O fundo do poço

Jornal O Norte
02/09/2005 às 15:41.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:50




Petrônio Braz *




Ninguém mais tolera, ninguém mais quer ouvir falar em corrupção. Apenas me pergunto, e eu estava lá, por que os estudantes reagiram e se uniram nos idos de 1940, após a vitória dos aliados na segunda grande guerra, contra a ditadura implantada pela revolução de 1930. Durante mais de uma semana eu senti, na minha pele, naqueles tempos, os efeitos da bordoada do cassetete de um policial. Eu, como tantos outros estudantes, exibia a marca nas costas como um troféu. Nós tínhamos um ideal. Queríamos a liberdade democrática, que veio a partir de 1945.




A classe estudantil e os brasileiros como um todo, durante vinte anos, de uma forma ou de outra, lutaram contra a ditadura militar, que se instalou no país em 1964.




Os estudantes e o próprio povo foram para as ruas, com as caras pintadas de verde e amarelo, em inesquecível ato de brasilidade, pedindo e até mesmo exigindo a queda de um presidente corrupto. Havia um objetivo: a busca de melhores dias e a repulsa à corrupção.




Exercendo o direito e o poder do voto, os brasileiros descrentes das estruturas políticas então vigentes, há pouco mais de dois anos deram uma guinada política de cento e oitenta graus, pretendendo sair da liberal democracia de direita para um governo social-democrático de esquerda, que fosse verdadeiramente imune à corrupção. Todavia, não se discutiu, no momento do voto, nenhuma ideologia.




O povo votou para mudar e a única forma de mudança que se oferecia, com cobertura de inviolabilidade à corrupção, foi a escolhida. A ideologia ficou mascarada, obstruída, com as coligações que se formaram, mas o ideal de mudança foi a única razão do voto. Era a última opção possível dentro do universo político-partidário do país.




Não se mudou a política econômica. Não era possível mudar dentro do contexto da globalização, presente este princípio de século e que já se afirmava nos últimos anos do século passado. O mundo é, hoje, uma aldeia global. A própria soberania está vinculada aos interesses maiores da comunidade internacional. Até aí, tudo bem.




Não se mudou o regime. Continuamos a ser uma República Federativa.




Não mudaram os homens, mas esperava-se que se mudasse a moral política, a ética administrativa, o respeito ao patrimônio público. Leis foram votadas impondo essas mudanças, entre elas a lei de responsabilidade fiscal. A esperança parecia transformar-se em realidade. O país caminhava alimentado pelas perspectivas de um futuro melhor.




Quando os americanos do Norte lançaram as duas primeiras bombas atômicas sobre duas cidades do Japão, há exatamente sessenta anos, o mundo ficou estarrecido, assombrado. Aquelas bombas, como que saindo do nada, destruíram, em fração de segundos, duas grandes cidades.




Num crescendo assustador, em nosso país, vieram denúncias de corrupção no poder judiciário, no ministério público, abrangendo todo o esqueleto da organização política do país. Todavia, dentro da esfera do atual administração pública federal, dirigida por um governo eleito para mudar, para trazer a respeitabilidade e a honorabilidade pregada durante vinte e cinco anos, não se admitia a presença da corrupção. Era imune a ela.




Com força superior a dez bombas atômicas, a Nação brasileira, neste melancólico 2005, recebeu o impacto da corrupção oficializada, que destruiu os últimos alicerces da respeitabilidade aos homens públicos. Não se esperou a vinda de agosto, o mês fatídico. Aconteceu antes.




Os estudantes não se pintarão de verde e amarelo, o povo não estará nas ruas para reclamar, para protestar, para pedir punição, mesmo porque não se tem mais a quem punir, senão a todos; não se tem mais para quem apelar, senão para Deus.




Chegamos ao fundo do poço.

 

* Advogado e escritor. Presidente da ACLECIA





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