Ivana Rebello lança, pelo Instagram, seu quinto livro, “A Mulher Esquecida”

Adriana Queiroz
O NORTE
05/08/2020 às 01:05.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:12
 (FOTOS LARA FERRANTE REBELLO)

(FOTOS LARA FERRANTE REBELLO)

Nosso bate-papo de hoje é com a professora montes-clarense Ivana Rebello, doutora em literaturas de língua portuguesa. Ivana tem cinco livros publicados e participa de inúmeras coletâneas com contos e contos e poemas e está na expectativa para a publicação, em breve, demais obras.“Se me tirassem o papel e a escrita, eu ficaria sem voz”, conta. 

Como você está neste momento de pandemia?
Tenho seguido a sensatez e a ciência, protejo-me do vírus e abro meu coração para o mundo. Ficar em casa tornou-se uma obrigação social, pois se trata de uma atitude pessoal, cujos efeitos dizem respeito a todos. Trabalho remotamente todos os dias. Como leio e escrevo diariamente, o sossego do ambiente doméstico sempre foi necessário,intensificado agora pelas novas exigências sanitárias. Sempre gostei do silêncio, do amanhecer e da tranquilidade, por isso, me adaptar não foi tão difícil. Difícil mesmo é conter o abraço, segurar a vontade do beijo, deixar de visitar as pessoas a quem amamos. Mas também com isso a gente vai se acostumando. Outras coisas vieram em nosso benefício, como o fortalecimento das relações familiares: os que moram juntos estão se encontrando mais na realização das tarefas cotidianas, dividindo momentos de lazer e entretenimento; os que estão separados aprenderam a usar recursos até então desconhecidos para festejar datas e momentos. A nossa casa, até há pouco tempo, relegada ao mero papel de lugar de repouso e de refeições, devido à correria feroz do cotidiano, tornou-se novamente um lar, um lugar de encontros, de troca de afetos, em que há tempo para falar e ser ouvido.

Você lançou recentemente o livro ‘A Mulher Esquecida’, um livro de contos, pelo Instagram. Como foi a experiência?
O livro estava pronto, era preciso lançá-lo. Todo autor quer ser lido. A escrita é uma forma de o autor conectar-se ao mundo. A rede social é o modo mais efetivo de conexão com o outro, porque ela pode atingir milhares de uma só vez. A live, modalidade muito usada neste tempo de pandemia, é uma maneira muito eficiente de você transmitir um conteúdo – seja ele artístico, cultural ou científico –, porque ela simula a espontaneidade do contato interpessoal, que eu prezo muito, pois gosto do calor das pessoas. Enquanto você fala, do outro lado, as pessoas interagem com você. Essa modalidade de contato pode nos ajudar a vencer as barreiras do isolamento social. No caso do lançamento do livro, nunca havia visto um feito pela internet. Fiz e gostei. A resposta do público leitor foi imediata. Do outro lado da tela do computador até pude sentir o calor humano e a troca de energias positivas. Este foi um benefício que as restrições impostas por este difícil período nos deram. Há muito recursos midiáticos que precisam e devem ser melhor usados para melhorar e ampliar nossa relação com o outro, nossas habilidades e efetividades profissionais. Nunca trocarei o toque e o olho no olho pelo computador, mas sei que muita coisa irá mudar. E é bom que acompanhemos essas mudanças.

Fale do livro. Como adquiri-lo?
O livro é o quinto que publico, individualmente. A “Mulher Esquecida” é meu primeiro livro de ficção. Trata-se de uma coletânea de contos premiados em diferentes concursos. São contos que celebram a vida, especialmente pelo ponto de vista da mulher, sob a perspectiva do cotidiano. Quando escrevo, tento capturar o sussurro, dar voz aos seres anônimos, celebrar o instante, o cotidiano.

Qual o papel da literatura e das artes em geral nos dias de hoje?
Se houve um tempo em que a literatura e a arte foram relegadas a um plano inferior, hoje a realidade é outra. O isolamento social forçou o encontro do ser humano com ele mesmo. Diminuindo o ritmo, refreando a louca corrida pela sobrevivência, todos se viram forçosamente obrigados a se olharem mais de perto. Eu penso que a pandemia escancarou nossos espelhos e nos fez ver a vida sem filtros. E não há nada que traduza tão bem a complexidade do ser humano que a arte. Somente pela arte e com a arte vemos a representação de nossos anseios e medos, nossos sentimentos e perplexidades. A arte, democraticamente, diz de todos e para todos. Na literatura, a história da humanidade é contada por meio de nossos afetos, nossas falhas, diferenças, nossos sentidos. A literatura nos possibilita ver o outro e, consequentemente, a enxergar a nós mesmos com mais compaixão. A literatura (e todas as formas de arte) cura, sensibiliza nosso olhar, nos reconecta com o divino. 

O que tem chamado sua atenção na literatura atualmente?
A literatura é filha de seu tempo. O escritor é quem está de olhar atento, capturando as mudanças, captando os anseios, revelando os desejos ou denunciando as mazelas. No momento atual, o escritor tem sido aquele que representa o medo, os antagonismos, a perplexidade, a consciência de falibilidade e finitude.Tenho observado duas tendências: a escrita como depuração, como catarse, como se fosse uma tentativa desesperada de o homem vencer as barreiras e ultrapassar as limitações. Geralmente são textos em primeira pessoa. A outra tendência diz respeito a uma maior consciência social, ambiental. O escritor tenta se reconectar ao universo, cultivar o sentimento de pertença com a humanidade. Nestes, há também, em menor grau, uma tendência ao misticismo.

Vivemos em tempos difíceis, agora muito mais com a pandemia do novo coronavírus. Isso afeta de alguma maneira a sua escrita?
Sim e não. Não mudei meu jeito de escrever, mas tenho tido mais vontade de escrever. A dor do outro me afeta. Quando vejo as estatísticas no jornal, tenho vontade de transformar os números em pessoas; levantar o véu do anonimato que recai sobre as vítimas, sobre os profissionais de saúde e desvendar deles a fragilidade, a força, a centelha humana. A literatura escancara nossas limitações e, por isso mesmo, nos faz mais compassivos. Se houvesse mais acesso à arte, haveria menos preconceito e mais humanização.

Convido você a deixar uma mensagem aos leitores que encontrarão as histórias de “A Mulher Esquecida” pela primeira vez.

“A Mulher Esquecida” é uma coletânea de contos curtos – são 31contos. Eles expressam, de modo geral, o olhar de uma mulher sobre a vida. Um olhar de uma mulher, mas de todo ser humano. Quis deixar evidente, nas diferentes situações da vida, ora um olhar de encantamento, ora de angústia, ora de dor, para as diferentes situações da vida cotidiana, seja as de pequenos conflitos de família, seja de flagrantes da rua, que, sob a perspectiva da escrita, ganham contornos poéticos. Para mim, tudo é matéria de poesia: desde um olhar colhido num esbarrão prosaico até a morte de um papagaio. A maioria dos contos evidencia a visão da mulher sobre o mundo, mas há contos que mostram a vida sob a perspectiva da criança ou do homem. Desde o título destaco as mulheres: há sempre um “esquecimento” rondando nossas vidas. A mulher esquecida alude, assim, as mulheres que se esqueceram de algo para poder sobreviver (mágoas, abusos, violências); a mulher esquecida pela história oficial, que não contemplou e valorizou os feitos das mulheres fora da esfera doméstica (a mulher cientista, a mulher política, a mulher escritora etc.); a mulher esquecida, porque retoma um traço comum a muitas mulheres que é o de esquecer-se de si mesma para doar-se aos filhos, ao marido, à família. Não é um livro panfletário, é um livro que celebra a escrita de uma mulher na serenidade da maturidade. Creio que é um livro em que muitos se encontrarão, especialmente as mulheres. E eu espero, de fato, que, com este livro, possamos deixar de ser esquecidas. Em cada conto, há uma invenção de um cotidiano que pode se assemelhar ao de qualquer pessoa, mas há também verdades tão miúdas que só podem, apesar de o livro ser puramente ficcional, espelhar o mais íntimo de mim mesma. O mais, espero descobrir por meio do olhar dos leitores. E tomara que sejam muitos!

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