Cinema de Montes Claros em exposição

Jornal O Norte
11/01/2007 às 09:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55

O projecionista, colecionador e cinéfilo, Benjamim Ribeiro Sobrinho expõe seu acervo cinematográfico reunido, peça a peça, desde a década de 1940

 




Com curadoria de Fábio Borges, a exposição acontece dentro da programação do I Festival de Cinema de Montes Claros, e segue até o início de fevereiro, na galeria Godofredo Guedes, no Centro Cultural Hermes de Paula. As visitas são gratuitas.







Jerúsia Arruda


Repórter

Ele nasceu em 1933 em berço simples e, ainda na tenra infância, se viu sozinho no mundo. Para sobreviver, vivia perambulando pelas ruas e fazia pequenos serviços em troca do pão de cada dia. Para dormir, José Paculdino o Ferreira, o Juquinha, lhe arranjou um quartinho nos fundos do antigo Cine São Luis, na Rua Simeão Ribeiro, do qual era proprietário. Isso no Final da década de 1930. Assim cresceu Benjamim Ribeiro Sobrinho, um menino pequerrucho e branquelo que, graças às agruras da vida, foi tomado por uma paixão que, como ele mesmo diz, deu norte a sua vida: a paixão pelo cinema.


Sua história se confunde com a história do cinema de Montes Claros, pois acompanhou de perto a ascensão e queda de cada um deles, do Cine Renascença (1921-1938) ao Cine Fátima (1960-1995). A história de um menino que dormia nos fundos do cinema e que, para assistir aos filmes, ajudava na limpeza das salas.









- Todos os dias ia a, pelo menos, uma sessão. Chegava a ver 10-20 vezes o mesmo filme e cada vez que via, descobria um novo detalhe, uma nova mensagem – relembra Seu Benjamim, que diz ter visto ao longo desses anos mais de 15 mil filmes.

Já adolescente, por volta de 12-13 anos de idade, arranjou um emprego em uma loja frente ao Cine São Luis e ficava atento a tudo que acontecia do outro lado da rua.





- Levantava bem cedo e ajudava na limpeza, ante de ir para o trabalho. À noite ia ver o filme que nem sempre era próprio para minha idade. Através do cinema conheci coisas boas e más que ajudaram a moldar minha personalidade. Com o tempo passei a me interessar pela parte técnica, queria saber como funcionavam as máquinas e, sempre que podia, ia para a sala de projeção – conta.

Para matar a curiosidade, Seu Benjamim conta que pegou uns endereços nos cartazes dos filmes e enviou cartas pedindo informações sobre equipamentos, projetores, novas tecnologias e logo começou a receber prospectos de grandes produtoras como Fox, Colúmbia, Universal, entre outras.





- Era tudo em inglês, mas, de tanto assistir aos filmes, comecei a aprender a língua e decifrar os prospectos. Foi assim que comecei a entender como as máquinas funcionavam e a dar palpites no trabalho do projecionista, falar das novidades lançadas no mundo e onde encontrá-las no Brasil. Acabei me tornando projecionista também e trabalhei em todos os cinemas criados em Montes Claros a partir da década de 1950.





Durante esse período, Seu Benjamim, cinéfilo de carteirinha, guardou prospectos, cartazes, banners e mais de 1000 sinopses de filmes, fotos, ingressos além de diversos equipamentos que usou em seu trabalho, entre eles, um projetor de 35mm, de 1960, a última unidade a ser produzida no Brasil – numa fábrica em Belo Horizonte/MG -  e que usou no Cine Fátima até seu fechamento.





Todo esse acervo foi reunido com a curadoria de Fábio Borges, de Belo Horizonte, e fica exposto durante o I Festival de Cinema de Montes Claros e segue até o início de fevereiro.





- Estamos esperando um público de cerca de 5.000 pessoas durante o Festival. O acervo é muito interessante e conta um pouco da história da cidade na época - explica Fábio.





Para facilitar a compreensão dos visitantes um grupo de monitores acompanha as visitas, explicando como eram utilizados os equipamentos, falando sobre os filmes exibidos na época, tomando o material exposto como referência.





O estudante de Publicidade e Propaganda, Moisés de Oliveira Júnior é um dos monitores da exposição e se diz entusiasmado com a experiência.





- Cinema é uma paixão, eu diria, unânime, e lidar com sua história tão de perto me deixa eufórico. A exposição nos aproxima da história de Montes Claros e, pelos cartazes e fotos, dá para entender como as pessoas se divertiam na época e como o cinema era presente na agenda de todos. Tenho certeza de que essa experiência vai acrescentar muito, não só para meu currículo, mas, principalmente, como cidadão, como pessoa, no reconhecimento da minha formação, das minhas origens – comemora Júnior.





O professor e jornalista Elpídio Rocha, que também participa da coordenação do Festival, diz que a presença do cinéfilo sempre foi uma constante na história do cinema.





- Muitos diretores consagrados contam que roubaram cartazes de filmes na infância e os guardam como um tesouro. A arte sempre desperta paixões e, dependendo da qualidade do material que coleciona, o cinéfilo pode se tornar uma referência histórica. Esse é o caso de Seu Benjamim, cujo acervo que colecionou ao longo dos anos faz um resgate da história não só dos cinemas de Montes Claros, mas de como vivia a geração no período em que estavam em plena atividade. E esse acervo agora está servindo para recontar essa para uma nova geração – explica o jornalista.


Seu Benjamim diz que os filmes mais badalados de que pode se lembrar foram os filmes de faroeste, a primeira versão de King Kong, ...E o vento levou, Romeu e Julieta, Em cada coração um pecado e Por quem os sinos dobram.


- Apesar do sucesso dos filmes de Hollywood, os filmes nacionais eram os que mais mobilizavam a comunidade. Os filmes de Mazzaropi, por exemplo, as pessoas faziam filas para conseguir um ingresso – lembra saudoso.





A história do cinema em Montes Claros, assim como sua própria história está escrita no livro História do cinema em Montes Claros, onde seu Benjamim narra desde as primeiras experiências com o cinema, em 1904, até a chegada das salas de cinemas na cidade.





- O livro tem cerca de 150 páginas e está pronto para ser editado. Estamos tentando conseguir uma editora para publicá-lo. Apesar de ter perdido boa parte do material que guardava em um incêndio, que poderiam ajudar na ilustração, no livro conto todos os detalhes e os momentos mais marcantes da história do cinema.





Aos 74 anos, depois de passar por muitas dificuldades na infância, de se sentir recompensado pela vida ao trabalhar por mais de 20 anos na rede ferroviária Central do Brasil, seu Benjamim diz que a exposição é o seu momento de glória.





- Esses objetos são parte de mim, representam minhas alegrias, emoções, tristezas e dores, e ao compartilhá-los com as pessoas, me sinto como se estivesse repartindo um pouco de mim mesmo, minha melhor parte – conclui emocionado.

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