Michelle Tondineli
Repórter
No Brasil, os primeiros negros começaram a chegar para trabalhar nos engenhos de açúcar de São Vicente. Para alguns historiadores, os escravos africanos aqui chegaram com Martim Afonso de Sousa, em sua expedição de 1532. Durante quase 50 anos este tráfico foi regular, e em 1583 realizou-se o primeiro contrato para a introdução da mão-de-obra africana no Brasil. Em 1755, o marquês de Pombal criou a companhia geral do comércio do Grão-Pará e Maranhão e, em 1759, as de Pernambuco e Paraíba, as quais, introduzindo grande número de negros africanos, fomentaram o progresso material do Nordeste brasileiro.
A introdução do escravo negro no Brasil representava uma determinante socioeconômica importantíssima para a emancipação colonial, e foi por muitos foi reconhecida. Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe, ou dos sexagenários, que beneficiava os negros de mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da lei áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.
Para a jornalista e professora Andréia Pereira da Silva, a abolição da escravatura existiu somente no papel.
- O grande problema é que as pessoas não conseguem enxergar isso. Os negros tiveram a liberdade, mas não tiveram nenhum apoio após a dita abolição. E as consequências são vistas hoje. Quantos negros estão nas faculdades? Quantos negros se encontram em cargo de chefia? Eu poderia citar muito mais exemplos. Não se trata apenas de um problema econômico. O negro foi colocado à margem da sociedade. E ainda hoje ele se encontra. É claro que a escravidão de fato acabou, mas ela gerou consequências históricas irreparáveis. Desse modo, não podemos entender que a abolição acabou, porque ela gerou outras formas de escravidão. Os negros, por conta de todo o contexto histórico, estão ainda presos à margem da sociedade, não tendo oportunidades nem recebendo o devido respeito e atenção que deveriam receber. Muita coisa mudou e melhorou, mas a luta deve sempre continuar. Enquanto existir preconceito, a luta contra ele também deve existir - diz.
Para Andréia, dizer que o preconceito não existe é uma piada.
- No mínimo quem diz isso é uma pessoa branca que não sabe o que é sofrer preconceito pela cor. Só que hoje ele é mais velado. E se o negro for rico, tiver uma posição de destaque no seu ambiente profissional, ele será respeitado, admirado. Essa é a grande realidade. Eu, sinceramente, já tive sérios problemas com isso quando eu era criança e adolescente. Eu sempre sofri muito. Tinha baixa autoestima e já até me questionei porque não nasci branca. Hoje, muito pelo contrário, amo minha cor e não tenho problema nenhum. Acho-me linda e não me trocaria por ninguém! Adquiri essa consciência depois de refletir bastante sobre a hipocrisia da sociedade - afirma.
PRECONCEITO EXISTE ATÉ HOJE
Negra e confiante, Andréia Pereira acredita que o grande problema é que o preconceito começa no próprio negro, que, muitas vezes, não se aceita.
- Muitas pessoas me perguntam por que eu aliso o cabelo e afirmam que eu estou sendo preconceituosa comigo mesma por não aceitar meu cabelo do jeito que ele é. A única resposta que eu dou é: Então, quer dizer que as pessoas que têm cabelos enrolados e escovam também são preconceituosas? E as que têm cabelos pretos e pintam de loiro também são preconceituosas? Para mim, o aceitar-se a si mesmo vai muito além de aceitar características físicas. Para mim, se aceitar é o mesmo que se reconhecer como um ser dotado de capacidades, direitos e deveres como qualquer outro ser humano. Eu não me vejo diferente, são as pessoas que me vêem - diz.
A jovem explica que, pelo fato de ser negra e não ter tido uma vida financeira tranquila, decidiu que iria estudar para ser alguém na vida.
A jornalista e professora Andréia tem orgulho da sua cor.
- Fiz faculdade de Jornalismo e Letras Português e hoje posso afirmar que estou caminhando para realizar o meu grande sonho, que é a cada dia tornar-me uma profissional competente, qualificada e realizada. E o que define isso não é a cor, mas a determinação. Todo tipo de preconceito é abominável, mas existem uns que me irritam muito. Por exemplo, chamar um negro de moreninha ou moreninho. Me chame de negra. Pode ter certeza que eu vou adorar! Outro tipo de preconceito típico do Brasil é associar a mulher negra a um símbolo sexual. Carnaval é um belo exemplo disso. Nessa época elas são encantadoras, todos os homens a desejam. Mas, e para casar? Para isso, não são as negras as escolhidas. Olhe ao redor e conte quantos rapazes brancos namoram mulheres negras. Tenho certeza que qualquer pessoa vai se lembrar de raros casais. Isso é a realidade - afirma.
A jornalista completa que os movimentos negros não são suficientes, mas cumprem a função de tentar conscientizar a população sobre a importância de abolir esse resquício da escravatura.
- O negro que tiver determinação vai conquistar o seu lugar. Mas, também não cabe à sociedade condenar aqueles que não conseguem, por que a culpa é de todo o contexto social e histórico que qualquer pessoa sabe muito bem que o negro passou - conclui.