“Outubro Rosa”: nada temos a comemorar em Minas Gerais

Por Arlen Santiago

Jornal O Norte
06/10/2016 às 07:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 15:46

É chegado o “Outubro Rosa”, mês de campanha popularizada no Brasil em 2008 para alertar a população sobre a importância da prevenção do câncer de mama. Apesar da ação, o acesso aos exames preventivos na rede pública ainda é restrito. Mais de 14 mil mulheres foram vítimas fatais da doença só no ano de 2013, até o final de 2016 o país deve registrar quase 58 mil novos casos, com 14,3 mil óbitos, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Os números são assustadores, mas infelizmente são reais.

O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres, depois do de pele não melanoma, respondendo por cerca de 25% dos casos novos a cada ano. Os homens também podem ser atingidos, porém em raras situações, representando apenas 1% do total de casos da doença.

Até pouco tempo, acreditava-se que a enfermidade era incomum antes dos 35 anos, porém, de acordo com pesquisa divulgada realizada no período de 2000 a 2010, e divulgada neste mês pelo Centro de Diagnóstico, Tratamento, Ensino e Pesquisa - A.C. Camargo Câncer Center, a cada 10 pacientes que passaram pelo hospital, quatro tiveram a doença antes dos 50 anos. Foram diagnosticadas e tratadas 4.527 pacientes, dentre as quais 28,7% possuíam entre 40 e 49 anos, 11,4% menos de 39 anos, Constatou-se que 76% descobriram no estágio inicial, e cinco anos depois do diagnóstico, 96% estavam vivas. Dados, como os da pesquisa, mostram que a incidência é alta em mulheres mais jovens e que o diagnóstico precoce é melhor em todos os sentidos: físico, emocional e financeiro.

Intrigante é que, em outubro do ano passado, mês em que a população recebe o alerta da doença, o Ministério da Saúde tornou pública a Portaria nº 61/2015, que restringe a disponibilização do exame no Sistema Único de Saúde (SUS) para usuárias assintomáticas com idades entre 50 a 69 anos. A decisão contrariou a Lei Federal nº 11.664/2008, que garante o direito da realização de exame mamográfico anualmente a todas as mulheres a partir dos 40 anos. Inadmissível que uma portaria derrube lei de tamanha importância.

No ano de 2013, o Conselho Federal de Medicina já havia denunciado a permissão do Governo do PT para que o SUS diminuísse a prevenção à doença, tendo em vista a edição da Portaria 1253/13, que além de restringir a idade, diminuiu o repasse de verbas da União aos municípios para a realização de mamografias. O governo estabeleceu que os municípios realizassem um procedimento condenável: a meia mamografia, denominada mamografia unilateral, método ineficiente na prevenção do câncer de mama.

Importante ressaltar que o procedimento mamografia bilateral era pago via Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (Faec), ficando a cargo do Ministério, mas agora somente os exames compreendidos na faixa dos 50 aos 69 anos passam a ser pagos por essa fonte de financiamento, os demais devem ser cobertos pela Programação Pactuada e Integrada de Média e Alta Complexidade (PPI), e esta raramente possui vaga para atendimento, ou seja, as outras mulheres continuam sem atendimento.

Fato é que o SUS, que já não atende as mulheres na idade indicada, ainda passa por um processo de sucateamento: sua tabela está desatualizada, falta incorporação de novos procedimentos e os existentes estão com valores defasados. Vejamos: já que o assunto é o câncer de mama, cito como exemplo a biópsia de mama, com custo aproximado de R$ 800 na rede hospitalar particular. Somente a agulha para punção de mama, custa R$120 para os hospitais, enquanto o SUS repassa às instituições conveniadas (pasmem) o valor irrisório de R$ 68,43 pelo procedimento total - que inclui médico e despesas hospitalares, além da agulha.

Enquanto o governo deixa de arrecadar R$ 327,17 bilhões a título de desonerações e subsídios para os empresários, mais da metade dos municípios brasileiros não tem sequer um mamógrafo disponível, e dos existentes, um percentual significativo não funciona ou a rede pública não tem material ou profissionais para a sua utilização. Este quadro demonstra que pouco vale distribuirmos fitas cor-de-rosa durante este mês, o que as pacientes com câncer de mama precisam, é de respeito. Afinal, do que adianta a chamada Constituição Cidadã estabelecer que saúde é um direito de todos, se o SUS está definhando pelas mãos do próprio Governo?

É prejuízo atrás de prejuízo, e a saúde descendo pelo ralo. No segundo semestre de 2011, o Governo lançou o Programa Estadual de Controle do Câncer de Mama, que vinha gerando resultado expressivo, porém, de acordo com informações de gestores hospitalares, a partir do segundo semestre de 2014 a Secretaria de Estado de Saúde passou a não fazer o repasse dos recursos referentes à realização da biópsia de mama, o que os levou a interromper o serviço, e mais uma vez as mulheres ficaram desassistidas.

Propaganda e marketing não salvam as milhares de vidas perdidas prematuramente. Para isso, é necessário que os orçamentos da saúde sejam suficientes para atender as necessidades do povo, e que o Governo cumpra os tantos programas que implanta, mas não sustenta. Por enquanto, em Minas Gerais, não há o que comemorar.
 
(*) Médico e deputado estadual

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