Pirapora no desfile da Mangueira 2006: leia com exclusividade o tema e o samba-enredo em homenagem ao Velho Chico

Jornal O Norte
07/11/2005 às 10:07.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:54

Tiago Severino


Correspondente

PIRAPORA - Das águas do Velho Chico, nasce um rio de esperança. Este é o título do samba-enredo da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro para o carnaval de 2006. Segundo a assessoria de comunicação da prefeitura de Pirapora, existe a possibilidade de um dos carros ser uma réplica do vapor Benjamim Guimarães, única embarcação no mundo movida a lenha que mantém as características originais.

O prefeito Warmillon Fonseca Braga - PFL e o secretário municipal de Turismo, Anselmo Rocha, estiveram reunidos com o vice-presidente de Finanças da escola, Elias Riche Filho, e o diretor de Carnaval da Mangueira, Elmo José dos Santos. Foram apresentadas várias fotos do vapor e da cidade. A expectativa é de que uma comitiva venha a Pirapora nos próximos dias para conhecer a embarcação.

- A Mangueira vai mostrar o que o Velho Chico tem de mais novo, desde a exportação de frutas sem caroço até a beleza da cultura ribeirinha da população que vive nas margens do Rio São Francisco - diz o presidente da escola, Álvaro Caetano.



AMÉRICO VESPÚCIO

O samba-enredo de autoria de Oswaldo Martins e do carnavalesco Max Lopes conta a história do descobrimento do rio por Américo Vespúcio, fala sobre a relação entre o São Francisco e as várias tribos indígenas que o chamavam de Opará (rio-mar em Tupi Guarani), além da cultura barranqueira com os mitos e lendas.

O autor também faz menção ao desmatamento da mata ciliar, aos garimpos ilegais, e clama para que o rio possa ser revitalizado e voltar a ter peixes em abundância. Relembra o período áureo do transporte fluvial e mostra a importância do Velho Chico para a economia ribeirinha.

Como o assunto mais discutido, a transposição também é citada:

- Há quem diga que o velho não tem força pra bombar. Há quem veja nesse sonho o direito de ousar. Essa história inda vai longe, ninguém perde por esperar. Se o Chico sobe a serra ou se fica como está... não se aflija, nada de pressa - quem viver verá.

DESDE 1928

A escola Estação Primeira de Mangueira faz parte do grupo de elite do carnaval do Rio. Foi criada em 1928, através de um pedido feito por Agenor de Oliveira (Cartola), para que o bloco dos Arangueiros pudesse se tornar uma escola de samba capaz de reunir todos os sambistas do morro.

A expressão Estação Primeira também tem um significado particular. Mangueira não era a primeira estação de trem depois da Dom Pedro 2º, como foi tantas vezes mencionada. A primeira era São Cristóvão. Cartola usou a expressão para dizer que Mangueira era a primeira estação (sinônimo de bairro para os cariocas) a ter samba; e pretendia proclamar que Mangueira era a líder, a primeira, a melhor das estações em matéria de samba.




DAS ÁGUAS DO VELHO CHICO, NASCE UM RIO DE ESPERANÇA


Texto:
Osvaldo Martins


Carnavalesco: Max Lopes

Tu que nasces tão pequenino e fraco


Dois filetes de água na grama


Como podes tão longe chegar, no mar,


Se no meio do curso


Quase te tornaste lama?

Não foi um qualquer o cara de fora que te descobriu. Foi o tal do Vespúcio, que Cabral conhecia quando achou o Brasil. Nem sabia o teu nome, que os índios te deram pra te batizar: Opará, que na língua tupi quer dizer rio-mar.

Opará, ó rio-mar, tua hora chegou!


Mangueira vem pra mostrar que o Velho Chico mudou.

Eram muitos, eram tantos, que nem dá pra contar. Caipós, cariris, caetés e tuchás. Era quatro de outubro quando o navegador tua foz contemplou. Dia de São Francisco, esse é o nome!, ele logo pensou.


E São Francisco ficou.

Vem navegar no rio-mar, vem sambar a noite inteira, que hoje tem tutu com vatapá no barco da Estação Primeira.

Discreto como convém a um mineiro de nascença, o rio brota do chão, não se nota sua presença. Se esgueira na terra em plena Canastra e segue em frente, mineiramente, só depois se alastra. Em cascata despenca pra exibir a primeira ousadia. Parece intuir o que o espera, o difícil labor do dia-a-dia. Quando cresce e se vigora de Minas já está fora, já chegou lá na Bahia.

Tanta lenda, tanta história, que é difícil de saber, O que é fato, o que é lorota, não me cabe resolver. Paulo Afonso era padre? Então por que se afogou, remando na correnteza com aquela índia brejeira? Uma coisa é certeza: virou nome de cachoeira.

São Francisco Peregrino, padroeiro da ecologia (que ironia!) talvez possa me informar onde é que foi parar a bela mata ciliar. Não permita, São Chico, o mercúrio do garimpo e o vinhoto do canavial. Quero o rio sempre limpo para alegrar meu carnaval.

Me devolve a piracema que nada contra a corrente. Eu imploro com fervor, que esse rio merece amor, pelo amor da sua gente!

Carrancas do São Francisco, no mundo inteiro não tem nada igual. Elas são feias mas são belas, são do bem, e afugentam as forças do mal. Com o velho Guarany aprendi a encarar assombração. Cara feia não me assusta, a minha ninguém desbanca. Não vem que não tem, eu sou Mangueira e vou mostrar minha carranca.

Pelo sim ou pelo não, Deus me livre nessa rota de encontrar o Minhocão. Surubim-rei, Serpente-d’água, ele tem cara de dragão. Se abraça a minha proa vai virar a embarcação. Do Nego-d’água ninguém acha graça. Se é duende, ninguém entende. Pra não complicar é melhor logo lhe dar fumo de rolo em um bom gole de cachaça. Prefiro Mãe d’água, muito mais maneira, vaidosa como toda iara barranqueira.

Navegar nos gaiolas não era só sobressalto. Com uma figa no peito, a reza de fé chega a Deus, lá no alto. Com a brisa no rosto, minha rede no convés, eu senti certo gosto de que a felicidade estava a meus pés. Se no banco de areia o barco encalhava, a sanfona gemia e o forró começava.

No vai-e-vem desse rio, tanta gente a trazer tanta tralha levar, na Lapa eu vou me benzer pra minha sorte mudar. Então o Senhor vai ter que atender o meu modesto favor: que o apito estridente desse velho vapor me deixe contente e anuncie a chegada do meu grande amor.

Tem de tudo nesse barco que é a cara do Brasil. Romeiro, remeiro, rameira, é um bafafá como nunca se viu. Tem porco, galinha, tem peixe, pra vender, pra comprar, pra trocar. Tem renda, tem pano, tem fita, tem balaio e tem cantil. No mercado flutuante nada falta, nem as mais finas sedas – pro rico dar pra amante que exibe em tom triunfante no Grande Sertão: Veredas.

Sertão que viu muita luta no tempo da bala e da faca na mão. O rio viu muita disputa, foi lá que morreu Lampião. Hoje os tempos são outros e o banho de sangue não tem mais razão. A água que bebo, como uma redenção, banha minh’alma e o meu coração.

O Chico pacato manda um recado pra quem quer ouvir: a mudança que faz na vida da gente não é só do presente, mas também do porvir. Não mudou por mudar, por cisma de inventar. Se hoje colhe a riqueza que vem da mãe natureza é porque soube plantar. Quem olha a espuma atrás dessa barca e lembra de um tempo sem fim, vê que a bonança era pouca, era parca, nunca foi tanta assim.

Só não muda a rixa de quem se proclama o melhor violeiro. Nessa rivalidade, sem rancor ou maldade, uma ponte separa quem é o primeiro – Petrolina ou Juazeiro. O Velho Chico faz de conta que não tem nada com isso. Segue em frente pra Penedo e deixa atrás o reboliço.

Juazeiro entra na história quando o samba que se renova. Foi lá que nasceu João, o inventor da bossa nova. Petrolina também sabe fazer moda e alvoroço. De tanto plantar idéia fez a uva sem caroço.

E da uva faz o vinho, premiado sim senhor. Até parece visagem, mas é fato pra valer. O vinho do São Francisco o mundo todo quer beber. É fruta de todo tipo nesse imenso pomar que o Brasil já descobriu e não pára de exportar. E não podia faltar, sendo a terra brasileira, um lugar abençoado onde reina a mangueira. É manga doce da boa, sem fiapo e com sabor, plantada em pleno sertão - que agora vai de jato, embarcada pro Japão.

O milagre é de casa, e de fácil explicação. Uma coisa tão singela que se chama irrigação. O novo Chico, minha gente, quer mudar o seu destino sua sina é redimir todo o povo nordestino.

O Chico anda atacado de mania de grandeza. Quer subir sertão a dentro e mostrar sua beleza. Diz que afoga suas mágoas espraiando suas águas, não agüenta mais represa. Diz que vai à Paraíba e também ao Ceará sem perder seu rumo antigo, o caminho para o mar.

Há quem diga que o Velho não tem força pra bombar. Há quem veja nesse sonho o direito de ousar. Essa história inda vai longe ninguém perde por esperar. Se o Chico sobe a serra ou se fica como está... não se aflija, nada de pressa - quem viver verá.

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