Márcia Braga
Colaboração para O NORTE
Neste sábado, dia 22 de novembro, o Cinema Comentado Cineclube, uma iniciativa da Prefeitura através da secretaria municipal de Cultura, apresenta toda a acidez de Quanto vale ou é por quilo? (2005), do diretor paranaense Sergio Bianchi. O filme traça um paralelo entre a vida no período da escravidão e a sociedade brasileira contemporânea, focalizando as semelhanças existentes no contexto social e econômico das duas épocas. Com muitos atores afro-brasileiros, a ação se desenrola nesses dois períodos históricos ao mesmo tempo. A sessão deste sábado, acontece dentro da comemoração da Semana da Consciência Negra.
Quanto vale ou é por quilo? utiliza linguagens variadas para contar essa história. Entre elas, trechos de documentários e pequenos contos de enredo, baseados em crônicas de Nireu Cavalcante, extraídas de autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Apesar de ser um filme de ficção, a escravatura é mostrada como está descrita nesses documentos, e em outros escritos históricos da época. Ao traçar esse paralelo entre o século XIX e o tempo atual, o filme questiona até que ponto a estrutura da sociedade brasileira realmente mudou do período colonial até hoje.
Adepto de um “cinema de autor” consistente, Bianchi tece considerações críticas sobre a produção nacional: “Ah, mas o cinema no Brasil, tirando as raras exceções, está sempre procurando copiar o modelo colonizado americano. Em tudo. E agora, de dois anos para cá, copiou-se o virtual em tudo. Você tem um gasto na estrutura burocrática, as escolhas têm todo o processo hollywoodiano. A Ancine tem todos aqueles departamentos, com todos os andares da burocracia necessária para uma grande estatal do cinema, só que você não tem o espaço. Fica a coisa mais louca e virtual possível”, afirma o diretor.
Quanto vale ou é por quilo? não propõe uma saída, algo que se repete em quase toda a filmografia do cineasta, como “Maldita Coincidência” (1979) e “Romance” (1988) e Cronicamente Inviável (2000). Mas aponta o caos e filtra o “caldo da miséria nacional” para lançá-lo à platéia.
As sessões do Cinema Comentado Cineclube acontecem sempre aos sábados, na Sala Geraldo Freire (ao lado da Câmara Municipal), a partir das 19h. A entrada é gratuita e há sempre um bate-papo após as exibições.
CINESESC
No domingo, dia 16 de novembro, o CineSESC exibe Janela da alma (2001), documentário de João Jardim e Walter Carvalho. “Os olhos são a janela da alma”: este é o mote da produção sobre a maneira como cegos e deficientes de visão “vêem” o mundo. O filme estrutura-se através de depoimentos, colhidos mundo afora, de personalidades como o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo Eugen Bavcar, a atriz Marieta Severo e um vereador cego. A certa altura, José Saramago afirma que somos cegos de tudo o que faz de nós um ser agressivo, egoísta e violento, num mundo de desigualdades e sofrimentos.
Realizado em 2001, o documentário aponta várias direções para a temática a partir de depoimentos de pessoas míopes ou totalmente cegas. Traça paralelos diversos relacionando o assunto com ciências (como a medicina e a filosofia), passando pela música e literatura, estabelecendo sutil e inteligente flerte metalingüístico com o cinema. A conclusão é surpreendente: a cegueira não é apenas o que não vemos, mas aquilo que vemos também.
Acompanhando os discursos dos 19 entrevistados, Jardim e Carvalho brincam com imagens que jogam com os olhos do espectador, subvertendo a percepção visual de quem está do outro lado do vídeo. Assim, Janela da alma sublinha depoimentos com formas desfocadas, pontilhadas, "arranhadas", lugares ermos, com a intensidade das luzes de uma grande metrópole.
Com visões debilitadas – cada um com média de 8 graus em cada óculos –, os diretores buscam no colega de ofício Wim Wenders, solidárias explicações sobre a "cegueira cinematográfica". "Ter tudo em excesso significa que nada temos. A atual superabundância de imagens significa, basicamente, que somos incapazes de prestar atenção. Que somos incapazes de nos emocionarmos com as imagens", conclui o diretor.
Perfeito complemento de Janela da alma, é o curta-metragem sobre a vida de um tocador de rabeca no sertão do Ceará, dono de uma visão muito particular do mundo. A proposta autoral de Lucila Meirelles constrói em Cego oliveira no sertão do seu olhar (1998) um “recorte experimental” sustentado por fotos fixas, paisagens fora de foco, cadernos de cordel, artesanato popular, tudo isso composto em sinfonia audiovisual, ao som da rabeca e da voz do cego cearense.
O Cinesesc acontece em parceria com o Cinema Comentado Cineclube e a Programadora Brasil, apresentando sessões todos os domingos, no Salão de Convenções do Sesc-Pousada Montes Claros, a partir das 18h. O endereço do Salão é Rua Viúva Francisco Ribeiro 199 (Ginásio do Sesc). As sessões são gratuitas, abertas a todos os interessados, e depois acontece um bate-papo com a platéia sobre o filme apresentado.