Amazônia em questão

Jornal O Norte
03/01/2007 às 09:15.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:54

Minissérie promove uma discussão sobre o destino da Amazônia e a exploração das matas e pessoas da região conhecida como o pulmão do mundo




Jerúsia Arruda


Repórter

Estreou ontem na TV Globo a minissérie Amazônia - de Galvez a Chico Mendes, que aborda, entre outros assuntos, o cotidiano dos seringueiros e a conquista do Acre.


Em época de mudança de ano, de início de mandato eleitoral para deputados estaduais e federais, senadores e governadores estaduais, e renovação de mandato presidencial, quando o recontrato social é inevitável, a minissérie pode ser uma boa oportunidade para discutir um pouco da história da Amazônia.

 









Com direção da acreana Glória Perez, a trama começa no final de 1899, em plena segunda Revolução Industrial e surgimento da indústria automobilística, quando o Acre era a única região do mundo a produzir o látex, matéria-prima da borracha, e evoluirá até os dias atuais, passando por alguns episódios da história brasileira, evocando o papel de Chico Mendes como herói e defensor dos povos da floresta.

O primeiro capítulo mostrou a chegada dos nordestinos e o Acre sendo desbravado por seringueiros e, de acordo com sinopse divulgada pela emissora, na primeira fase a minissérie aborda a expulsão dos bolivianos da região do Acre, o auge da produção de látex, o problema diplomático com a Bolívia, em uma época em que o Acre vivia uma situação paradoxal: apesar de pertencer à Bolívia pelos tratados internacionais estabelecidos com o Brasil, tinha boa parte de seu território ocupado por brasileiros, principalmente vindos do nordeste em busca de melhores condições de vida.

A segunda fase aborda a decadência da borracha na região, com a concorrência da produção de látex na Malásia. A terceira fase retrata a década de 80 do século XX, quando o seringueiro e líder comunitário Chico Mendes chamou a atenção do mundo para a questão da floresta e da preservação ambiental.

Apesar de a história girar em torno dos conflitos envolvendo o Acre, a minissérie pode ser um bom pretexto para se falar da Amazônia e da cobiça internacional pelas suas riquezas; cobiça essa tão combatida por Chico Mendes.

O Acre de Galvez e Chico Mendes têm muito em comum: a expansão do capitalismo que produziu uma catastrófica desigualdade social; o desejo de lucro; a banalização da morte - em Galvez, acreanos mataram índios, índios mataram acreanos, acreanos mataram bolivianos; em Chico Mendes, acreanos mataram acreanos, paulistas mataram acreanos e acreanos mataram paulistas; o governo do Amazonas patrocinando um movimento armado por motivos patrióticos; a escravidão do seringal; o Acre ruralista, sem vida urbana; a concentração de renda; o autoritarismo; a chacina; os desmatamentos; a falsificação de imagens e conflitos já empoeirados pelo tempo.

A mídia é um poderoso instrumento de construção de sentidos, de discursos, de relações de poder. O que se espera é que o espetáculo promovido pela rede Globo não selecione ou classifique os acontecimentos de forma a embotar a verdadeira história do Acre, que, afinal, não é em nada diferente do resto do país.

 

CHICO MENDES

Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, líder dos seringueiros e ecologista nato, nasceu a 15 de dezembro de 1944, no seringal denominado Porto Rico, localizado no município de Xapuri, Estado do Acre. De aspecto sombrio, cor morena e bigode robusto, teve uma infância pobre, como milhares de brasileiros excluídos, nativos da região Norte. Desde os primeiros anos de vida já acompanhava o pai, de quem aprendeu seu ofício de seringueiro. Filho de um nordestino, como tantos outros que migraram para a região amazônica em busca de melhores condições de vida, Mendes aprendeu a ler e escrever aos 18 anos de idade com Euclides Fernando Távora, um ex-oficial do Exército, exilado político que vivia na floresta na clandestinidade, que o ensinava nos finais de semana e se aprimorou a leitura em edições de jornais e revistas atrasadas, única fonte de que dispunha. Inconformado com o analfabetismo na região, criou um grupo e alfabetizou cerca de cinqüenta pessoas.

Em 1980, junto com Luís Inácio Lula da Silva, Mendes fundou o Partido dos Trabalhadores e realizou comícios e levantes populares com o objetivo de conscientizar os trabalhadores sobre a defesa de seus direitos. No 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, Mendes apresentou a proposta União dos Povos da Floresta, um documento reivindicatório, visando a união das forças dos índios, trabalhadores rurais e seringueiros em defesa e preservação da Floresta Amazônica e das reservas extrativistas em terras indígenas. As reivindicações e denúncias sobre a devastação da mata e o massacre dos índios, constantes naquele documento, tiveram uma grande repercussão nacional e internacional.

Dois anos depois, em 1987, chegaram ao Brasil representantes da Organização das Nações Unidas e de várias partes do mundo, para constatar a veracidade das denúncias contidas no referido documento. Meses depois, Chico Mendes ganhou o prêmio de destaque Global 500.

A luta pela preservação ecológica foi uma constante na vida do homem da floresta que, pacificamente, conseguiu mobilizar e conscientizar a sociedade rural, e Organizações Não-Governamentais nacionais e internacionais. Por outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas que insistiam na exploração e na devastação da floresta, principalmente latifundiários da região que exploravam a mão-de-obra barata local e impediam a divisão da terra.

Durante todo o ano de 1988 Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações clandestinas destinadas a exploração desregrada da região.

No dia 22 de dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista teve sua vida ceifada, passando a ser a 97ª vítima na lista dos trabalhadores rurais assassinados durante o ano de 1988, por lutar pela preservação ambiental da Região Amazônica.

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