Luís Alberto Caldeira
Repórter
luis@onorte.net
O sol nasce. O dia amanhece. Espere aí, alguém falou em sol? A previsão do tempo para o nosso segundo dia de expedição no Caminhos dos Geraes é de mais lama, sujeira, céu encoberto e chuva.
Deixando a cidade de Grão Mogol, onde passamos o pernoite, nossos carros aceleram em direção ao município de Cristália. Mas antes, ainda dá tempo para fazer um rapel na ponte do Váu, bem próximo ao rio Itacambiruçu.
A técnica deste esporte radical consiste em descer, deslizando de forma controlada, por meio de cordas ou cabos bem amarrados, todo tipo de declive, de prédios a cachoeiras.
É nessa região que acontece uma das mais tradicionais festas religiosas de Grão Mogol, a Festa do Vau. O lugar, rodeado de areia branca, é convidativo à apreciação da natureza. Deu vontade? Ainda tem muita coisa por vir por aí.
CRISTÁLIA
Continuamos o percurso. Agora já em Cristália, onde paramos para registrar a beleza da Igreja da Matriz do município.
Antigo distrito de Porteirinha, cujo território surgiu de desmembramentos da cidade de Grão Mogol, Cristália, emancipada em 1962, ainda guarda em suas origens a extração mineral.
Das primeiras expedições realizadas para o conhecimento das terras descobertas por Pedro Álvares Cabral, surge a lenda das pedras verdoengas, as esmeraldas tão procuradas pelo bandeirante Fernão Dias no nordeste mineiro. Apesar de ser uma atividade dispersa, Cristália ainda produz águas marinhas, turmalinas, berilos, ametistas e cristais (Fonte: secretaria estadual de cultura).
MORRO DO CHAPÉU
Mas o mais impressionante aos nossos olhos está um pouco mais adiante. No horizonte, encoberto entre as nuvens, começa a surgir imponência do Morro do Chapéu com os seus 1.250 metros de altitude.
- O Morro do Chapéu é um ponto estratégico que é usado desde o período colonial, pois, pelo fato de ele estar isolado, acaba se tornando um ponto de referência geográfica para orientação – explica o ambientalista Eduardo Gomes, técnico da secretaria municipal de meio ambiente de Montes Claros, que nos acompanha nesta expedição.
Subimos de jipe até onde foi possível, já bem próximo a torres de telefonia e televisão. Mas queremos mais. E agora vamos a pé, escalando pedra sobre pedra até o cume. Qualquer descuido ou um passo em falso pode significar tragédia, mas o frio na barriga vale a pena. No topo do Morro do Chapéu, a vista é indescritível. A sensação é de realmente estar mais próximo de Deus.
REASSENTADOS
A empolgação acabou nos tomando tempo, e vamos ter que deixar para trás trechos do roteiro, como Boa Vista do Bananal.
Guiando agora pela Serra do Cantagalo, nosso destino é Botumirim. Ao longo da estrada, porém, um imprevisto: descemos para trocar o pneu furado de um de nossos carros.
Logo a seguir, outra parada: desta vez para conhecer a casa de uma das famílias que foram reassentadas em virtude da inundação da área que será atingida pela Usina de Irapé.
- Aqui plantamos milho, feijão, amendoim, mandioca e vou plantar arroz também – conta Salvador Marcelino dos Santos, proprietário da nova casa, de terreno de 25 hectares, com seis cômodos, sendo três quatros, cozinha, sala e área de serviço, com água e energia, e pai de quatro filhos: um com um, outro com dois, o terceiro com três e o último com quatro anos de idade.
QUATRO OITAVAS
Chegamos ao antigo ao povoado de Serrinha. Para quem não sabe, é o primeiro nome que foi dado ao atual município de Botumirim, hoje com uma população de cerca de seis mil habitantes.
Como ficamos só na vontade durante a vinda até aqui avistando a distante cachoeira do Bananal, não vamos deixar por menos e seguiremos por uma estreita estrada em sentido à Cachoeira das Quatro Oitavas, localizada em uma fazenda de mesmo nome.
O ar fica mais puro, a natureza mais próxima, e, nós, mais próximos também de nossos sonhos. A paisagem impressiona. A água da cachoeira lava a alma. O encantamento é físico e espiritual, e ultrapassa a mente e o coração.
Com 40 metros de queda, a Cachoeira das Quatro Oitavas ganhou este nome por causa de uma mina de ouro que havia próxima ao local.
- A cada bateia em que era peneirada a pedra preciosa, tirava-se a medida de quatro oitavas de ouro – lembra o ambientalista Eduardo Gomes.
O relógio marca as seis horas da tarde. É hora de retornar à cidade de Botumirim. Chega finalmente a hora de nosso almoço e é por aqui também que vamos recarregar as energias para o dia seguinte.
ÚLTIMO DIA
Deixando o município de Botumirim, o terceiro e último dia da expedição Caminhos dos Geraes tem início, e o percurso será incerto. Como choveu bastante durante a madrugada, alguns rios que cortam a estrada podem estar cheios demais para a passagem dos carros.
A uma velocidade de 10 km/h, vamos por uma estrada de difícil acesso, com muito cascalho e mato por todos os lados. Não demorou muito e vem o resultado das péssimas condições da pista: o mesmo pneu – mal-colado na borracharia de nossa última parada – fura pela segunda vez. Tudo bem: faz parte da aventura.
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- Essa serra recebeu este nome na ocasião das primeiras explorações quando o bandeirante Fernão Dias esteve na região em busca de riquezas, principalmente as esmeraldas. Esse brilho que ocorre na serra, causado por alguns minerais, como o micaxisto, confundia os exploradores como se fossem metais preciosos – relata Eduardo Gomes, ambientalista.
ITACAMBIRA
Estamos a cerca de 100 km de Montes Claros, no município de Itacambira. O antigo distrito de Grão Mogol já foi chamado de Santo Antônio do Bom Retiro e de Santo Antônio do Itacambira, nome que foi reduzido apenas para Itacambira em 1923. Em 1962, o distrito torna-se município independente de Grão Mogol.
Um dos símbolos da cidade é a Matriz de Santo Antônio, com aproximadamente 300 anos, feita toda em madeira e com um belo altar trabalhado, construção atribuída a Fernão Dias. Atualmente, a tombada e abandonada igreja agoniza por uma restauração.
- Isso aqui precisa ser restaurado, moço, e aonde é que o dinheiro do patrimônio histórico está indo? – questiona a moradora local Edna Aparecida Silva de Oliveira à nossa reportagem.
LEMBRANÇAS
A nossa expedição vai chegando ao fim. Pela frente, estrada que dá acesso ao município de Juramento, onde acontece nosso reencontro com o asfalto após dois dias. As lembranças ainda recentes saltam diante de nossos olhos enquanto retornamos ao nosso ponto de partida: Montes Claros.
O vento, mais uma vez, batendo em nossos rostos trazem uma sensação de liberdade. A cada parada nessa viagem, conhecemos de perto a biodiversidade histórica, cultural e ecológica de nossa região. E pensar que tudo isso está tão perto de nós. Tudo o que foi descrito é como é. O Norte de Minas é assim. Vivo, belo, rico, e de um grande potencial turístico. E que pede para ser redescoberto também por você.
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