Haroldo Costa Tourinho Filho
Colaboração para O NORTE
Os organizadores do Festival nacional do pequi, leia-se secretaria municipal de Cultura, vêm incorrer no mesmo equívoco por nós apontado quando da realização do anterior, em abril do corrente ano. A ponderação é a que segue:
Uma vez selecionadas 30 das inúmeras canções inscritas para o festival, 15 delas são apresentadas/defendidas e julgadas numa sexta-feira, e as outras 15 no sábado. Dessas 30 canções, 12 vão para a final do domingo. Até aí tudo bem. Acontece que, na sexta-feira, são classificadas 06 canções para a final do domingo, o mesmo ocorrendo no sábado, quando outras 06 canções são escolhidas.
Pergunta-se:
Como se pode classificar 06 canções, dentre 15, numa primeira etapa do concurso (sexta-feira), e remetê-las diretamente para a finalíssima do domingo, sem ouvir/julgar as outras 15 concorrentes do sábado?
Seriam aquelas 09 canções, excluídas no sábado, “piores” do que as 06 já classificadas na sexta-feira? Somente em tese...
Não parece mais acertado ouvir e julgar todas as 30 canções classificadas para a etapa final, para só então retirar daí as 12 que irão para a finalíssima do domingo? Cremos que não há argumento que resista a este, simplesmente lógico. No entanto, o erro volta a se repetir, segundo se lê no edital que regula o Festival do pequi, a realizar-se em fevereiro de 2008. Amém...
Ainda sobre o festival, registre-se a irrisória quantia destinada à premiação: R$ 3.000 para o primeiro lugar; R$ 2.000 para o segundo e R$ 1.000 para o terceiro, além de R$ 750 para o melhor intérprete etc. Risível, né, caro leitor?
Agora, imagine você, com esses prêmios, como pagar os componentes de uma banda que se faça necessária para a defesa de uma canção? Isto, ainda supondo que o hipotético supliciado seja de Montes Claros. E se o mesmo for oriundo de outros estados? Como arcar com as despesas de banda – ou mesmo de um intérprete –, de transporte, hospedagem, alimentação?...
Sinceramente, melhor não houvesse esse concurso musical. Afinal, o evento tem outros atrativos.
Para finalizar, transcrevemos um “manual” para a realização de festivais de música, elaborado após ampla discussão e consultas, pelo grupo responsável pelo site www.festivaisdobrasil.com.br . Esperamos que a nossa colaboração, além da crítica construtiva acima, possa servir para que festivais semelhantes, que venham a ocorrer em nossa região ou alhures, se pautem por uma melhor organização.
A quem possa interessar:
CRIAÇÃO BÁSICA DE UM FESTIVAL
Da estrutura
O primeiro passo para a criação de um festival, especialmente numa cidade de pequeno- médio porte, é o apoio do poder público, seja ele vindo de casas de cultura, secretaria municipal e/ou fundações culturais etc., pela simples razão de que a estrutura básica de um festival, ou de eventos culturais em geral, necessitam de alguns ítens que somente a prefeitura pode dar , como por exemplo o local para o evento, alojamentos e alimentação (que podem ser escolas municipais e as próprias cozinhas que servem os funcionários públicos), alvarás, prêmios em dinheiro (que podem vir da verba do município destinado à cultura), e assim por diante. Sem contar a adequação das datas, para que um mesmo evento não coincida com outro.
Sem essa estrutura, o festival pode estar destinado ao fracasso e, consequentemente, ao prejuízo de todos. Existem exceções, raras, como por exemplo o Projeto Alpha , de Rio Claro, ou o festival de Boa Esperança, MG, e alguns outros poucos que não dependem de verbas públicas por serem realizados por clubes particulares e/ou fundações filantrópicas.
Do som e local
Normalmente, o som é locado. Poucas prefeituras possuem equipamento de som próprio. E, quando o possuem, na maioria das vezes não são adequados para festivais, onde são necessários vários microfones, amplificadores de palco, várias caixas de retorno, uma mesa de som com muitos canais, tanto para o retorno, como para a frente, um bom PA -que são as caixas que o público vai ouvir - enfim , a locação é o melhor caminho. Deve-se tomar cuidado com relação à empresa que se vai contratar . Muitas nunca trabalharam com festivais e acabam não tendo a devida”paciência” para os longos ensaios (passagens de som) e a constante troca de instrumentos e intérpretes, uma vez que cada concorrente tem um instrumento diferente, de outra marca e/ou timbres variados e, obviamente,cada cantor tem sua “pegada” particular. O técnico precisa saber que os festivais são diferentes dos bailes, onde se regula o som na primeira ou na segunda música e não se vai mais ter trabalho. No festival, cada música requer uma atenção especial e personalizada. A locação de um bom som sai entre 5 e 10 mil reais, variando para mais ou para menos dependendo do local e se vai haver shows de abertura ou encerramento. Com exceção para mega-eventos, onde o equipamento de som precisa ser bem maior. Quanto ao local, não há muito o que acrescentar, apenas que seja confortável a todos e dentro das normas técnicas de segurança e higiene.
Do regulamento e inscrições
Cada festival procura adequar o regulamento à sua realidade. A espinha dorsal de um regulamento bem construído se baseia em poucos fatores, porém, fundamentais. Todos iniciam o texto dizendo que o objetivo do evento é “revelar novos talentos”, mas sabemos que a maioria dos participantes de festivais não são novos, nem na idade, nem na carreira. Trata-se de bons artistas (muitos oriundos de bailes e da noite) que procuram espaço para suas composições e, porque não dizer, viver financeiramente delas. Isso não é pecado, pelo contrário, é saudável e, se bem direcionadas as suas expectativas, cria um mercado de trabalho para eles. Mas, para o organizador, o objetivo principal de um festival deve ser “a produção de boa cultura e entretenimento para sua cidade e região, bem como a valorização dos artistas locais e, por fim, a integração dos mesmos com os artistas vindos de outras cidades c e regiões, objetivando o crescimento artístico de ambos”. Este, sim, é o papel do produtor cultural.
Do ineditismo
Outro ítem polêmico é a questão do ineditismo das canções.
A música premiada em outros festivais não pode ser considerada uma ameaça mas, sim, uma referência de qualidade. Trazer para o seu festival uma canção que já foi premiada em outros festivais, deve ser uma honra para o evento, bem como para seu intérprete e compositor. É um sinal de que a triagem foi bem feita e de quem a fez tem competência para detectar uma canção que se sobressai perante outras. Muitos podem acusar a organização de favorecimentos, mas o bom organizador de festivais deverá estar atento para o resultado de outros festivais e novas idéias e ações benéficas de outros colegas que também organizam festivais, visando a evolução e melhora dos eventos. Deve ser considerada “não inédita a música que já tenha sido gravada comercialmente, ou seja, ”CDS AUTORAIS COM TIRAGEM INDUSTRIAL” . Cds de festivais, feiras, mostras e coletâneas não devem ser considerados Cds comerciais. Outros ítens do regulamento devem ser dirigidos à estrutura e à ordem do evento, como data, composição do júri, divulgação dos finalistas, premiação, horários de ensaio etc.
Da qualidade das gravações
A era digital trouxe ao mundo das comunicações inúmeros avanços, como a internet, celulares, digitalização de imagens, sons etc. Na música em especial, a facilidade e baixo custo de se gravar em casa com qualidade e fazer cópias dos nossos próprios Cds causou uma verdadeira revolução no mundo do entretenimento e atingiu em cheio os festivais. As antigas fitas cassetes, com chiado e má qualidade (muitas com cachorros latindo ao fundo, ou carros buzinando), deram lugar aos Cds, o que melhorou sensivelmente a avaliação das músicas pela comissão de triagem. Hoje, como os grandes festivais recebem uma média de 1000, 1200 inscrições, os artistas concorrentes devem ter em mente que uma boa gravação é fundamental para que a sua música seja bem avaliada e consiga ser selecionada para a competição. Os festivais devem exigir que a música seja enviada em CD . Isso estimula o artista a investir no seu trabalho, gravando suas canções com qualidade e no formato CD. Isso ajuda muito na triagem e a boa gravação pode até ser aproveitada para compor um possível CD do Festival (como é feito em alguns festivais, como a FAMPOP, de Avaré- SP, onde o CD sai antes do festival).
Da taxa de inscrição
Esse é um item delicado. Alguns organizadores a entendem como receita para compor o orçamento. O que não é errado, desde que cobrada com bom senso. Comprovadamente, a não cobrança da taxa entope a triagem de coisas horrorosas e sem critério. Um mesmo artista às vezes envia 10 , 15 músicas, “pra ver se alguma entra”, mas isso não funciona. Não cobrar taxa de inscrições apenas dificulta o trabalho de triagem. Alguns festivais deixam de cobrar apenas porque querem que seus festivais sejam os que maior número de inscrições possuem, mas acabam não tendo tempo hábil para ouvir todas as músicas que foram inscritas, o que é desonesto. Se o organizador tem tempo (e estrutura) para ouvir (mas ouvir mesmo) tudo e não necessita dessa receita para compor o orçamento do evento, pode deixar de cobrar a taxa. Outra estratégia pode ser não cobrar a taxa nos primeiros 15 ou 20 dias do início das inscrições e depois desse período passar a cobrar. Isso faz com que os interessados se inscrevam rapidamente para não ter que pagar a taxa e não deixem tudo para a última hora. Isso também desafoga a triagem. Os artistas experientes não enviam diversas músicas. Focam a atenção em uma ou duas canções com maiores chances de classificação. Uma taxa de inscrição baseada no bom senso não deve ultrapassar os 10 reais por música.
Do envolvimento da comunidade
Normalmente, as músicas de fora são mais bem cuidadas e “testadas”, obviamente porque seus autores e intérpretes são na maioria profissionais que frequentam vários outros festivais e possuem, portanto, maior experiência. Mesmo que a maioria das melhores músicas venha de fora, procure sempre acoplar à essas de fora, músicas locais para incentivar os artistas da terra, criando categorias como “melhor música da cidade”, e/ou “melhor intérprete local” etc. Envolva a comunidade no evento. Isso pode ser garantia de bom público, além de se criar uma motivação aos artistas da casa.Um bom exemplo disso foi o do Festival de Avaré, que “convocou ” turmas das escolas municipais para “adotarem uma música” e fazerem um trabalho sobre o seu conteúdo, valendo pontos na nota, além de terem que torcer por essa música no dia do festival. Foi um verdadeiro sucesso, pois quando os artistas de fora se apresentavam, os alunos os surpreendiam cantando com eles a música adotada.
Do recebimento das músicas
A forma tradicional de se inscrever num festival sempre foi pessoalmente ou via correio. No entanto, uma forma mais prática e barata vem sendo adotada por alguns festivais, que é o recebimento via internet através de arquivos Mp3. É um modo simples e que a maioria dos músicos conhece (ou sabe alguém que conhece) e que elimina os altos custos do sedex .Essa forma de recebimento pode ser gerenciada por qualquer webdesign habituado à construção de sites, ou pelo departamento de informática da prefeitura e/ou fundação etc.
Da divulgação
Esse talvez já foi um dois pontos mais difíceis para os organizadores, antes da era digital que a internet nos proporciona atualmente. As malas diretas impressas são caras e não muito eficazes devido ao grande número de correspondências que retornam devido às pessoas que mudam de endereço etc., além de abranger apenas pessoas que já participam de festivais e não novos interessados. A divulgação via internet tem custo infinitamente inferior e eficácia 1000 vezes maior. Criar um site do festival também ajuda muito na divulgação e perpetua o evento, mostrando a história do festival, músicas anteriormente premiadas, fotos etc., além de proporcionar ao interessado informações sobre a cidade, restaurantes, pontos turísticos e muito mais.
Da premiação e ajuda de custo
O que atraí os artistas é obviamente a premiação, as condições de alojamento e refeições e a ajuda de custo para deslocamento. Quanto maior for a atenção dispensada pelo organizador a esses ítens, maior número de pessoas o festival vai atrair. O organizador não deve se esquecer de que o festival é um show e os protagonistas devem ser bem recebidos e tratados com dignidade. Oferecer refeições simples aos artistas sai barato e cria aquela confraternização nas horas de almoço e jantar, onde rolam os papos, as canjas, as parcerias etc. Oferecer um alojamento limpo e com colchonetes e cobertores é uma questão de boa vontade e não de dinheiro. A roupa de cama deve ser trazida pelo participante. Quanto aos prêmios, muitos organizadores preferem apostar num 1° Lugar alto e o resto que se dane. Só pra dizer que seu festival é o que dá a maior premiação. Pode ser uma boa jogada de marketing, mas o ideal são mais prêmios menores, porém, mais aproximados e, se possível, uma ajuda de custo para o transporte e pequenas despesas de viagem.