Origens do Grupo Raízes

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Jornal O Norte
Publicado em 10/03/2017 às 07:00.Atualizado em 15/11/2021 às 14:56.

O Grupo Raízes, que na década de 1970 arrebatou projeção no cenário da música brasileira, enchendo de orgulho montes-clarenses de toda coloração, tem a sua história naturalmente ligada à de Charles Boavista, seu fundador. Mas, como se deu a criação do grupo, longe do cenário desta Minas do Norte, lá pelos solos paulistanos? Em conversa com Boavista, alguns detalhes desta concepção vêm à tona. Com ela, O Norte também inaugura “Galeria”, espaço que reservará às sextas-feiras para contar minúcias e um pouco mais das pessoas fazedoras de arte e cultura - e cuja importância na nossa história, aliás, já está registrada com todos os seus valores. “Galeria” trata apenas de ressaltá-la.


Eduardo Brasil









Foto: Silvana Mameluque

Boavista no placo ao lado de Carlos Maia, Tico Lopes e Herbeth Lincoln: parceiros da música regional

 

Charles Boavista nasceu Agnaldo Pereira de Souza, rebento primogênito de dona Zelita e “seu” Agenor – saxofonista que integrou bandas e conjuntos musicais que animavam eventos públicos e os bailes de clubes sociais de Montes Claros na já remota primeira metade do século passado. Apesar da influência do pai, cujo saxofone foi um dos primeiros instrumentos que tocou, Agnaldo parecia não aspirar um futuro musical. Queria ser padre e entrou para o seminário, onde, além dos estudos, dedicou-se também a atividades artístico-culturais. E foi no teatro que ele descobriu que outro mundo o esperava: o artístico. Agnaldo não mais queria ser padre. Queria ser artista. E deixou o seminário que dividia com amigos como Tadeu Leite, Tino Gomes, o saudoso Jorge (Bodão) Guimarães – e, até eu, que também queria o sacerdócio e fazia o Curso Preparatório.

Fora dos muros do internato, que, enfim, todos os citados acima acabaram ultrapassando praticamente na mesma época, Agnaldo aliou-se a Romeu Carvalho e prosseguiu com a arte cênica, animando reuniões do Cresc – Clube Recreativo Social Cometa, que a turma da rua Rayo Cristoff havia fundado. Com Romeu, experimentaria uma hilária parceria de anos nos tablados alternativos da cidade. Formavam uma dupla inspirada nas chanchadas do cinema brasileiro, espécie de Ankito e Grande Otelo, além de encenarem clássicos do teatro nacional de autores consagrados como Pedro Bloch. Não demorou e os dois optaram por dar nomes artísticos a dupla. Romeu passou a ser “Pêu Carvalho” e Agnaldo, “Charles Boavista” - provavelmente uma miscelânea de Charles Chaplin com o nome da fazenda que frequentava, Boa Vista, dos Carvalho, no município de Francisco Sá – e que anos mais tarde se tornaria o nome de uma de suas músicas celebrizadas pelo Grupo Raízes.

Anos mais tarde, a dupla Pêu Carvalho & Charles Boavista seria partida. Incentivado por Xavier Peteó, dramaturgo de São Paulo e que se encontrava em Montes Claros promovendo o teatro (fui, inclusive, protagonista de uma das peças que dirigiu “Chuva de Sorrisos”, onde contracenava com o saudoso Raphael Reis), Boavista partiu para a capital paulista, em 1969. Queria ser ator profissional.

Guarulhos
Mas, antes dos palcos paulistanos, havia ainda Guarulhos no seu caminho, cidade em que aportou para bater às portas da casa de uma tia, a Tia Moreninha, parente que jamais vira pessoalmente. Foi acolhido e passaria a ajudar os que os receberam de bom grado trabalhando no açougue da família. Mas, não era esse o mundo que Boavista procurava – de carnes sendo fatiadas por facas amoladas. E logo ele o deixaria, partindo finalmente para São Paulo. Tinha lido em um jornal que uma empresa teatral estava testando atores para a peça “Morte e Vida Severina”.

Na fila do teste, bastante longa, Charles Boavista sacou da mochila um exemplar de Dostoiéviski. De repente sentiu a presença de uma jovem de “cor alva” ao seu lado. Interrompeu a leitura para responder à pergunta da desconhecida curiosa em saber o que lia. Era Ângela Linhares, filha de erudita família cearense e com quem criaria o Grupo Raízes, se casaria e teria uma filha, Cassiana – que já lhe deu um neto e este um bisneto.

Boavista e Ângela foram aprovados no teste (para canto e interpretação) e com uma condição que o montes-clarense custou a acreditar: seria registrado como trabalhador da arte e da cultura, ou seja, trabalharia com carteira assinada. Os dois prosseguiriam na empresa participando de outras diversas montagens infantis. Surgiu, então, a ideia de buscar antigos parceiros de Montes Claros para tentar a sorte que lhe sorria. O primeiro foi Tino Gomes, com quem montou algumas peças teatrais nos tempos do seminário. Tino também se surpreendeu quando a empresa, após aprová-lo em teste, pediu a sua Carteira de Trabalho.

O GRUPO SURGE
Em casa, descobrindo na música a aspiração profissional, acompanhados de um violão e com cantorias que remontavam às suas origens, Charles, Ângela e Tino concebiam o Grupo Raízes. Aos três se juntaria mais um montes-clarense, Joba Costa, também contemporâneo dos idos seminaristas, e ainda Ruy Weber e Ângelo Tokutak. Logo entrariam em estúdio (de Sá, Rodrix e Guarabira) para dele saírem com o primeiro LP do grupo: “Raízes”, que trazia a música, “Desentoado”. O segundo LP não demoraria: “Brejo das Almas”. O grupo, então, já contava com outra composição que incluía Odilon Escobar e Arlindo. Em meio ao sucesso que suas músicas alcançavam Boavista, já conhecido e conceituado no mundo artístico de São Paulo, incursionou como produtor musical sendo responsável pelo lançamento de novos grupos que despontariam no mercado de discos, como o Tarancon.

Apesar da ascensão em São Paulo, o músico montes-clarense decidiu retornar para Minas. Em Belo Horizonte, em 1977, ele daria continuidade ao Grupo Raízes com uma terceira formação que contava com outro montes-clarense, saudoso Cori Gonzaga, além de Zé Dias, Dimas, Marcelo Padre, Penico (também falecido) e Faisal, com quem compôs “De trem para Montes Claros”, que fazia parte do terceiro LP: “Raízes”. O grupo também gravaria um compacto com a música “Menino do interior”.

Na capital mineira, o Grupo Raízes viveria outros de seus melhores momentos, destacando a temporada de nove dias, no Palácio das Artes, abrindo os shows de Elis Regina. Mais tarde, repetiria a dose em temporada de Fagner.

Apesar do reconhecimento público, o Grupo Raízes não resistiria ao tempo e seria desfeito, definitivamente. De volta para Montes Claros, convidado pelo então prefeito Tadeu Leite, Boavista e o saudoso Reginauro Silva fundariam o Circo dos Bairros, um projeto que infelizmente também teria vida limitada. Até recentemente, o criador do Grupo Raízes fez parceria com Carlos Maia, com quem compôs dezenas de músicas e gravou vários CDs. Hoje, aposentado, o artista não deixou de lado o que considera sagrado na sua vida: compor. Ele mantém a sua criação musical, a continuidade da labuta pela arte e cultura - e logo poderá nos brindar com mais um presente aos ouvidos. Estamos aguardando Agnaldo, ou melhor, Charles Boavista.

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