As rupturas e seus consertos

Mara Narciso - Médica e jornalista
Montes Claros
29/01/2018 às 22:26.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:02

“O que a vida quer da gente é coragem” – Riobaldo, personagem de João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Com coragem ou sem coragem, vive-se, mas sem medo é melhor. A cada ruptura um ciclo se fecha e para aceitar algo novo é preciso desapegar-se do que passou, assim como consertar seus estragos.

“Aquele que vive mais de uma vida, mais de uma morte tem também de morrer” (Oscar Wilde), pois a cada romper há um novo construir. 

A vida é um eterno rasgar e costurar. Há situações calmas e planejadas, nas quais é possível fazer um caprichoso cerzido, mas há tempos turbulentos de fraturas na alma, que obrigam a coser com grandes pontos, usando agulha para saco de aniagem. 

Para cada urgência uma pressa. Para pequenos talhos, costuras de pontos pequenos. Nas rachaduras profundas, amarrações com aço e cimento. Os remendos mal feitos, que algumas vezes podem ser a única alternativa, fazem contraponto com os bordados delicados que enfeitam a vida. E assim se vai, a cada machucado, inventando um reparo à altura, e simultaneamente, construindo novos caminhos.

Lya Luft escreveu “Perdas e ganhos”, considerando que a vida é um jogo, e na sua visão, apostava num empate. Como no final todos morrem, pode-se imaginar que todos perdem. O que conta, para tentar empatar o jogo, metaforicamente, é o tipo de vida que se leva, plantando para si e os outros. 

Poucos vivem assim, ficando amarrados em suas próprias costuras necessárias ou fúteis. Sem contar as famosas costuras políticas, que no momento afligem meio mundo. Os eleitores nem imaginam o que se passa nos bastidores de uma simples legenda, definindo seus candidatos a vereador. Se o que a imprensa publica já assusta, imagina se fossem vistos os tecidos incompatíveis que são costurados com suor, lágrimas e sangue?

Para avançar é preciso que o passado não brigue com o presente. Não é possível ter tudo ao mesmo tempo. À medida que se ganha experiência se perde a juventude. Quando perguntado, que conselho daria aos jovens, Nelson Rodrigues falou: “envelheçam”. Nem tudo é ruim no amadurecimento. O que há de pior na velhice é o preconceito, a invisibilidade, o desprezo. Isso leva as pessoas a ocultar as suas idades, como se ter vivido fosse algo vergonhoso. 

Cuidar bem de si, buscando uma imagem mais jovial, é benéfico para os relacionamentos sociais, afetivos e profissionais, e também para a saúde. Feliz de quem se liberta e fala com coragem daquilo que já viveu. Os jovens não costumam defender essa causa, apenas os que já entraram nos anos. “Velho é quem tem dez anos a mais do que a gente”, dizia Milena Narciso, minha mãe. 

O tempo que caracteriza a separação de uma geração para a outra é de 25 anos. Talvez essa diferença tenha mais significado do que uma década. Então, quem não quiser envelhecer, cuide de morrer jovem, e para os que têm sede e fome de viver, que vivam bem, providenciando linha e agulha, cada uma delas de um tipo, pois de acordo com os rasgos é que serão as costuras, e o resultado do reparo é que fará a vida valer a pena. Ou não.

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