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Domingo,17 de Agosto

Diógenes Câmara, o ator

Após décadas encenando espetáculos de merecidos predicados, Diógenes Câmara deplora que o teatro, hoje, em Montes Claros, tenha sofrido nos últimos anos o ímpeto de “oportunistas” que lhe teriam tomado a qualidade e o levado às aspas. Um teatro sob suspeição de um público que já não se deixa enganar

Jornal O Norte
Publicado em 28/04/2017 às 08:21.Atualizado em 15/11/2021 às 15:00.







 

Por Eduardo Brasil  

O público aguarda ansioso o apagar das luzes do Cine Montes Claros. As pessoas, porém, não se encontram ali para mais uma sessão de cinema, para verem a projeção de astros hollywoodianos como Gregory Peck, Rock Hudson, Paul Newman, Alain Delon...

Não. Estão ali para assistirem ao talento de um ator montes-clarense e ao vivo, no “palco” improvisado da inesquecível sala – na verdade estreito espaço de concreto que ficava quase colado à tela. O ator é Diógenes Câmara, que então estreava “As mãos de Eurídice”, monólogo de Pedro Bloch e que ele viria a encenar necessárias vezes com absoluto sucesso, entre outras dezenas de montagens que ainda leva à cena.

A apresentação de uma peça de teatro em uma sala de cinema, com tablado arranjado de última hora, não era um fato inusitado em Montes Claros, nem exclusividade de Diógenes naqueles idos de 1972. O Cine Fátima, aliás, Cine Teatro Fátima, seu nome original, era o mais buscado por oferecer um estrado mais amplo, permitindo mais mobilidade aos atores. Era comum a locação para quem teimava fomentar a arte cênica na cidade – pela falta de um teatro municipal, que ainda hoje persiste, já que o do Centro Cultural, ainda que de intenção louvável, também não passa de uma improvisação. Alternativa custosa, vez que o que se pagava aos proprietários dos cinemas, os “donos de auditórios” como então os denominou o saudoso Reginauro Silva, tinha de ser compatível ao que faturariam em uma sessão de cinema com Alain Delon e companhia. Mas, naquela noite, ninguém pagou pelo ingresso: eram os convidados do ator.

A entrega de Diógenes ao teatro me remete a uma citação de Gianfrancesco Guarnieri e que sempre me acompanhou desde que a ouvi pela primeira vez – também nas aberturas de minhas lidas teatrais, inquilino que fui destes mesmos espaços arrendados. A frase sublinha com propriedade a labuta no palco: “Fazer teatro é como sofrer no paraíso. Mas, se não fazê-lo, como sabê-lo?”.

Digamos que Diógenes é um “padecente” de carteirinha nesse empíreo, pois logo nos primeiros anos de vida a vontade do “fazer” já estava impregnada em sua embrionária biografia. Desde os tempos do curso primário, no Colégio Imaculada Conceição – “fui aluno de freiras”, ou do ginásio no Colégio Diocesano e mesmo que seus melhores feitos ainda não estivessem exatamente nos palcos, mas nas piscinas olímpicas.  Era um exímio nadador. Alertado pela excelência do garoto, de poucos 14 anos, o Minas Tênis Clube, em Belo Horizonte, logo o convidaria para ser um de seus atletas, garantindo seus estudos no curso científico (que então não existia em Montes Claros). A proeza do menino nas águas o levaria aos títulos de Campeão Brasileiro de Natação e Bi-Campeão de Minas Gerais.

De volta a Montes Claros, serviu como atirador no TG-87 e mais tarde se formaria advogado pela Faculdade de Direito, memorável


Fadir. Mas, nesse percurso, o teatro nunca esteve distante. Ainda na pré-adolescência já o fazia com muita comicidade em encontros realizados pelo IT Clube, fundado por jovens da cidade e em promoções sociais de Theodomiro Paulino.  Gostava tanto de fazê-lo que não demoraria a vir à tona a sua capacidade para a cena dramática, para a cena trágica. A noite do Cine Montes Claros foi um divisor de águas. Desde então se dedicou à interpretação de graúdas personagens da dramaturgia brasileira e mundial, desde as dos dramas de Bloch, ou das comédias de Dias Gomes, do mundo infantil de Maria Clara Machado, passando pelas tragédias de Shakespeare, pelo lirismo de Giusepe Ghiaroni até a descrença de Tennessee Willians em relação à humanidade, tornando-se um ator completo – do riso ao choro.

Atuou ao lado de expoentes da cênica de então, como Gelson Dias, Antônio Carlos Amaral, Irani Peixoto, Mercês Prates, mãe do cineasta Carlos Alberto Prates com quem filmou Os Marginais em cenas gravadas na cidade – “eu tinha até fala e meu nome foi creditado no elenco” –, além de América Eleutério e Maristela Cardoso entre outros.

Diógenes lamenta que todo o esforço de anos, dele e de outros fazedores de teatro para que a cidade experimentasse espetáculos de qualidade tenha se perdido em meio a iniciativas que fogem a esse conceito. Hoje, não esconde, é um crítico da maioria das montagens oferecidas ao público, que desconfiaria cada vez mais da sua qualidade e por isso se sentiria menos atraído a assisti-las. Como ele. Não entende a repetição de peças que há anos cansam a paciência alheia figurando “temporadas” e “mostras”, o que seria um claro sinal de ausência de criatividade, um dos deuses do teatro. O oportunismo é outro ataque que reprova, censurando os que fazem da arte cênica instrumento caça-níquel, com espetáculos sofríveis, mas anunciados com intenso impulso publicitário – o que caracterizaria falsa propaganda.

Também não deixa escapar um puxão de orelha aos que tentam “adaptações” de consagrados textos, de vários atos, reduzindo-os praticamente a um, digamos, esquete de poucos minutos, menosprezando a inteligência da plateia que lhes deu caixa pelo engodo. Isso acabou desencorajando o ator que sempre primou pela qualidade de uma arte celebrizada. Assim como muitos outros – e eu me incluo entre eles, tomou distância do “meio” e já não atende aos seus chamados para “mostras” ou o que seja.  Prefere trabalhar à margem dessas “aspas” que aqui cobrem termos como artistas e atores e teatro. Atualmente, ele ensaia o retorno aos palcos com a parceria de Marcos Guimarães e Batista, dois bons colegas fazedores de bom teatro. Tomara que a ideia vingue, até porque o conceito teatral precisa ser retomado em Montes Claros. Enquanto existir Diógenes Câmara, o ator, persistente, isso é possível. Longevidade é o que não lhe falta para continuar nos paraísos do teatro.



Nos tempos das piscinas: Haroldo Filpi, Diógenes Câmara, Leônidas Lafetá,
João dos Santos Abreu (João Galo) e Sabu ( José Francisco de Oliveira)

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