As idas e vindas de Múcio Manoel, sempre guiado pela música

Jornal O Norte
Publicado em 06/04/2011 às 10:46.Atualizado em 15/11/2021 às 17:25.

Adriana Queiroz


Repórter



Múcio Manoel de Souza é aposentado como 1º sargento pela Polícia Militar. Nasceu em Mortugaba, município do estado da Bahia, distante cerca de 743 quilômetros da capital. O nome Mortugaba é de origem indígena Tupi, e significa habitação do povo.



Adriana Queiroz


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- Eu era bem pequeno, tinha a língua pregada, não conversava nada. Meu irmão gêmeo, Lúcio, mamava em minha mãe e não sobrava nada para mim. Meu pai puxava uma cabra para ordenar o bicho. Minha mãe fazia a mamadeira com leite de cabra - conta seu Múcio.



Apesar de reclamar, aos 12 anos, Múcio já havia sido alcançado pela arte e tocava trompete. O pai, seu Antônio de Souza Sobrinho, conhecido como seu Antônio Alfaiate, era maestro e seus dez irmãos também tocavam.



- Meu pai saiu de Condeúba para Mortugaba. Trabalhava como alfaiate, ensinava os rapazes música e alfaiataria. Lá, ele tinha uma bandinha com instrumentos amarelos, antigos. Ele também viajava para Juiz de Fora para comprar instrumentos para a banda – relembra.



Depois ele foi chamado para São João do Paraíso-MG, próximo de Rio Pardo de Minas, e lá fez um jazz e ensinou a turma a trabalhar com alfaiataria. Fomos todos pra lá - diz.






Antônio Alfaiate



Seu Antônio Alfaiate também trabalhava como carpinteiro, juiz de futebol, enfermeiro e latoeiro (faz asas de copo), e ferreiro (ferros de ferrar animal). Em São João do Paraíso, a família permaneceu por cinco anos.



- Um dia, meu pai me levou ao médico, o doutor Osório. Ele disse que quando eu crescesse iria conversar. Mas meu pai arrumou uma anestesia com um dentista e aplicou em minha boca. Pegou uma tesourinha, eu tinha de cinco para seis anos. Aí ele esterilizou, pôs o cabo da colher na minha boca e cortou. Deu muito sangue. Mas ele aplicou penicilina com Iodo-Bisman, uma injeiçãozinha e aí estancou – conta.






Múcio fala pela primeira vez



- À tarde, as sextas-feiras, minha mãe tinha o hábito de ficar na porta da rua, conversando com os vizinhos para ver os cavaleiros passar, trazendo os mantimentos para o mercado. Um dia desses, eu gritei pela primeira vez:  - evém o cavalo! Todos ficaram admirados. Foi a primeira vez que falei.



Mais tarde minha família se mudou para Rio Pardo de Minas. Meu pai foi assumir a banda de música da cidade - diz Múcio.






Outras histórias de seu Antônio Alfaiate



À medida que ia ministrando música, seu Antônio ia ensinando alfaiataria.



Em Serra Nova, distrito de Rio Pardo, a família participava das festas religiosas onde a banda se apresentava sempre.



- Havia uma pessoa de Porteirinha numa festa que ficou encantada com a banda. Quando ela voltou para Porteirinha, conversou com o prefeito, o finado Anfrísio Coelho. Ele queria que meu pai fosse para Porteirinha para montar uma banda lá – lembra.



Mas em Rio Pardo, seu Antônio era considerado um médico. Nessa época não havia médicos, era ele quem receitava.



-As pessoas tomavam facadas, tiros, e ele anotava no papel e receitava.



Quando os habitantes de Rio Pardo souberam que pai iria mudar, muitos fizeram promessa e até feitiço.



Meu pai esfriou e não foi mais. Aí um dia ele voltou a Porteirinha, sozinho, e procurou o prefeito Anfrisio. Ele então já não era mais prefeito. E apresentou para meu pai o senhor Anísio Santos, prefeito da época. Mudamos para lá e meu pai foi então ensinar música.






Banda Alvorada de Porteirinha



A banda se chamava Alvorada de Porteirinha. Na época, os rapazes da cidade nem conheciam instrumento. As aulas eram ministradas no Grupo Escolar Eugênio Pacelli, à noite.



- No mesmo ano, abriu o ginásio neste grupo, onde o promotor de justiça era o diretor da escola, o Geraldo Custódio Dias. Um dia ele viu meu pai colocando um aluno de castigo por indisciplina. No outro dia procurou meu pai para falar que ele fazia a mesma coisa com quem comportava mal.






Instrumentos



- Meu pai fez uma relação de 30 instrumentos e foi ajudado pelo prefeito que então encomendou a uma fábrica de São Paulo e, depois, foi buscar. Na época, ficou por 120 contos. Era muito dinheiro. A prefeitura investiu. Os instrumentos chegaram de trem em Porteirinha. Foi aquele alvoroço e um caminhão foi buscar a caixa cheia de instrumentos. Tinha contrabaixo, clarinete, saxofone, tarol, enfim, a banda completa. E aí soltaram fogos, fizeram aquela festa. Isso foi de noite. No outro dia ele conversou com o mestre de obras e mandou limpar o mercado municipal e expôs os instrumentos. À noite, reuniram os músicos para distribuir. Chamou antes, o padre Julião Arroio Galo para benzer os instrumentos. Aí um a um recebeu o instrumento. Formou-se uma fila e todos foram para o grupo escolar João Alcântara e começaram a aprender música. Meu pai foi ensinar as escalas – conta saudoso.



Múcio diz que um mês depois eles estavam estudando instrumentação, tocando um dobrado Nazareno. Quatro meses depois, já sabiam tocar mais de vinte músicas, valsas, dobrados, fantasias musicais.



- Foi inaugurada em seguida a banda de música com missa campal, e eu lá, fazendo parte da banda, tocando tarol. Depois passei para os instrumentos de sopro, saxhorne, trombone e trompete.






Em Montes Claros e em Brasília, na Revolução de 1964



Aos 16 anos, Múcio veio para Montes Claros fazer um teste na banda do 10º BPM.



- Usei o saxhorne. Saí bem. Veio a escola de recruta em 1963, mês de julho. Nesta época, chegaram a Montes Claros os aspirantes de Belo Horizonte, Airton de Araújo Campos, Valdemar de Almeida Mota e Antônio Alves Décimo. Eles então abriram a escola de recruta, eu entrei. No dia 25 de fevereiro, de 1964, prestei juramento à bandeira, já era então soldado. No mês de março houve a revolução de 1964. Participei como integrante do 10º BPM. Fomos até Brasília-DF. Ficamos quase um mês lá - conta.






Poesias



Durante sua carreira como militar, sempre que podia, Múcio estava escrevendo suas poesias.



- Tenho muitas poesias. Tem uma que é sobre a polícia mineira, tem a Velho soldado, uma que fala sobre a catedral. Tenho um poema sobre Serranópolis, A buzina barulhenta, sobre o centro cultural ... – lista.



Múcio diz que a inspiração veio às vezes na madrugada, outras vezes compôs, trabalhando como guarda.





Família



Múcio é casado com dona Ana Machado de Souza, teve quatro filhos, dois casais. Hoje tem três filhos e cinco netos. O filho mais velho é cabo da polícia, toca clarinete na banda. O outro é evangélico e toca contrabaixo e guitarra, e a filha é formada em Enfermagem.



- A música para mim é tudo. O que sou hoje agradeço à música. Gosto de todos os estilos, e Silêncio e Tema de Lara, são algumas de minhas preferidas. Para mim, a referência em música é o Miguel Augusto de Araújo, trompetista. Ele toca bem, é músico militar e advogado.



- Fiz uma poesia para Miguel Sapateiro, a poesia fala sobre os catopês. No dia de seu enterro, declamei no cemitério.



Para Múcio, seu sonho é o curso superior de música, ser maestro.



- Eu queria mesmo é ser piloto de avião, não foi possível. Outro sonho é montar uma banda de música, tenho 12 instrumentos. Também pretendo publicar um livro de poesia - planeja.


 

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