Com os olhos nas letras de peré, “à la recherche du temps perdu”.

Por Felicidade Patrocínio

Jornal O Norte
Publicado em 07/10/2014 às 01:05.Atualizado em 15/11/2021 às 16:38.

* Felicidade Patrocínio









Foto: Divulgação

Morreu na tarde do último domingo, 05, o jornalista Luis Carlos Vieira Novaes, conhecido como Peré
 

Como Luis Carlos Novaes, o PERÉ, eu também vivi no tempo dos sonhos. Eu chegara um pouco antes, mesmo assim, estávamos, ambos, lá, no tempo do apelo à vida, no  tempo e espaço das revoluções; sexual, social e tecnológica. Percorria o mundo uma intensa vibração vital; a palavra vida confundira-se com o verbo que gerou, exigindo a ação do viver iminente. Vivia-se o “sonho hippie, onde tudo era permitido”.

Entre as duas décadas; sessenta e setenta, o mundo estava em convulsão e era “preciso amar como se não houvesse amanhã”. Surgira a pílula anticoncepcional liberando as mulheres do determinismo natural.  Liberdade! O homem conquistou o espaço e desembarcou na lua, mas, os garotos que como eu cantavam à vida, a liberdade e amavam os Rollys Stones morreram no Vietnan.

Os Beatles já cantavam em todas as casas através da televisão, até em Montes Claros, com uma lente ainda difusa. Foi quando instalou-se e fortaleceu no Brasil a ditadura e jovens como nós desapareciam nas torturas, enquanto outros continuavam cantando um canto de vida e morte nas ruas, que a juventude ensaiou um novo jeito de ser. O PERÉ estava lá, a tudo vivenciando, vivendo, participando, discutindo, registrando, criando. Eu, em outra circunstância, estava à margem desse caminho, a tudo assistia como quem procura ver os detalhes de uma paisagem distante, porém, não discernindo bem os seus tons. A distância dessas transformações era garantida por uma educação conservadora. Os pais e os irmãos mais velhos preservavam o “claustro” que me impunha segurança.  Talvez por isso acompanha-me, desde sempre, um sentimento de perda dos tempos perdidos, os quais venho resgatando nas leituras dos textos desta figura ímpar nas letras montes-clarenses, o PERÉ, nascido Luis Carlos Novaes. Antes de conhecê-lo pessoalmente, eu já ouvira por demais seu nome e sobre suas ações; na imprensa local e nas transformações da cidade. Sua pessoalidade conquistou-me completamente. Percebe-se que PERÉ conseguiu conservar intacto, todo o arsenal de sonhos e de ideais, assim como a alegria e a força de uma  geração incomum de jovens. É uma mistura de simpatia, bondade, eficiência.  Sua argúcia e inteligência transbordam nas metáforas irônicas das críticas que elabora reclamando a nossa reflexão sobre a realidade de nossa vida e da cidade que habitamos Mas o que mais encanta neste “jequitibá” intelectual tão frutífero é a sua memória e a capacidade de registro da mesma, de forma tão pródiga e interessante.

É nos seus textos que encontro a mim mesma nos tempos de antanho, não aquela que realmente fui, mas aquela que poderia ter sido se tivesse vivido no cerne de todos os acontecimentos e verdades que diziam respeito à todos nós, nas transformações locais e universais da época. Ele sabe a importância do que faz, Luiz de Paula lhe ensinou que; nós “temos 2 passados -o nosso e o do mundo.” Além de reencontrar-me na leitura dos seus textos, tenho lá encontrado verdadeiras pérolas, que percebe-se, são frutos da esperança e de uma reflexão aprofundada. Sua alma ainda hippie parece perdurar. É ele quem diz ainda nestes tempos de vazio, que: ”O amor existe. E ao contrário do que o analista disse, é eterno. Etéreo. É profundo. É animal. Embora a gente esteja sempre em perigo com ele”. Contemporiza:”A felicidade ainda demora um pouco”.”..”.a felicidade é mais que uma vontade, é mais que uma quimera, é mais que uma esperança” Reconhece que:”Nossa vida é tão em comum como incomum., que “os tempos mudaram”, mas que ele “não tem perigo de ficar velho na cabeça” e sobre a internet comenta que:”estamos fazendo parte de um mundo mágico, delirante, inebriante, deste nosso sertão cósmico, que agora é universal”. “estou aqui, perdido nesta aldeia... mas estou no mundo. Quero experimentar... este novo mundo com a cabeça dos nossos filhos. Seduzir e abduzir, ser seduzido e abduzido. Ter experiências! Ficar neurado diante do computador, pois o colorido que ele nos trouxe é diferente e isso é a maior novidade”. Para PERÉ, profissional que honra o jornalismo da cidade e região, “o espaço é o avesso do silêncio onde o mundo dá muitas voltas” Sua página “Sapo na muda” é a primeira que leio no jornal de Domingo.

Pois lá, ele nos informa sobre o melhor da música e seus agentes, desde outros tempos, sobre filmes significativos, fala-nos dos mais inusitados tipos de comportamentos humanos colhidos no vasto campo da sua convivência, fala dos sentimentos, dos valores, dos amigos que se foram, de personalidades que arrebatam, da saudade que dói, “fala com os passarinhos, com os esmeros, com os meninos”. Sua letras registram um tempo, cujas idéias, histórias, as vezes sem começo ou fim, que foram traçadas no real e coloridas pela sua original percepção. É o resgate deste conteúdo, que vem completando em mim, a memória do não vivido pessoalmente, embora tivesse desejado ardentemente, dos elementos que entrelaçam a minha identidade de jovem das décadas sessenta/setenta. Devo, pois, ao PERÉ, o resgate de um tempo que perdi e quero agradecer. É importante para mim. Como se tudo isto não fosse demais o PERÉ criou a pouco tempo uma “grandiosa’(em todos os termos) revista a qual denominou TUIA homenageando a figura popular de um escravo que percorria nossas ruas nas décadas de sessenta/setenta. A revista que já está no 3º número é verdadeira obra de arte, tanto da Literatura, quanto do Jornalismo e das Artes Visuais. Seu conteúdo , além da informação atualizada trata com carinho da história e arte da cidade. È mais um manancial de resgate da nossa identidade.PERÉ é um homem que sonha e realiza o que lhe é prioritário, vencendo qualquer dificuldade, mesmo no que concerne a sua, as vezes, debilitada saúde. Por tudo isto, me engrandece e me traz orgulho o fato de tê-lo como amigo. PERÉ, eu o reverencio. Como você, ainda sonho acordada diversas vezes, mesmo sabendo que “o destino flui, que o homem flutua”, que a “vida passa e a novidade acaba”, como disse sua Vó Mariinha. Mas, também comungando a certeza do que li em seu artigo, que” a vida segue antes de parar no mar. E o mar retorna em ondas “...

*Artista plástica, membro do Inst. Hist. e Geográfico, da Academia Feminina de Letras e da associação dos artistas Plásticos de M. Claros.

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