideal podem possibilitar ao ser humano grandes conquistas. Sem dúvida conhecer essa história e conviver com ela me fez considerar esses valores como ideologia e ideal de vida e de relação com a música.

Dizem que a música brasileira é uma das mais ricas no cenário cultural do mundo inteiro. Você concorda com essa afirmação? Em que ponto nossa música popular contribuiu e ainda contribui para que ela seja tão destacada no mundo inteiro?

A música popular brasileira tem grande valor em si. O fato de o Brasil ter uma extensão territorial tão ampla e com diferentes etnias, fez com que a nossa música ganhasse singularidades harmônicas, melódicas, rítmicas, entre outras, que certamente lhe dão um lugar de destaque em diversos lugares do mundo. Todavia, o reconhecimento e a entrada da música no cenário mundial dependem de um conjunto de aspectos em que a mídia tem papel preponderante. Assim, reconheço na música popular brasileira uma riqueza singular e acredito que é preciso criar mecanismos para que ela seja, cada vez mais, difundida e conhecida no cenário internacional.

Você participou efetivamente do nascimento, crescimento e consolidação do Conservatório Lorenzo Fernandez. Quem é dona Marina Lorenzo Fernandez para você? Fale um pouco dessa sua ligação com o nosso conservatório.

Dona Marina chegou a Montes Claros no início da década de 1940 e logo deu os primeiros passos para a organização e o desenvolvimento da formação musical na cidade. Então ela é uma das mais importantes pessoas para a música de Montes Claros, tendo lugar garantido na história musical montes-clarense como a pioneira e a grande idealizadora e sistematizadora dos caminhos de ensino de música na cidade. Além de fundar o Conservatório, na década de 1960, e o Curso de Educação Artística da Unimontes, em 1986, para formar professores de música, ela criou um circuito profissional de música na cidade, levando constantemente músicos reconhecidos nacionalmente para fortalecer a formação musical de professores e alunos de música da cidade. Além disso, levava professores e alunos do conservatório para participar de concursos, festivais, aulas e outras atividades em diferentes localidades e eventos musicais do país. Na sua gestão o Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez se tornou conhecido como um dos mais importantes entre os conservatórios mineiros, sendo ainda hoje destaque no processo de formação em música no Estado.

Especificamente no meu caso, D. Marina Lorenzo Fernandez Silva é uma grande mentora e fonte de inspiração da minha vida musical. Tive minhas primeiras aulas de piano com ela com apenas seis anos de idade. Mas além da iniciação, ela acompanhou minha formação até que me tornasse profissional da música e do piano. Portanto, ela teve papel preponderante na minha trajetória como musicista e até hoje é uma forte referência para minha vida pessoal e profissional.

Minha saudosa mãe (Jacy Alves Cardoso Vale) foi aluna da D.Marina e também uma das fundadoras do Conservatório e membro da primeira equipe de professores da instituição. Então o conservatório era minha segunda casa, tendo sido o lugar em que aprendi música, onde fui amplamente incentivada e que deu base para que fortalecesse minha trajetória musical. Posteriormente fui professora da instituição, ganhando experiência na docência do piano e consolidando minha carreira como musicista. Tenho ótimas lembranças e muita saudade das pessoas e das experiências que vivi nos muitos anos em que estive próxima do Conservatório.

Quem foi responsável por esse patrimônio?

Citar todos os nomes importantes para a história do Conservatório é uma tarefa praticamente impossível, podendo levar ao equívoco de esquecer nomes importantes para a trajetória da instituição. Assim, vou me ater aos pioneiros que estiveram à frente do no processo de sua fundação, com o apoio de toda a sociedade montes-clarense. Nesse cenário merecem destaque os nomes de Teresinha Tupinambá, Jacy Velloso, Zezé Colares, Arlete Rodrigues de Macedo, Cecy Tupinambá de Ulhôa, Dulce Sarmento, Clarice Sarmento, Iraídes dos Santos Drumond, Jacy Alves Cardoso Vale, Leila Velloso Alkimim Ferreira, Maria da Conceição Machado Lafetá, Maria Inês Maciello de Paula, Nadir Antônio da Cunha. Além dos professores, também foram importantes para a consolidação da escola, Felicidade Perpétua Tupinambá (Secretária), Mary Wilson Maldonado Dutra Nicácio (Inspetora de Alunos), e Estela de Oliveira Silva (Servente).

E quais foram, em sua opinião, os grandes talentos que ele projetou para a música brasileira?

Da mesma forma que a questão anterior, seria impossível lembrar todos os nomes que, tendo iniciado a formação musical no Conservatório, saíram da cidade e alcançaram destaque no cenário da música nacional. Todavia, de forma sintética posso mencionar alguns que se destacam como intérpretes, compositores e também na área acadêmica: Yuri Popoff, Antonieta Silva e Silvério, Martha Ulhôa, Irene Tourinho, Marcelo Andrade, Jean Joubert, Joaquim Carlos de Paula, Patrícia Peres, Luis Ricardo Queiroz; José Soares de Deus; Francisco Borém; Ricardo Castelo Branco; Armênio Graça, Tino Gomes, Valmyr Oliveira, entre inúmeros outros artistas locais que desenvolvem um belíssimo trabalho dentro e fora da cidade e que enchem de orgulho todos nós montes-clarenses.
    
Nossa cidade é essencialmente musical, com figuras como João Chaves, Dulce Sarmento, Geni Rosa, Nivaldo Maciel desenvolvendo habilidades no canto e nos instrumentos. Você já pensou em resgatar esses valores através do seu piano? Ainda há espaço para as músicas de seresta em termos contemporâneos e comerciais, por exemplo, criando-se um nicho dela na indústria fonográfica brasileira?

Reconhecendo a riqueza da expressão musical na cidade e tendo convivido com ela diretamente ao longo de todos esses anos como musicista, já desenvolvi vários trabalhos com vistas a conhecer e resgatar a produção musical da cidade. O mais abrangente foi o projeto que desenvolvi como professora da Unimontes, intitulado “Compositores de Montes Claros e suas obras: Características culturais e estético-estruturais”, onde fiz um amplo mapeamento da prática composicional da cidade, contemplando desde obras mais históricas ligadas aos primórdios de Montes Claros até músicas compostas atualmente. Desde 2008 coordeno o projeto “Estações Musicais na Unimontes” em conjunto com uma equipe formada pelos professores Fábio Carvalho, Patrícia Peres e Andrea Cardoso e uma das próximas metas é demonstrar parte desta pesquisa, valorizando o que temos de melhor na nossa música.
Sobre a seresta, certamente o movimento se enfraqueceu ao longo dos tempos, mas claro que um nicho para a produção e apreciação desse tipo de música pode ser criado, fortalecendo sua inserção social e seu espaço no cenário musical. A cidade e suas políticas culturais podem contribuir para isso. Um exemplo foi o que aconteceu com o Choro da década de 1950, que depois de cerca de uma década enfraquecido, ressurgiu a partir do trabalho de Jacob do Bandolim e se ergue novamente como expressão representativa da música nacional. Não podemos esquecer, entretanto, das cidades de Diamantina (MG) e de Conservatória (RJ) que procuram, até hoje, manter viva a Seresta.

Diante do que está sendo veiculado atualmente pela mídia, você ainda é otimista em relação à Música Popular Brasileira? Existe preconceito em relação ao rap e funk em função de serem músicas de negros, pobres e favelados, ou isso é somente impressão de alguns teóricos das universidades? Morando no Rio de Janeiro, qual é o impacto que elas causam na criação de músicas mais ricas e elaboradas?

A mídia veicula um tipo de música que atende aos seus próprios interesses e a objetivos estritamente comerciais, mas a música brasileira popular sobrevive e se revitaliza mesmo diante desse cenário. Claro que com uma política cultural de circulação mais abrangente poderíamos ter uma expressão musical ainda mais sólida. Mas, de certa forma, a efervescência da música brasileira popular é cativante e há muitas manifestações e produções que representam com dignidade e qualidade a música nacional. O funk na verdade não tem origem brasileira, sendo resultado de uma fusão de ritmos estrangeiros com algumas características nacionais. Nunca é bom julgar as músicas sem conhecê-las em seu contexto social, mas realmente o funk não representa a diversidade e a riqueza da música popular brasileira, considerando a trajetória histórica desse fenômeno, sendo ligado a contextos e grupos culturais específicos. Não creio que ela cause impacto nas expressões musicais artísticas da música nacional em geral, que pode até de alguma forma propor diálogos estéticos, através de ritmos, motivos melódicos etc, mas em linhas gerais são músicas que estão em mundos diferentes. Mas o fato é que hoje é preciso considerar que o funk é um tipo de expressão que está inserida no âmbito da cultura nacional e, independentemente de ser contra ou a favor, o que queremos é que outras expressões e práticas musicais tenham espaço, valor e circulação, assim contribuiremos para a riqueza e a diversidade da produção musical nacional.

Finalmente, Talitha: o que mais te emociona: um violinista pobre tocando divinamente seu instrumento na calçada de uma grande metrópole, ou um concerto de uma grande orquestra sinfônica no Teatro Municipal do Rio de Janeiro?

O que me emociona é a qualidade da expressão musical e não o local onde é realizada. Qualquer música boa, bem executada, me emocionará, pode ser na rua ou no Teatro. Certamente o teatro é um local preparado para receber concertos e, portanto, oferece a estrutura adequada para a apreciação da interpretação musical. Mas, insisto: a música não precisa de um lugar para emocionar.


 

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por