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Sexta-Feira,29 de Novembro

'Meus filmes sempre terão vigor artístico’

Jurada do Oscar, a produtora montes-clarense Vânia Catani revela novos projetos

Paulo Henrique Silva
29/01/2019 às 06:41.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:17

(TANIA REGO/DIVULGACAO)

“É secretíssimo!”, despista a produtora Vania Catani, uma das poucas profissionais no Brasil a votar em todas as categorias do Oscar, ao comentar escolhas para a próxima edição da premiação, em 24 de fevereiro. Ela foi convidada a participar do júri ano passado, junto a outra mineira, a diretora de documentários Petra Costa.

Uma das principais produtoras do país, à frente da Bananeira Filmes, sediada no Rio, Vania está cada vez mais “internacional”, seja nas coproduções que vem realizando com diretores de outros países, seja no anúncio recente de uma cinebiografia sobre o jogador Adriano, projeto que fez chegar à mesa dela currículos de cineastas de diversas partes do mundo.

Apesar deste olhar para fora, ela garante: “não perdi as minhas características mineiras”. Vania se diz apaixonada pela terra natal, Montes Claros. “Tenho grande orgulho de ter nascido lá e espero, como produtora, criar iniciativas na região onde nasci, como uma escola de cinema”, registra a produtora, que tem no currículo mais de 20 longas-metragens e dezenas de prêmios.
 
O projeto envolvendo o jogador Adriano significa uma mudança no perfil de filmes da produtora, voltando-se para obra de maior apelo popular?
De forma alguma. Meus filmes sempre terão vigor artístico. É exigência minha, mesmo que eu faça, no futuro, comédia romântica, que sou doida para produzir, isso vai existir. Fazer cinema comercial não quer dizer que não terá (vigor artístico). Não são incompatíveis. Acho que é obrigação de quem faz cinema. No caso do projeto com Adriano, não foi ninguém que me propôs. Eu que procurei o staff dele. Depois de mais de 20 longas produzidos, estou mais do que apta para decidir o que realizar e para participar criativamente de cada projeto. Não sou daquelas produtoras que só cuidam da parte financeira.

O que lhe atraiu na história do Adriano? Quando o filme será rodado?
Fechei um acordo com ele de cessão dos direitos e agora vamos buscar financiamento para o filme. A gente não sabe como a banda vai tocar neste ano. Para falar a verdade, hoje (segunda-feira passada) que comecei o ano, com a mudança de sede da produtora. Começamos uma agenda, como essa entrevista para você. A ideia é desenvolver um documentário e uma ficção. Com a pesquisa para o primeiro, vamos gerar um roteiro de ficção. A história de Adriano é muito boa. A parte que mais me interessou foi a do cara que alcançou sucesso profissional e financeiro e que abriu mão disso por achar que tem coisas mais importantes na vida. Tem gente que morre sofrendo e não tem coragem de largar. O caso de Adriano é um fenômeno. É um personagem muito humano, cheio de valores e atitude.
 
Já tem os diretores?
Estamos ainda numa fase de namoro. No acordo com o Adriano e a equipe, ele tem que aprovar todas as pessoas envolvidas. Esse projeto tem uma característica diferente, pois não veio dos autores para mim. Nasceu comigo. Mas já temos alguns nomes em vista. O curioso é que tem muita gente me ligando, mandando e-mail e se oferecendo para fazer. Gente do Brasil e de fora.
 
Você interfere muito no processo de realização de um filme?
“Interfere” não é a palavra. É colaborar, dialogar, trocar. Na indústria contemporânea, os produtores são fundamentais para estabelecer diálogo com os (departamentos) criativos. Já repeti a parceria com o Selton (Mello) três vezes. Outros não, mas não por causa de alguma desavença. O Matheus (Nachtergaele), com quem fiz “A Festa da Menina Morta”, quer filmar de novo. Vamos fazer. Quando você passa muito tempo junto com uma pessoa e não há diálogo, não é legal. Vira um grande sofrimento.
 
Permita-me uma provocação: você é atleticana e fará um filme sobre ídolo flamenguista. Já imaginou a polêmica que irá provocar? (risos)
Sua pergunta me lembra da época em que ainda morava em Belo Horizonte e fui com o Pedro Bial, diretor de “Outras Histórias” (1999), participar do “Sempre um Papo”. Me chamaram de traidora, que estava ajudando um carioca a fazer Guimarães Rosa... Um quarto de século depois, ainda me vejo em situações como essa, com as pessoas me perguntando o que vim fazer aqui (no Rio de Janeiro). Não perdi minhas características mineiras, não sou menos mineira do que os outros. Sou apaixonada com a minha terra, Montes Claros. Tenho grande orgulho de ter nascido lá e espero, como produtora, criar iniciativas na região onde nasci, como uma escola de cinema.

Hoje (segunda passada) foi o último dia para enviar os seus votos para o Oscar deste ano. Se não me engano, você é, ao lado da documentarista Petra Costa, a única mineira votante no grande prêmio do cinema mundial. Como é participar deste processo?
Por ser produtora, creio ser uma das poucas pessoas no Brasil que vota em tudo. Quem me falou isso foi o Rodrigo Teixeira (de “A Bruxa”), também produtor. A Petra só vota em documentário. Boa parte dos brasileiros vota em prêmios técnicos. Está sendo uma maravilha para mim. Recebi mais de 100 filmes para avaliação. Você aprende muito. Se eu tiver outra oportunidade para representar o Brasil, já vou chegar entendendo bastante do rolê, mais do que foi com “O Palhaço”.
 
Você não pode revelar as suas escolhas? (risos)
De jeito nenhum. É algo secretíssimo.
 
Vamos falar de futuro agora. Com as muitas indefinições do governo atual para as políticas culturais no Brasil, acredita que as dificuldades para se fazer cinema serão maiores?
Estou esperando para ver o que vai acontecer. Estou esperando anunciarem o calendário para o cinema. O cinema brasileiro existe há muitos anos. São mais de 100 anos de história. Muita gente trabalhou nisso por anos e anos e resistiu a muitas coisas. Ninguém acaba com o cinema. Estou trabalhando como se tudo fosse seguir como antes. Estou à espera da abertura dos editais, de produção, de coprodu-ção...
 
A Bananeira já fez três coproduções internacionais, entre elas o “Zama”, de Lucrecia Martel. Há outros projetos neste sentido?
Sim, inclusive um documentário no Panamá. Há projetos com produtores de México, Chile e Argentina. Também vamos filmar no Nordeste o novo filme do diretor português Miguel Gomes. Essa troca é muito positiva para nosso cinema pois, por contrato, brasileiros têm que estar na equipe. No “Zama”, por exemplo, a Renata Pinheiro foi a diretora de arte e ganhou vários prêmios. A Karen Harley foi a montadora. Trabalhar com a Lucrecia, aliás, foi um sonho realizado. Era fã do trabalho dela e hoje somos muito amigas.
 
Em Minas, você deverá repetir em breve a dobradinha com o José Luiz Villamarim, com quem trabalhou em “Redemoinho”.
Vamos adaptar o “Crônica da Casa Assassina”, do escritor mineiro Lúcio Cardoso. O roteiro está em fase de desenvolvimento e vamos filmar ano que vem. O (Paulo Cesar) Saraceni fez versão do livro (em 1971), mas o nosso não será um remake, apesar de baseado na mesmo obra.
 
Numa das últimas vezes que conversamos, você também falou do projeto de adaptação do livro “A Primeira do Dragão – A Juventude de Glauber Rocha”, do Nelson Motta.
Só agora conseguimos encontrar o tom certo e passaremos este ano escrevendo o roteiro. Imagina, vamos filmar em Salvador. Se não vou mudar para o Nordeste, pelo menos ficarei filmando por lá.
 
Decepcionada com o Rio, onde mora há quase 20 anos?
Está muito f... morar no Rio. É impressionante o número de pessoas morando na rua. A miséria bateu forte. Não há política de Estado. Se começarem hoje uma recuperação do Rio, talvez só irão terminar quando eu estiver bem velhinha. Meu desejo seria morar no Nordeste, em Salvador, Fortaleza ou João Pessoa. É outro ritmo, com muitas pessoas legais. Mas pertence à categoria dos sonhos. Se eu fosse para lá não seria para abrir uma pousada. Amo o que faço. Acho que não saberia fazer outra coisa. Mas adoro o Rio, fui super bem recebida aqui. Minha vida mudou muito após vir para cá, expandindo em vários aspectos. O Rio soprou muito alto para eu poder voar. Neste momento que falo com você, vejo pela janela aviões saindo e pousando no Santos Dumont. O que me deixa chateada é que estragaram a cidade.


 

(TÂNIA REGO/DIVULGAÇÃO)

(TÂNIA REGO/DIVULGAÇÃO)

(CINEBH/DIVULGAÇÃO)

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