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Sábado,13 de Setembro
ENTREVISTA

Elza Cohen - Cineasta e fotógrafa

Em nome da Terra - Documentário dirigido por uma norte-mineira retrata mulheres quilombolas

Adriana Queiroz
genteideiascomunicacao@gmail.com
Publicado em 06/09/2025 às 06:08.
0 chão dos Gerais pelas mãos das mulheres quilombolas. O documentário “Em Nome da Terra”, dirigido pela norte-mineira Elza Cohen, tem pré-estreia marcada para esse sábado, 6 de setembro, às 11h, no Cinemais do Montes Claros Shopping. A produção retrata, com sensibilidade e força, a trajetória das mulheres do Quilombo de Vila São João, em Berizal (MG), destacando suas lutas por território, ancestralidade e pertencimento. Com imagens impactantes e depoimentos potentes, o filme dá voz a um Norte de Minas profundo e resistente.
 
Como nasceu a ideia do filme “Em Nome da Terra”?
A semente de "Em Nome da Terra" foi plantada muito antes da filmagem. Eu já me dedicava a pesquisar sobre mulheres quilombolas do Norte de Minas, sentindo um forte desejo de trazer à luz a potência e a resiliência dessas protagonistas, cujas vozes são raramente ouvidas. Antes mesmo de visitar os territórios no Norte de Minas, eu já pesquisava o tema. No entanto, o projeto realmente ganhou vida após um convite da Pastoral da Terra para fazer cobertura fotográfica colaborativa de um encontro de mulheres quilombolas em 2023. Lá, me conectei profundamente com as mulheres do quilombo de Vila São João e fiquei impactada com suas vivências. Esse encontro foi o ponto de partida. Comecei a escrever o argumento e passei a conversar com elas por telefone e a frequentar o quilombo para vivenciar o dia a dia delas, buscando a profundidade e a verdade necessárias para contar suas histórias. Essa imersão foi fundamental para capturar a essência de suas lutas e vitórias com a verdade que a história merecia. Esse promete ser o primeiro, de uma série de filmes que retratam a vida das mulheres dos povos originários no Gerais norte mineiro.  
 
Como foi o processo de construção da narrativa junto com as mulheres quilombolas?
"O processo de construção da narrativa foi feito em um mergulho profundo na comunidade. Para garantir que a história fosse delas, e não minha, segui algumas etapas como vivência no território: Me hospedei na comunidade para entender a rotina, o ambiente e as dinâmicas sociais, essa imersão foi fundamental para construir uma relação de confiança, escuta ativa: Ao invés de usar questionários, conversei individualmente com as mulheres, dando a elas espaço e tempo para contar suas histórias de forma livre. As conversas surgiram naturalmente, abordando temas que eram importantes para elas, como a vida em coletividade, a relação com a terra, a família e as memórias de seus antepassados, a relação entre a tradição e modernidade. Dessa forma, a narrativa final é uma representação autêntica de suas vozes, ritmos e vivências, respeitando sempre seus limites e liberdade. Não se tratou de uma simples coleta de informações. O ritmo delas foi sempre respeitado, garantindo que a narrativa refletisse suas vozes de forma autêntica e verdadeira."
 
O que você espera que o público sinta ou reflita ao assistir ao filme?
Espero que o público se sinta tocado pela força e resiliência das mulheres. Em Nome da Terra quer inspirar uma reflexão sobre o poder da união feminina e a importância de criar sua própria história.
O filme busca impactar a sociedade ao mostrar o conhecimento e a sabedoria das comunidades quilombolas através da perspectiva e da voz de suas mulheres. Quando elas se unem, algo revolucionário acontece. O filme é um lembrete de que a ação coletiva feminina não é apenas poderosa, mas transformadora. O que mais me tocou foi o vínculo visceral das mulheres com a terra, um laço construído sobre o respeito e a generosidade mútua. Elas não buscam dominar a natureza, mas sim conviver em harmonia com ela, compreendendo que a terra é uma parceira, não uma posse. Isso me lembrou de um ensinamento do poderoso filósofo e líder quilombola Nego Bispo: 'a terra dá, a terra quer, plante o que precisar e a terra lhe dará o que você merecer” A atitude delas em relação ao solo — plantando com cuidado e colhendo com gratidão — é a materialização desse pensamento. Elas cuidam da terra e, em troca, a terra as nutre. Esse ciclo de reciprocidade é a parte mais linda e tocante do filme, e me fez refletir sobre como podemos resgatar essa sabedoria em nossas próprias vidas."
 
Como você percebe a força feminina na luta pela terra e pela ancestralidade?
Percebo que a força feminina é a raiz e o alicerce da luta pela terra e pela ancestralidade, especialmente nas comunidades indígenas e quilombolas. As mulheres não são apenas guardiãs; são a força motriz que mobiliza e articula a resistência. Elas lideram a defesa de seus territórios e culturas, enfrentando a exploração ambiental e a desvalorização social. Como guardiãs da biodiversidade e do conhecimento tradicional, elas carregam e transmitem práticas sustentáveis, saberes sobre a medicina da floresta e as histórias de seus povos, garantindo a continuidade da vida e dos modos de existência que respeitam a Mãe Terra. Essa luta vai além da defesa do território físico. É também uma luta pela memória, pela autonomia e contra a opressão. Ao proteger a terra, essas mulheres recuperam sua própria voz, tornando-se figuras de empoderamento que, muitas vezes, enfrentam uma dupla jornada de resistência — lutando contra ameaças externas e o machismo interno. Sua atuação incansável é crucial para a preservação de toda a coletividade."
 
Você participou de várias etapas da produção: direção, fotografia, roteiro, produção. Como foi equilibrar tantas funções?
Sim, "Equilibrar essas funções é uma parte essencial do meu processo criativo, especialmente em projetos com orçamentos mais enxutos. Para mim, não é uma limitação, mas uma oportunidade de ter uma visão completa e integrada do projeto. Ao estar envolvida em todas as etapas, da escrita à direção, à fotografia, a produção consigo garantir que a visão inicial do roteiro seja traduzida com precisão para a tela. Essa versatilidade me permite resolver problemas de forma ágil e tomar decisões que beneficiam o filme como um todo. É um desafio que me move e me faz amar ainda mais o que eu faço." Ao dominar essas áreas, consigo tomar decisões mais rápidas e coesas no set, otimizando o tempo e os recursos. Essa abordagem me dá o controle total sobre a narrativa visual e a emoção que quero transmitir, transformando o desafio do baixo orçamento em uma vantagem criativa."
 
Como foi trabalhar com a Andrea Capella na direção de fotografia? O que buscavam com as imagens?
Trabalhar com Andrea Capella na direção de fotografia foi uma experiência muito positiva, marcada por uma sintonia e confiança que construímos ao longo de anos de amizade e colaboração profissional. Quando comecei a montar a equipe para este projeto, Andrea foi o primeiro nome que me veio à mente. Liguei para ela e descrevi a estética que eu queria alcançar com as imagens do filme. Minha visão era a de um filme poético, performático e cinema direto, focado em capturar com sensibilidade os detalhes: os silêncios, o som ambiente e as ações diárias das mulheres que estávamos filmando. Além da afinidade pessoal, nossa colaboração foi poderosa porque temos um olhar semelhante. Eu também sou fotógrafa, e essa perspectiva mútua nos permitiu uma comunicação quase telepática no set. Muitas vezes, um simples olhar já era suficiente para nos entendermos, criando uma sinergia que elevou a qualidade do nosso trabalho. A parceria com Andrea foi fundamental para materializar a visão que eu tinha para a fotografia do filme.
 
A trilha sonora tem um papel importante no filme. Pode falar um pouco sobre a escolha musical?
Sim, a trilha sonora foi fundamental para a construção da narrativa do filme. Ela se divide em duas partes que se complementam:
Os sons do ambiente captados por Mateus Sizilio, eles ajudam a criar uma atmosfera realista e imersiva do filme e a trilha sonora original composta pela artista Erika Nande, ela amplifica as emoções dos personagens e os temas do filme, dando mais significado às imagens e à história. E também a música “Santos Orixás” cedida por Karen Nascimento agregou muito valor a trilha.

 
O filme tem uma estética muito sensível. Que referências ou inspirações te guiaram nesse trabalho?
As referências que me guiaram não são filmes, mas sim a busca por uma nova perspectiva. mas para este projeto, a intenção era criar algo completamente autoral. Busquei me libertar de referências diretas para que o filme pudesse ter uma estética única, que refletisse a minha própria identidade artística e sensibilidade." Este filme é o resultado de uma imersão completa na minha própria voz criativa, buscando imprimir minha identidade sem me prender a inspirações externas."
 
O filme tem um papel político claro. Como você enxerga o cinema como ferramenta de resistência?
Sim, o cinema é, sem dúvida, uma ferramenta de resistência fundamental, atuando como um poderoso agente de mudança social. Ele não apenas reflete a realidade, mas também tem o poder de subvertê-la, tornando visíveis as vozes e as histórias que o poder dominante tenta silenciar.
 
Você acredita que esse tipo de produção pode contribuir para o reconhecimento e a regularização de territórios quilombolas? 
A produção de conteúdo sobre a história, a cultura e a luta quilombola joga luz sobre a existência e a importância dessas comunidades. Isso ajuda a combater o desconhecimento e o preconceito, criando um ambiente mais favorável para a discussão sobre seus direitos. Quando a produção é feita em colaboração com os próprios quilombolas, ela se torna uma ferramenta de empoderamento. Eles se tornam protagonistas de suas próprias narrativas, fortalecendo sua capacidade de lutar por seus direitos e de gerir seus próprios processos de reconhecimento.
 
Como o filme pode ser usado em escolas e universidades? Existe esse plano de
Sim, eu pretendo levar o filme para as escolas públicas e universidades após o lançamento oficial. Filmes podem ser ótimos pontos de partida para debates. Ao assistir a um filme, estudantes são expostos a diferentes perspectivas, dilemas éticos e étnicos, e questões sociais. Professores podem usar o filme para iniciar discussões sobre temas como justiça social, questões ambientais, política, e direitos humanos. A análise crítica de filmes também ajuda a desenvolver o pensamento crítico dos estudantes, ensinando-os a questionar e a formar suas próprias opiniões.
           
Qual a importância de uma roda de conversa na comunidade após a exibição?
Ao debaterem o que foi exibido, as mulheres têm a oportunidade de refletir sobre suas próprias vidas, identidade e o papel que desempenham na comunidade. Elas podem se reconhecer nas histórias e, com isso, fortalecer a autoestima e o orgulho de sua herança quilombola.
 
Qual foi o momento mais emocionante para você durante as gravações?
Quando mãe Aurea diz: agora eu sou “rica”, pois após anos de luta, agora ela tem uma terra para plantar e criar os seus animais.
 
Se pudesse descrever o filme em uma palavra, qual seria? 
Impactante
 
O que você aprendeu com essas mulheres que gostaria que o mundo também aprendesse?
 
Aprendi que menos é mais e que a felicidade independe do “ter” e sim do “ser”.
 
Que mensagem você gostaria de deixar para quem vai assistir “Em Nome da Terra”?
A Terra é a nossa casa, cuide dela!
 
 
Pré-lançamento do filme “Em Nome da Terra”
Onde: Cinemais, Montes Claros Shopping
Quando: 06 de setembro, às 11h - Ingresso Grátis
Classificação etária: Livre
Ingresso: Direto na bilheteria do cinema ou através do Sympla
 www.sympla.com.br/evento/pre-estreia-em-nome-da-terra/3092128

Clebia, coordenadora do núcleo de mulheres do Quilombo. Ela é uma das entrevistadas e também colaborou com a produçao local e com o catering que alimentou a equipe (Elza Cohen)

Mãe Áurea, a matriarca do quilombo (Elza Cohen)

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