Advogada, jornalista e promotora cultural, Felicidade Tupinambá é também a idealizadora de um dos eventos gastronômicos mais queridos do Norte de Minas: o Arroz com Pequi da Feli. O que começou como uma receita caseira cheia de afeto e identidade, transformou-se, ao longo de mais de duas décadas, em um verdadeiro símbolo cultural, reunindo histórias, sabores e pessoas. Nesta entrevista, Feli compartilha como surgiu a ideia que deu origem ao evento, relembra momentos marcantes e revela os segredos que mantêm viva essa tradição que já conquistou corações - e paladares - por onde passa.
O 21º Arroz com Pequi da Feli acontecerá no dia 29/6 em Montes Claros.
Feli, como surgiu a ideia do Arroz com Pequi?
A ideia de fazer a receita de arroz com pequi e participar do concurso nasceu de um sentimento muito maior do que apenas competir. Essa receita já era feita em casa, e eu sempre a considerei especial. Na época, ano 2000, havia um forte apelo pela preservação do pequizeiro. Muitas áreas estavam sendo devastadas pelas queimadas provocadas por carvoarias, e o risco de extinção era real. Acho que foi esse sentimento de cuidado com o cerrado que me moveu a participar.
Qual foi a sensação de ganhar aquele concurso em 2000?
Ganhar aquele concurso em 2000 com a receita feita só com a polpa do pequi foi uma surpresa muito agradável. Era algo simples, mas havia afeto e identidade. Para muita gente, foi novidade — e houve até quem duvidasse que a receita fosse minha. Muitos achavam que tinha sido minha mãe quem a preparou, já que ela era uma cozinheira incrível. Aquilo me instigou. Então resolvi fazer um evento e preparar o arroz com pequi para mais pessoas e o evento foi um sucesso. Aconteceu no antigo Buffet Bacco, no bairro Ibituruna. Lembro com carinho da presença da Reinine Canela, que me disse algo que nunca esqueci: ‘Você não pode parar por aqui, tem que fazer isso todo ano!’ E foi esse incentivo que me levou a transformar aquela primeira edição despretensiosa em uma tradição. Hoje, já estamos na 21ª edição. Costumo dizer que o Reinine é o culpado.
O que o pequi representa para você?
O pequi é o verdadeiro ouro do cerrado. Ele carrega um valor que vai muito além do sabor — é símbolo de identidade, de pertencimento. Gostar de pequi é abraçar o nosso território, valorizar a riqueza da nossa terra e afirmar com orgulho quem somos e de onde viemos.
Costumo dizer que preparar um arroz com pequi é uma forma muito nossa, muito norte mineira e afetiva, de receber. É quase um gesto de acolhimento, um convite à mesa e à história. Cada vez que cozinho com pequi, é como se eu contasse um pouco da minha origem, da cultura do norte de Minas e do nosso jeito único de celebrar a vida.
Quais foram os maiores aprendizados ao longo dessa trajetória?
Cada edição dessa trajetória é única. Há pessoas, por exemplo, que não perdem uma só — estão presentes ano após ano, o que me enche de gratidão. Com o tempo, fui percebendo o que funcionava melhor: introduzi mais tira-gostos, passamos a realizar o encontro aos domingos, o que se mostrou mais acolhedor para todos.
Mas o maior aprendizado, sem dúvida, é que cultivar amizades — e fazer novas ao longo do caminho — é um dos grandes prazeres da vida. Reunir pessoas em torno de uma comida feita com afeto, é algo que não tem preço. É isso que faz tudo valer a pena.”
Qual o segredo para manter essa tradição viva, ano após ano, com tanto carinho?
As vezes eu me pergunto até quando? E a resposta até quando as pessoas pararem de me perguntar quando será próximo arroz com pequi.
Às vezes, eu mesma me pergunto: até quando? E a resposta vem logo — até o dia em que as pessoas não mais me pararem para perguntar quando será o próximo arroz com pequi. Enquanto houver esse carinho, essa expectativa, esse desejo de estar junto, eu continuo. O segredo está justamente aí: no afeto das pessoas, no vínculo criado ao redor da mesa, despertando lembranças e fortalecendo laços. É isso que mantém tudo vivo, ano após ano.