“Meu Deus, liberte o cativeiro social ” (*)

Mara Narciso - Médica e jornalista
Montes Claros
07/05/2018 às 19:25.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:42

Soube que dois atendentes de telemarketing em Montes Claros, um rapaz e uma moça, tentaram suicídio e um deles chegou ao óbito. As crises existenciais entre esses profissionais não são exceção, são regra. A dor moral é permanente. Distúrbios do sono e do apetite são comuns. Muitos engordam 10 quilos num curto espaço de tempo, enquanto outros ficam anoréxicos e com peso pena. O drama desses jovens, geralmente em seu primeiro emprego, atraídos pela possibilidade de continuar estudando é um atrativo, além do plano de saúde, coisa que muitos deles nunca tiveram. Trabalham pouco mais de 6 horas, com uns poucos minutos para a alimentação. São monitorados em tempo integral, e a ida ao banheiro é cronometrada.

Essas empresas são empregadoras importantes em nossa região pobre, ninguém pode negar, porém as relações de trabalho são assustadoras, de escravo e feitor, num ambiente de frio intenso, com ar-condicionado em 16 graus centígrados, sem intervalos razoáveis e com a chibata do supervisor ao alcance do lombo. Existem as metas, e elas precisam não apenas ser atingidas, mas superadas a cada dia. Ninguém será bom o suficiente. É preciso fazer sempre mais, oferecendo produtos que o receptor informa de saída que não quer. Ou tentar vender o que ele já tem, algo próximo a se vender neve no Polo Norte.

As regras são rígidas, a única alternativa é segui-las, incluindo aí um discurso pronto para qualquer eventualidade. O cliente diz algo, e a frase já está pronta para consumo imediato. A empresa, mesmo errada, nunca perde. Isso enfraquece os empregados, que discordam das normas morais e éticas do patrão, que paga o salário, possibilitando sua sobrevivência. Então, vem o adoecimento do corpo e do espírito. Quando estão exaustos, e não têm mais o que dizer, o cliente não para de xingar e o supervisor não está olhando, colocam o telefone sobre a mesa e ficam olhando para ele. Independentemente do argumento e do problema, a empresa leva vantagem todas as vezes. Quem vence é a força do poder. O profissional é um mero instrumento sem possibilidade de raciocínio. É um castrado intelectual. Só está certo quando repete o mantra. Jamais deverá contestar as regras ou apoiar o cliente.

Um funcionário se reuniu com os amigos e a namorada, e depois da confraternização enforcou-se. Uma moça cortou os pulsos dentro das instalações de trabalho. A opressão levando ao sofrimento mental é instrumento para o lucro abusivo. Poucos conseguem rezar pela cartilha da empresa sem se impregnar, sem se envenenar, sem se subverter. Outros, ainda mais raros, largam o personagem na porta do trabalho e voltam a ser eles próprios, seguindo suas normas pessoais. São suas quase 18 horas de alforria, do abandono da vassalagem.

O que fazer para ajudar a esses jovens oprimidos e tão odiados por quem os atende em suas casas? Resta a alternativa de desistir, mas não teria outro jeito? O cativeiro social não precisa ser eterno, pode ser mais brando, pode ser passageiro. Porque a Justiça trabalhista não analisa esses dados assustadores e toma uma providência?

*Samba-enredo da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti – 2018
 

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