Saudades do ‘Velho Guerreiro’

Falecido há 30 anos, Chacrinha deixou uma lacuna na TV brasileira por sua irreverência

Paulo Henrique Silva
Hoje em Dia - Belo Horizonte
30/06/2018 às 10:20.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:06
 (MARCUS PACHECO/CANAL VIVA/DIVULGAÇÃO)

(MARCUS PACHECO/CANAL VIVA/DIVULGAÇÃO)

“Roda, roda, roda e avisa... um minuto para o comercial”. Há 30 anos, o bordão consagrado por Abelardo Barbosa, o Chacrinha, foi silenciado na TV brasileira, após a morte do apresentador em 30 de junho de 1988. 

Irreverente, espalhafatoso e um pouco cruel na medida que não perdia a oportunidade de “buzinar” para os calouros (que tinham que ser ruins para ganhar a graça dos telespectadores), Chacrinha faz muita falta à cada vez mais antiquada programação televisiva.

“Infelizmente, vivemos um momento asséptico na TV brasileira, em que nada foge ao esquematismo. Chacrinha fugiu. Ele tinha um programa de rádio de grande sucesso e o levou para a TV que, no final dos anos 50, era muito formal, com apresentadores vestidos de smoking e com linguajar empostado. Não é à toa que ele continua sendo lembrado, até por gerações que não o viram”, registra Denilson Monteiro, um dos autores do livro “Chacrinha – A Biografia”.

Para o escritor paraense, que já se debruçou sobre a carreira de outros artistas, como Cartola e Carlos Imperial, o animador pernambucano nunca caiu no esquecimento. Prova disso é a série de produtos criada recentemente para reverenciar a figura anárquica do “Velho Guerreiro”. Curiosamente, todos passam pelo ator Stephan Nercessian, que já deu vida ao personagem no teatro, na TV e, em agosto, estará presente na tela de cinema também, em filme dirigido por Andrucha Waddington.
 
TUDO PELA AUDIÊNCIA
Monteiro lembra que Chacrinha, apesar do estilo trash, era um obcecado pelo trabalho. “Qualquer coisa que o atrapalhasse neste sentido, ele ficava muito incomodado, chegando a se tornar agressivo. Se via que estava perdendo espaço e audiência, enlouquecia e soltava palavrões”, salienta o autor. Situação que o levou a brigas constantes com a direção da Globo, na primeira passagem do apresentador pela emissora.

“Ele teve muitos atritos com o Boni (diretor-geral), que queria implantar o padrão Globo de qualidade no início dos anos 70. Chacrinha era aquela bagunça, fazendo concursos de cachorro com mais pulga. Quanto mais brigavam, mais ele postergava o término do programa dominical, até que um dia o Boni pediu para cortar e iniciar o filme que estava programado. No mesmo dia, o Abelardo pediu demissão e voltou para a Tupi”, recorda Monteiro.

Chacrinha também enfrentou problemas com a Censura, devido à pouca roupa das chacretes. Polêmica que o acompanhou desde que foi contratado para ser locutor da rádio Tupi, durante a madrugada.

“Era transmitido de uma espécie de chácara e imitava o ambiente de um cassino, com todos os sons. E os ouvintes acreditavam que ele estava num lugar assim. Quando a ditadura de Getúlio Vargas proibiu o jogo, acharam que Chacrinha ainda mantinha um aberto, com a polícia chegando a ir lá”.

Inspirado em circo e teatro de revista
Ao criar o personagem Elias “Sunshine”, em 1993, como fruto de um trabalho final do curso de Comunicação Social da UFMG, o locutor e professor Elias Santos encarnava um pouco da graça gerada por Chacrinha em mais de quatro décadas de carreira.

“Ele era uma das referências, assim como o Bolinha e o Sílvio Santos. Queríamos mais satirizar esses programas de auditório, uma gozação de estudante que acabou caindo no gosto dos jovens”, lembra Santos, que vestiu a pele de “Sunshine” até 2012.

Hoje à frente da Empresa Mineira de Comunicação, que engloba a Rede Minas e a Rádio Inconfidência, Santos voltou aos programas de auditório na tese de mestrado. O foco era descobrir o que levava esse gênero a ser um sucesso ainda nos dias atuais.

“Por conta do Elias ‘Sunshine’, eu já tinha sacado que, independentemente do meio de transmissão, se rádio ou TV, existiam algumas características típicas. A base de tudo foram duas manifestações populares: o teatro de revista e o circo”, detalha.

Ele observa que os teatros de revista sempre tinham um tom jocoso, além da presença da música. Já o circo tem a questão do risco, como domador de leões e o piloto no globo da morte. A ideia do calouro ruim fazia parte disso, ao se expor à vaia.

“Chacrinha sabia das coisas. Ele queria o pior. No ‘Sunshine’ custei a entender isso, pois achava que tinha que selecionar os melhores, os mais talentosos. O objetivo de Chacrinha não era revelar ninguém. Era fazer a plateia se identificar e dizer ainda bem que não era ele que estava sendo vaiado”, analisa.
 
FANTASIA 
Ele assinala que Chacrinha foi um dos primeiros locutores de rádio a entender que, na TV, o mais importante era a imagem. “Ele sabia que tinha que trabalhar a imagem. Por isso se fantasiava o tempo todo. No rádio, não tinha uma boa voz e disfarçava isso com o humor”.

O personagem, sempre com uma cartola e uma buzina, foi claramente inspirado em Harpo, um dos irmãos Marx, de grande sucesso nas décadas de 30 e 40. Apesar de não falar, Harpo era o mais anárquico do quarteto de comediantes.

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