Cavaleiros do sertão

Comitiva no interior do Norte de Minas preserva a tradição das cavalgadas

Alexandre Fonseca
Publicado em 20/04/2023 às 20:30.
Comitivas são momentos de religiosidade, divertimento e companheirismo (Arquivo Pessoal)

Comitivas são momentos de religiosidade, divertimento e companheirismo (Arquivo Pessoal)

A sintonia entre homem e animal é tão majestosa que ambos parecem estar fundidos em apenas um único ser, tal qual a figura mitológica do centauro. Homens e mulheres deixam seus papeis cotidianos para assumirem as roupagens de cavaleiros e amazonas: fivelas brilhantes, chapéus, botinas e entusiasmo. Assim, se tornam figuras místicas no imaginário do homem do campo. Para preservar a tradição e a religiosidade das cavalgadas, um grupo do distrito de Vista Alegre, em Claro dos Poções, Norte de Minas, realiza anualmente um encontro que preserva a cultura caipira dos Gerais.

Participante de cavalgadas há mais de 25 anos, o coordenador da comitiva Canabrava, Adão Amaral, comenta que a tradição tropeira existe há muito tempo na região, mas que, somente de um tempo para cá, ela foi resgatada da poeira do esquecimento. “Antes, as pessoas mais velhas iam de ponta a ponta na região de Claro dos Poções e São João da Lagoa, para pontos turísticos e fazendas quando éramos convidados” relata. 

“Depois de algum tempo, nós criamos a comitiva Canabrava. Fizemos várias cavalgadas menores internas dentro do município com a mesma intuição das outras, realizadas pelas pessoas mais velhas: ponto turísticos, sítios, rios, pousadas etc. Logo, veio a ideia de criar a Tradicional Cavalgada de São Roberto que já vai pra a quinta edição. Tivemos que parar dois anos por causa da pandemia e agora estamos dando sequência novamente” completa o cavaleiro e organizador do evento. 

Para alguns historiadores, as cavalgadas se constituem como uma tradição milenar europeia advinda após a domestica-ção dos equinos. O professor, antropólogo e pesquisador João Batista Almeida Costa, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), relata que “no passado, havia romaria a Bom Jesus da Lapa com grupos indo a cavalo. Mas cavalgada como as atuais começa com festas a Santos protetores nos anos 1980 em diversas comunidades rurais da região, por aí. E nos anos 1990, com o aparecimento da criação de cavalos, os haras, as cavalgadas recreativas”. 
 
CAVALEIRO E AMAZONA
Irmão do organizador, o microempresário, Valter Amaral, também integra os passeios a cavalo há um bom tempo, quase como uma tradição familiar. Para ele, além do momento de lazer e religiosidade, as cavalgadas também valorizam a pecuário e, o mais importante, ensinam a nova geração sobre valores culturais sertanejos. “Tenho sobrinhos de seis anos que são apaixonados com cavalo. E hoje já tem estudos comprovados que andar a cavalo faz bem à saúde.... já usa cavalo pra fazer fisioterapia” avalia. 

Para quem pensa que a guerra dos sexos também impera nessa tradição, engana-se. A dona de casa, Camila Caetano, mãe do pequeno Arthur que também acompanha as cavalgadas, diz que as mulheres são respeitadas e bem-vindas aos passeios. “Na época , quando eu fui participar foi minha primeira vez. Eu não tinha muita essa coisa de andar a cavalo, esse estilo, depois que eu fui me incentivou. E, hoje, eu gosto muito mesmo. Nas cavalgadas, as mulheres tem espaço, equipadas, nós damos nosso nome mesmo!” comenta. 
 
O HOMEM E A ESTRADA
Para a edição de 2023, Adão Amaral espera, aproximadamente, 120 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Saindo no sábado (21) de Vista Alegre, os cavaleiros e amazonas da região, vindos de fazendas e sítios, começam a se encontrar na timidez do alvorecer. Depois, eles atravessam a MG-251, realizam um pequeno percurso dentro de fazendas da região, e realizam o primeiro ponto de parada para rezarem e almoçarem. No cardápio, feijão tropeiro, arroz branco e pernil de porco assado. Dando sequência, o grupo se dirige para um segundo ponto de parada onde é oferecido água e bebidas geladas; para, finalmente, montarem acampamento dentro do povoado de São Roberto, em São João da Lagoa. “Onde levantamos acampamento na beira do Rio Pacuí, bem caipira mesmo. A noite a gente toma nossa cervejinha, batemos um bom papo, comemos carne assada, sopa e macarrão” completa Amaral. 

No outro dia, café da manhã tradicional com biscoitos e outros quitutes da região. Almoço ao meio dia com feijão de caldo, costela com mandioca, pernil assado. Após a comilança, uma outra oração para honrar a religiosidade sertaneja. Nesta edição, cavaleiros e amazonas percorrerão cerca de 70 km de ida e volta. De volto aos seus lares, cada um deles não volta a ser o que era antes, porque “o sertão é dentro da gente” e a viagem por ele também. 

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