Combustível, mais uma vez!

Mara Narciso - Médica e jornalista
Montes Claros
04/06/2018 às 23:32.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:25

Na época de Ditadura Militar houve desabastecimento de gasolina. Recortes de jornais da época mostram fotos de filas nos postos e pessoas empurrando seus Fuscas. A Crise do Petróleo, iniciada em 1973, já foi tema de música de Gonzaguinha. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) define o preço do barril, restringe a oferta internacional e comanda a festa. Foi quando o mundo ocidental descobriu que o combustível fóssil passaria a ser muito mais caro do que até então.

Em 1977 aconteceu em Montes Claros um convite de casamento de gosto duvidoso. Era um cartão na cor “bonina” e nele estavam os dizeres tradicionais de um convite de casamento, que finalizavam com a frase: “devido à crise do petróleo que assola o país, não haverá recepção nem similares. Deliciosos bombons serão distribuídos, um a um, na porta da igreja”.

Os militares estavam no poder, e a gasolina era vendida apenas durante o dia. Às 18 horas os postos eram fechados, assim como nos fins de semana. Nas estradas, o limite de velocidade, considerado o de menor consumo, era de 80 km por hora. Foi quando se popularizaram os radares e o jeito brasileiro de escapar da lei, sinalizando com o farol para avisar que tinha blitz.

Entre as mazelas deixadas por José Sarney é inesquecível a Crise do Álcool. Devido ao crédito dado ao combustível renovável e menos poluente, quase toda a frota de carros do Brasil na década de 1980 era a álcool. O Governo desagradou aos usineiros, que fecharam suas porteiras e o etanol parou de chegar. Quando havia um posto com álcool etílico, logo se formavam intermináveis filas. Os poucos carros a gasolina passavam imponentes pelos que acreditaram no Pró-álcool, e estavam ali esperando, e que àquela altura se sentiam grandes imbecis. Foi uma época de hiperinflação e desabastecimento, tudo junto. No mês de fevereiro de 1986 a inflação foi de 86% em 28 dias, isto é, em quatro semanas cem passava a valer catorze.

Antes da atual paralisação dos caminhoneiros no dia 21 de maio, as altas da gasolina vinham sendo semanais, indo a quase R$5,00 o litro. As pessoas estavam assustadas, mas parece que gastavam mais do que deveriam. Com o passar dos dias de greve, e sem chegar gasolina aos postos, os carros sumiram, para retornar nas filas. Foi habitual a espera de cinco horas para abastecer. Houve ágio, e quem denunciasse R$9,00 cobrados por litro em algumas cidades. Com a chegada do combustível, em vários locais podiam-se ver pessoas empurrando seus carros, com zero combustível, mostrando a situação humilhante em que se encontravam. Questiona-se essa corrida aos postos, sugerindo que a população aceita qualquer preço. O óleo diesel fica mais barato e a gasolina encarece, mas a população, carente de tudo nesse desabastecimento monstro, que fugiu do controle e convulsionou o país, parece agradecer o que lhe sobra. Permaneço perplexa com a greve, ainda que entenda as condições desumanas dos caminhoneiros, porque vejo interesses escusos por trás de tudo. De verdade, quem ganhou com a greve?

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