Sobreviventes da tragédia da Ponte Branca contam o que aconteceu: mulher ameaça processar empresa Santo Antônio, acusada de não dar assistência às vítimas

Jornal O Norte
30/05/2006 às 10:23.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:36

Samuel Nunes


Repórter


samuelnunes@onorte.net



(foto: Lucilene Porto)

O Norte esteve na tarde de ontem, segunda-feira, na Santa Casa de Misericórdia, onde entrevistou algumas pessoas que saíram com vida do acidente ocorrido na manhã de sábado no Km 07 da Br 165, pouco depois do viaduto da Ponte Branca. O saldo negativo da batida entre o ônibus da empresa Santo Antônio, de Brasília DF, e uma carreta do Rio Grande do Sul carregada de biscoitos foi de 18 mortos e 22 feridos. A reportagem constatou que era grande o número de pessoas à espera de informações na recepção do pronto socorro sobre parentes que se encontravam hospitalizados em decorrência da tragédia. Percebia-se um ar de tristeza e ao mesmo tempo de esperança de melhora do quadro clínico por parte dos parentes e amigos das vitimas.

O primeiro entrevistado trabalha em Brasília. É Luiz Paulo Moreira de Araújo, 46 anos, que há pouco mais de um mês mora na capital federal. Emocionado,  ele explica que toda sexta-feira, juntamente com amigos, vinha a Montes Claros visitar as respectivas famílias, voltando no domingo. Ao lado do filho Luiz Paulo Barbosa de Araújo e da esposa Maria Helena Barbosa de Araújo, ele concedeu a seguinte entrevista:

- O que você estava fazendo no momento do acidente?

- Antes de chegar à curva da ponte eu estava acordado; depois eu deu uma rápida cochilada, portanto, não cheguei a ver nada. Quando acordei, o que vi eram pessoas pedindo socorro e também, fazendo muito barulho. Nesse momento tentei pular pela janela, mas aí percebi que um dos meus braços estava com problema. Logo em seguida o corpo de bombeiros chegou e me tirou, me levando para o hospital.

- Você saiu com vida dessa tragédia. O que muda em termos da importância e do significado da vida para você?

- Pela tragédia que foi, isto vai com certeza ficar marcado para sempre em minha mente. Só de eu estar vivo, tenho que agradecer a Deus, pois o fato de eu estar com vida é uma bênção. Sempre quando viajo eu tenho o costume de orar a Deus, tanto para sair quanto para chegar da viagem. Não tenho palavras para expressar a minha gratidão, graças a Deus eu estou com o meu filho e a minha esposa do meu lado. Tem também a minha mãe, que já veio aqui no hospital me visitar. Tudo isso é muito importante para mim. Também estavam comigo mais colegas de trabalho e, até o momento, não tenho informação se  algum deles morreu. Peço a Deus que dê forças para os familiares que perderam seus entes queridos, o que não é fácil.




Luiz Paulo Barbosa vinha a Moc todo final de semana


para rever familiares
(fotos: Wilson Medeiros)

O filho de Luiz Paulo também falou à reportagem. Demonstrando emoção e alegria, Luiz Paulo Barbosa de Araújo diz que veio de Belo Horizonte, onde trabalha, para trazer o carinho fraterno e apoio ao pai:

- Estou feliz e dou graças a Deus pela vida do meu pai. Olhando o trauma que foi esse acidente, estou feliz porque, mesmo machucado, ele está vivo. Enquanto muitas famílias estão sofrendo, nós estamos aqui no hospital, o meu pai está vivo e já fez uma cirurgia no braço, com previsão de fazer mais uma ainda nesta semana.

A esposa Maria Helena Barbosa revela que tinha feito uma oração na sexta-feira em prol do seu filho e do esposo. Ela entende que Deus ouviu sua oração, pois horas depois aconteceu o acidente e seu marido saiu com vida:

- Não tenho palavras para agradecer a Deus pela vida do meu marido; Ele pôs suas mãos nesse acidente e salvou a vida do meu marido e de outras pessoas também. Mesmo se ficar com alguma seqüela no braço, não tem problema, o que importa é que ele está vivo. É bom lembrar que, um dia antes desse acidente, eu tinha ido à casa de uma pessoa que faz parte da igreja católica e lá fizemos orações pelo meu filho e pelo meu esposo. Tenho esse costume, pois eles viajam muito e eu peço a Deus que os proteja nas viagens. Depois que ele sair do hospital, nós vamos reunir nossa família para comemorar inclusive com oração.

Outra que saiu com vida da tragédia é Joicilene Gonçalves Rocha Moreira. Apesar de ter fraturado apenas um braço, ela demonstra preocupação, já que  sua filha de apenas quatro anos de idade encontra-se hospitalizada.

Joicilene Gonçalves diz que não volta a Brasília nem viaja mais de ônibus

Joicilene afirma não ter pretensão de voltar a morar em Brasília e muito menos de viajar de ônibus. Outro ponto salientado por ela é que, juntamente com outros passageiros, ela vai entrar com um processo na justiça contra a empresa Santo Antônio, pois o ônibus estava em alta velocidade desde a saída de Brasília:

- Eu fui a primeira pessoa a ser retirada das ferragens do ônibus e também a primeira a chegar ao hospital para ser atendida.

- Como foi o seu dia na sexta-feira antes da viagem?

- Foi um dia normal, pois eu tinha decidido viajar para rever minha família aqui em Montes Claros. Era para eu vir no sábado, aí eu decidi vir na sexta-feira, pois poderia passar mais tempo com minha família. Outro detalhe é que esse ônibus já tinha saído atrasado da cidade de Taguatinga, o motorista também era novo na empresa.

- Como foi o acidente, você consegue lembrar de alguma coisa ou algum fato relevante?

- Eu conversei com o motorista na cidade de Pirapora, falei para ele me deixar no semáforo do Bairro Major Prates. Ele me disse que não conhecia esse local, pois era novo na empresa. Ele me disse ainda que eu deveria avisá-lo quando estivesse próximo ao local. Ele vinha em alta velocidade e foi tentar fazer uma ultrapassagem e o caminhão veio em sua direção. Se esse caminhão não parasse teria morrido todo mundo, pois foi o ônibus que bateu no caminhão. Se tivesse acontecido o contrário teríamos caído na ribanceira e não teria sobrado ninguém para contar a história. Apesar da morte do motorista do caminhão, ele salvou muitas vidas por ter parado na hora da batida. Cheguei a ver as luzes da cidade de Montes Claros, calcei o meu tênis consertei a jaqueta da minha filha, e em questão de segundos isso aconteceu. No final, eu estava entre duas poltronas e minha filha no corredor, com a cabeça presa a outra pessoa que eu não sei se morreu ou se salvou... Graças a Deus, eu estava do lado contrário do motorista.

- Qual o real estado de saúde de sua filha?

- Ela teve uma leve lesão cerebral, não estava reconhecendo as pessoas, mas, graças a Deus, isso já está acontecendo, ela está reagindo bem. Eu quebrei o braço e tive vários hematomas pelo corpo.

- Você vai tomar alguma medida contra a empresa Santo Antônio?

- Eu estou com um advogado e vamos mover uma ação contra a empresa. Vi na imprensa que representa a empresa dizendo que ela estava dando toda assistência aos familiares das vítimas, só que até agora eu não recebi nada, a minha filha está sendo atendida pelo SUS e eu estou gastando com consultas particulares. Não recebi nenhum apoio por parte da empresa, a não ser um telefonema e pronto, mais nada. Estou com as duas mãos atadas e espero que a minha filha possa melhorar.

- Como você vai encarar a vida a partir de agora?

- Vou dar mais valor à vida por acreditar que Deus me deu uma segunda chance e eu vou ter que procurar fazer sempre o melhor para ele.

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