A herança que Adão deixou para o homem

Jornal O Norte
09/09/2005 às 08:49.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:51

Leonardo Campos

A criptografia é uma informação escondida em sinais. Com cifras ou códigos, apenas o seu destinatário, possuidor  das respectivas chaves ou senhas, a compreende pela sua decifração.  

Existe desde o início da humanidade, com os seus grafismos rupestres. Ela se fez presente, por exemplo, na antiga civilização egípcia, cujos hieróglifos foram interpretados pelo francês Jean-Pierre Champollion (1.790 - 1.832) com utilização da criptoanálise, e na Segunda Guerra, quando os ingleses se esforçaram na elucidação de códigos utilizados pelos exércitos de Hitler.

No afresco “A Última Ceia”, o mais reproduzido do mundo e de autoria de Leonardo da Vinci, Dan Brown viu Maria Madalena no lugar de João, o que para ele seria a codificação de uma mensagem histórica em forma de imagem. A cor vermelha das roupas e a mulher e Cristo, que estariam interligados por um enorme M, seriam o conjunto da postura física de ambos. “O Código Da Vinci” foi criado por Dan Brown, conforme suas próprias explicações, em cima de códigos secretos a partir daquele afresco.    

Essa escrita, por símbolos e sinais secretos, quase foi banida quando da expansão do Cristianismo, a partir do século V. O rei Felipe da Espanha chegou a queixar-se para o papa  que os soldados franceses de Henrique IV, interceptando e decifrando mensagens codificadas dos espanhóis, dominavam a magia negra. É que aquele rei acreditava que a sua cifra complexa nunca pudesse ser quebrada. O sumo-pontífice não acreditou.

Ela chega aos tempos modernos da ciência da computação, com intrincados algoritmos matemáticos a codificar dados em informações aparentemente desconexas, evitando-se que estas não sejam compreendidas via internet pelos conhecidos hackers, a não ser por seus interessados.  

Vou chegar ao ponto objetivado começando por dizer que a mensagem cifrada, ou escrita cifrada, está presente na passagem bíblica acerca de Adão, Eva, a serpente e a maçã, um quarteto que representa na verdade uma informação codificada e que até ontem não havia sido decifrada. É que ninguém tinha parado para pensar direito. Continuando, o que o criptograma bíblico representa é a história do primeiro adultério, conforme vou revelar agora.



Belzebu, em momento algum, desfilou pela Terra em forma de serpente. Tomou e toma, sim, diversificadas formas humanas, ao longo dos tempos, as quais, invariavelmente, revelam mulheres esplendorosas e lascivas lutando pela perdição das almas dos justos.      

A seu turno, o homem, de forma inconsciente, em tantos e tantos desenhos ou escritos de sua lavra, sempre está vinculando a figura da serpente - ou cobra - ao falo. Giro outro, existem pinturas renascentistas, e mesmo posteriores, todas revelando uma cobra ostentando um par de chifres na cabeça, no mesmo momento em que está tentando a primeira mulher da nossa espécie. Salientando antes que a cobra assim representada em nada condiz com a verdade histórica, falarei logo adiante sobre o real significado da tentação com utilização da criptoanálise, mesmo porque tudo aqui é criptoanálise pura, conforme a minha proposta inicial.

A maçã nunca foi motivo para temores da nossa parte, ao contrário daquilo que a Bíblia aparentemente procura impingir com o seu símbolo criptográfico. Daquele quarteto, somente o homem e a mulher não são representados codificados, o mais é a mais perfeita simbologia.    

Prosseguindo, o fruto da cor púrpura está, sim, associado às tentações da carne, que brotam do coração. A maçã, até na sua cor, é parecida com o coração, do qual brotam os cornos, digo, as coisas do amor a nos conduzir às alcovas incandescentes das profundezas apresentadas por Virgílio a Dante Alighieri.

Os lábios das mulheres, primorosamente delineados por batons espetacularmente vermelhos e que também lembram um coração, nos trazem reminiscências, mesmo que de forma igualmente inconsciente, do produto rubro da macieira, o qual, com muita astúcia, o falo, digo, a cobra fez que fosse colhido  naquele templo de paz perdido nas brumas do passado.

Maçãs assim simbolicamente estampadas em lábios carnudos fazem pulular em nosso imaginário não mais do que os prazeres a nós proporcionados pelas fêmeas de hormônios demoníacos em bacanais povoadas de excitantes lingeries vermelhas, a mesma cor púrpura da tentação e que, em última instância, é o pecado.

Temos de perceber ainda que, quando da tentação do falo, digo, da cobra, tanto no criptograma bíblico como em nossas produções nas mais diversificadas manifestações artísticas, Adão está sempre ausente do contexto. O homem é sempre o último a saber, é inegável.     

Devemos de início substituir o símbolo criptográfico da cobra pela figura do próprio tinhoso. Podemos mesmo e devemos deixar nele a sua serpente bem espichada, pois que, aqui sim, temos a realidade criptoanalítica em todo o seu esplendor.    

Refrisando a inexorável e imperdoável ausência de Adão do lugar, a cobra, do alto dos seus conhecimentos bestiais e eternos, a maldade em toda a sua magnificência, passou uma bem orquestrada cantada na inexperiente e virgem Eva, cheia de desejos sexuais e que nunca tinha visto outro homem a não ser aquele seu parceiro distante e carrancudo, com os seus ditames testosterônicos ainda em hibernação.  

É lógico que Lúcifer, na única vez em que assim se apresentou e se comportou, travestiu-se de um homem infinitas vezes mais encantador do que aquele outro que pretendia trair, desmoralizar e ver impiedosamente degredado do lugar. 

Em outras palavras, devemos trocar o simbolismo da tentação pela cantada. Foi assim que Eva perdeu a sua virgindade. Por isto que todos nós aqui nos encontramos, impiedosamente deportados do paraíso e horrorizados com o nosso eterno consórcio com o adultério feminino, coisa daquele ventre primevo e com integral transmigração genética para tantas fêmeas luxuriantes. É um consórcio que, mais cedo ou mais tarde, nos contemplará. A todos nós, que fique bem claro.     

Os chifres com os quais erroneamente representamos o capeta são na realidade os nossos próprios cornos. Todos os homens após Adão já nasceram cornos. Tipo assim: você não fala mal de mim nem eu falo mal de você. Você não me chama de corno nem eu a você. Certo, Amon-Ra?  

É deverasmente impossível para nós varrermos para debaixo do tapete a maldita herança genética daquele ventre matriarcal. Era uma louraça de olhos azuis transbordantes de luxúria, um magnificente corpo sarado  a destacar uma irretocável cinturinha de pilão, tudo na mais perfeita consonância com a minha memória extracerebral relativa a vidas passadas. Para a nossa desonra, o pioneirismo do adultério é da mulher na representação de Eva, não do homem, a todas as luzes e na conformidade com a interpretação criptoanalítica.

Deus, com efeito, desgostoso com a desobediência da fêmea ardilosa, que somente não podia trair, sendo o simbolismo da maçã proibida, refriso, não mais do que um criptograma, castigou-a com TPM, menstruação, dores do parto, cabelos longos e idéias curtas quanto às coisas do bem. E também toda a lambança pegajosa do final da festa fica inteirinha nela. 

Deixou-a, todavia, a lutar pelo inevitável: a tentativa de perdição das almas. E o Senhor continua conservando suas esperanças de que algum dia o homem se contenha mais em sua luta insana por um rabo de saia, voltando-se para as obras de bondade. 

Enfim, nenhum temor, com efeito, temos da maçã, vendida até mesmo em parques como maçã do amor. E nós a compramos. Devemos temer, sim, as mulheres batalhadoras pelo triunfo das coisas profanas, com as quais são coniventes e convincentes quando se trata de empurrar o seu exemplar do sexo oposto para dentro de um enorme buraco dantesco.  

Agora, os chifres com os quais reproduzimos o anjo caído são, com efeito, a herança que o pateta, displicente e simplório Adão deixou que o ventre primevo nos legasse. Não há como negar, não é possível tapar o Sol com a peneira: são os nossos próprios cornos.

Lado outro, como seres pensantes que somos, do alto dos nossos recalques reprimidos, apenas tentamos nos vingar de Lúcifer pondo os cornos em sua cabeça. Ele, o capeta, fica é rindo, ciente da verdade que não se apaga e que até presentemente mancha os nossos brios e humilha a nossa maior quantidade de hormônios testosterônicos. E ri mais ainda quando também o reproduzimos com um rabo. Porque o rabo, em nossa criptoanálise inconsciente, é o nosso rabo mesmo, rabo que traduz com sapiência o burro que nós somos.

Se podemos lutar ainda por um milagre? Não, definitivamente não. O estrago fossilizou-se, vez que datado lá dos primórdios da humanidade. Os fósseis são imutáveis. Mas não custa nós tentarmos um milagre, para melhoramos um pouco o nosso ego, a nossa auto-estima. Um milagre a não nos deixar, doravante, literalmente atolados em bosta de mamute por causa do labor incansável das mulheres decaídas com seus hormônios demoníacos, tentando nos conduzir para as suas orgias de labaredas dolorosas. O próprio Leonardo da Vinci recomendou:

- Que o teu orgulho e objetivo consistam em pôr em teu trabalho algo que se assemelhe a um milagre.

Mas isso é outra história. O importante, por ora, é que o criptograma bíblico está finalmente quebrado e revelado!

(O autor publicou o livro O Homem na Pré-história do Norte de Minas e é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais).

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