Luís Alberto Caldeira
Você já foi preso? Já foi acusado ou condenado por algum crime? E processado judicialmente, já foi? Sem hesitar, agora: com que freqüência você fica bêbado? Ou ainda, já foi diagnosticado ou recebeu tratamento por alcoolismo ou algum vício de drogas? Mais uma: você recebeu tratamento por alguma doença física ou mental séria nos últimos três anos? Bom, se você não tiver nenhum constrangimento em responder a estas e outras perguntas do nível a qualquer pessoa que te abordar no meio da rua, por exemplo, parabéns, você está apto a se tornar o mais perfeito big brother global!
Não é por acaso que levantei essas questões. Aliás, nem foi eu! Todas elas - e muitas outras - fazem parte do imenso questionário oferecido pela TV Globo, desde o mês de agosto, aos interessados em participar da sexta edição do reality-show Big Brother Brasil, previsto para estrear em janeiro do próximo ano.
Se não é constrangedor para alguns, torna-se, no mínimo, humilhante a outros. E daí se tira o tipo ideal que aquela emissora procura como personagem para produzir o seu show de intrigas, atração vendida como parte de seu padrão de qualidade, sob uma ideologia elitista proclamada pela TV Globo.
Dentre outras curiosidades do questionário, era solicitado ao candidato a sua opinião sobre política, religião, e uma descrição de seu par ideal. E por falar em relacionamentos pessoais, desta vez a Globo foi menos exigente e não obrigou o interessado a big brother a ceder endereços e telefones de contato das pessoas com quem manteve romances no passado, indicando quanto tempo durou, porque terminou e como é o relacionamento atual, desta forma como era solicitado nas edições anteriores.
Mas, para a produção do Big Brother Brasil 6, ainda é importante que se saiba se você já esteve numa praia de nudismo, ou ainda como você lida com a raiva e, inclusive, quando foi a última vez em que você bateu, socou, chutou ou atirou alguma coisa, exprimindo sua ira. Ah!, e claro, o que você faria se se tornasse famoso.
Pensa que acabou? Não pense que é tão fácil assim. São somente 14 vagas, e você ainda terá que enviar quatro fotografias e um vídeo VHS gritando e rebolando ou o que mais você quiser para chamar a atenção dos produtores do programa.
Mais impressionante que uma emissora que dá importância a tantos pormenores numa seleção de seus ícones perfeitos - assim como os empregadores da atualidade que submetem seus interessados a uma ocupação com testes e mais testes, dentre exames médicos e psicológicos, dinâmicas de grupo e até a aferição de habilidades mentais e de conhecimentos específicos - estão as pessoas coniventes com esta realidade.
Contudo, é muito fácil jogar a culpa na população de um país miserável como o nosso, onde o nível da educação é um dos piores do mundo e num momento quando o número de desempregados bate recordes, apesar de afirmações diferentes do governo federal.
A disputa por uma vaga no mercado formal mais parece uma briga por um osso, onde um tem o desejo de eliminar o outro. Diria que até se torna natural pessoas se subordinarem a certas vexações, principalmente quando nestas está inserido o oferecimento de grandes oportunidades para mudar de vida da noite para o dia, na verdade ilusões como acertar as seis dezenas da Mega Sena de rateio final zero e acumulada.
Mas se o constrangimento não te incomoda e se você corre atrás das oportunidades mesmo, só tome cuidado com as frustrações, pois depois de ser tão sincero respondendo a um questionário como o citado aqui, revelando suas mais ocultas intimidades, que talvez não contaria nem em confissão para o padre ou para seu melhor amigo, você pode ser surpreendido no final, assim como ficaram as milhares de pessoas que abriram uma conta de e-mail na Globo.com para se inscreverem no primeiro BBB e souberam posteriormente que os escolhidos do programa não passavam de cartas marcadas, semifamosos, ou selecionados por algum olheiro da Globo.
* jornalista e editor do site Bem na Net