Clube de leitura ajuda jovens a manter paixão por livros e funciona como incentivo para mais adeptos

Izamara Arcanjo, especial para o HD | Larissa Durães, O Norte
17/03/2022 às 00:48.
Atualizado em 17/03/2022 às 10:59
Lilian de Melo não dispensa as reuniões do clube: “Nos reunimos para tomar um vinho e falar de outros livros. Reforça muito esta questão da amizade”, diz

Lilian de Melo não dispensa as reuniões do clube: “Nos reunimos para tomar um vinho e falar de outros livros. Reforça muito esta questão da amizade”, diz

Começar ou retomar o hábito da leitura costuma aparecer na lista de metas de muita gente todo início de ano. Boa parte fica só na intenção, alegando preguiça, falta de tempo ou de dinheiro para adquirir livros. Num país em que apenas 52% da população lê e 11 milhões de pessoas são analfabetas, felizmente há quem não dispense a companhia de uma boa história. Mais que isso, há também quem se mobilize para atrair outros adeptos. 

Desde 2018, a advogada e professora de língua inglesa Cecília Antunes Salgado, de 29 anos, faz parte do Clube do Livro de Montes Claros. O grupo reúne-se uma vez por mês para discutir obras indicadas pelos membros, o que faz com que os participantes descubram novos estilos literários e autores que, à primeira vista, talvez não despertassem tanto a curiosidade deles. 

“Desde que entrei, li obras incríveis de temas que, inicialmente, não chamariam tanto a minha atenção. Você acaba saindo da sua ‘zona de conforto literária’ e explorando novos mundos”, diz Cecília, que destaca os debates e a ampliação do ponto de vista como outras vantagens de clubes assim. “O clube tem me trazido muito mais do que o prazer pela leitura: também amizades maravilhosas”, comemora. “Somos uma grande família”. 

Uma “família” que, atualmente, tem 30 membros, diz a escriturária Carla Maria Mendes, de 52 anos. Ela é uma das quatro fundadoras do clube, nascido em 2015, e conta que a paixão pelos livros começou quando ainda era bem pequena, por incentivo da mãe, Flora – que comprava para a prole livros, enciclopédias e revistas, com temas que iam de poesia a literatura infantil. 

“Aí, em 2015, surgiu a oportunidade de montarmos um clube do livro. Uma amiga participava de um em Belo Horizonte e nos deu a ideia. Começamos com quatro integrantes: Ina, Claudia, Sabrina e eu. Foi tão maravilhosa a primeira reunião! O primeiro livro foi ‘O Oceano no Fim do Caminho’, de Neil Gaiman”, recorda. Hoje, o grupo está no 50º título, “O Clube dos Anjos”, de Luis Fernando Veríssimo.

Também para Cecília, o clube do livro trouxe a chance de conhecer novos títulos e escritores. “Lia sempre as mesmas coisas... com o clube, também conheci pessoas maravilhosas”.

Os laços dos participantes ficaram tão fortes que o grupo não esmoreceu nem mesmo durante o isolamento social imposto pela pandemia da Covid. 

“O clube significa muito para mim, não me enxergo mais sem ele. As amizades, as reuniões e principalmente os livros são como um bálsamo em tempos tão difíceis. Quando veio a pandemia, fizemos reuniões on-line, o que foi muito difícil porque estávamos acostumados com abraços, beijos e olho no olho na hora da discussão das obras. Mas a pandemia está passando e já estamos nos reunindo presencialmente”, conta. 

Em outra frente de atuação, os integrantes do clube incentivam parentes a ler também. “Eles se entusiasmam nos vendo ler, às vezes rindo, às vezes chorando... A cada livro vamos plantando a sementinha da curiosidade do que é tão engraçado ou triste naquela obra”, diz.
 
FALTA APOIO 
Apesar do relato positivo de Carla, a pesquisa “Brasil que lê” mostra que não é nada fácil garantir o hábito de leitura. No caso brasileiro, questões sociais e econômicas costumam ser impeditivos, o que reforça a importância de iniciativas como os clubes de leitura para promover o hobby. 

O levantamento feito pelo Instituto Interdisciplinar de Leitura e Cátedra Unesco e o Itaú Cultural mostra os raros casos de apoio de estados e municípios e zero atenção federal ao Plano Nacional de Livro e da Leitura (PNLL) como outra barreira. 

Ainda segundo o estudo, parcela significativa das ações para estimular a leitura são conduzidas por pessoas que atuam voluntariamente (44,76%) e muitas vezes com recursos próprios (39%). 

As mulheres lideram 74% dos projetos. “Esses dados constatam as dificuldades e, ao mesmo tempo, o esforço de tantos brasileiros que fazem esse país valer a pena”, aponta Gilda Carvalho, uma das coordenadoras da pesquisa. 

Cada grupo, uma forma de trabalhar
Se não há apoio público, não falta qualificação aos obstinados voluntários, pessoas que a pesquisa aponta como “mediadores do incentivo à leitura no Brasil”. O levantamento mostra que 50,79% deles têm qualificação para a tarefa que desempenham nestas iniciativas. 

Caso de Sabrina Cotta, incentivadora e participante de um clube de leitura em Belo Horizonte, criado por três amigos adolescentes. Sabrina é professora de Língua Portuguesa e Francesa, mestre em Didática de Línguas, área em que atua há mais de 10 anos. 

“Esse grupo sempre brincava em sala que podia fazer um Clube do Livro. Eles eram meus alunos desde a 1ª série. No meio do ano passado, quando retornamos para o ensino presencial, desenvolvemos uma amizade, fizemos um grupo no WhatsApp e começamos a nos movimentar no sentido de criar o nosso clubinho de leitura”, relata a professora. 

Sabrina avalia que fazer parte de um Clube de Leitura oferece um dinamismo diferente ao processo a que os jovens estão acostumados. 

“Trata-se do resgate de uma modalidade de leitura que pode ser nova para estes jovens. O que a gente sente é que nossos alunos sempre leem de forma muito rápida: um tuíte, um post. O propósito é levá-los a ver a leitura como ato de prazer, como hobby, como diversão, momento de espairecer, e de conforto”.

No caso do clube de leitura da capital mineira, o grupo define uma quantidade de capítulos e seleciona o livro a partir de um gênero que todos gostam: o suspense. 

“O único critério foi que o livro pudesse estar disponível online para democratizar o acesso e à forma como seria lido. Assim foi escolhido ‘Convite para um Homicídio’, de Agatha Christie”, diz Sabrina, sobre o início da partilha literária.

“Vamos ler o Cortiço (José de Alencar), mas também Harry Porter. O livro na escola é visto como carga extra. Mas tão importante quanto o enredo são as nuances da boa escrita”, destaca. 


 

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