Lições de tolerância animadas

Em “Hotel Transilvânia 3”, o verdadeiro monstro é quem não tem bom coração

Paulo Henrique Silva
Hoje em Dia - Belo Horizonte
12/07/2018 às 07:45.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:21
 (SONY/DIVULGAÇÃO)

(SONY/DIVULGAÇÃO)

A tolerância ao que é diferente também virou palavra de ordem no mundo da animação. “Os Incríveis 2”, já em cartaz nos cinemas, e “Hotel Transilvânia 3 – Férias Monstruosas”, que estreia hoje, têm como um dos temas a questão étnica, apropriando-se dos próprios universos (respectivamente super-heróis e monstros) para dizer que “todos são a mesma coisa”, uma das frases mais ouvidas na continuação protagonizada pelo Drácula dono de hotel.

Desde o primeiro filme, lançado em 2012, a franquia da Sony já promovia essa interação, a partir do casamento da filha de Drácula com um humano. Mas, desta vez, a proposta ganha mais força dentro da história, tornando-se a grande mensagem deixada para o público. Entra em cena um caçador de monstros (Van Helsing, velho conhecido do terror), que carrega no DNA uma luta eterna contra os seres de outro mundo, levada por gerações e gerações.

ATUALIDADE
No lugar de protetor da humanidade, Helsing vira uma pessoa obcecada, tão monstruosa quanto os rivais. Acontece que, como numa história de “Romeu e Julieta”, a tataraneta dele irá se envolver romanticamente com alguém do lado inimigo. 

Logo, é levada a desconstruir a imagem perpetuada na família de que os monstros precisam ser eliminados – objetivo que remete a questões muito atuais, em torno de conflitos étnicos.

Com rosto que lembra Betty Boop, talvez o primeiro ícone feminino da história da animação, Ericka, a tataraneta, tem cabelos loiros curtos e postura militar, que nos faz concebê-la como uma nazista. 

Os monstros, por sua vez, são divertidos e, dentro das características especiais, conseguem transpor mais humanidade. Helsing é bom exemplo do contraste: o corpo é um amontoado de parafusos e peças de ferro, como se fosse um Frankestein.
 
QUESTÃO FAMILIAR
Eles estão cada vez mais associados a questões cotidianas e familiares. O Drácula, que tem a voz de Adam Sandler na dublagem original, virou um pai enciumado (no primeiro filme), avó coruja (no segundo) e, na terceira parte, ressente-se pela falta de uma companheira. 

O artifício não é novo, se lembrarmos de “Meu Malvado Favorito 2”, que também se volta para a questão familiar, mas em “Hotel Transilvânia 3” é costurado de maneira orgânica com a proposta anti-racista. Assim como a localização da história (escrita, dentre outros, pelo diretor Genndy Tartakovsky, de “O Laboratório de Dexter”), que se passa em alto-mar.

Não foram poucas as continuações que fizeram esta troca de ambiente (basta citar “Alvin e os Esquilos 3”), mas o roteiro tira daí boas piadas, principalmente referenciais. O navio faz alusão ao Titanic e o monstro que surge ao final é como o ser mitológico Kraken, de “Fúria de Titãs”. A cidade perdida de Atlântida vira um exuberante destino de férias.

Os mais crescidinhos vão se divertir com as citações aos gremlins – monstrinhos que protagonizaram filme homônimo de 1984, que misturava humor negro e elementos de terror. Eles agora comandam uma companhia aérea que não preza muito pelo bom atendimento e pelo conforto dos clientes.

Mineira participa da equipe do filme
Na faculdade de animação, cursada na Alemanha, a mineira Natália Freitas era a única que sabia pintar texturas, valendo-se de um software específico, o MARI The Foundry, usado inicialmente em “Avatar” (2009). “A notícia se espalhou entre os estudantes e todos queriam que eu fizesse a pintura de seus filmes. No fim, acabou virando minha especialização”, recorda a responsável pela textu-rização de um dos personagens de “Hotel Transilvânia 3” (HT3).

Formada há 11 anos pela Escola de Belas Artes da UFMG, Natália virou uma artista nômade, cruzando o Atlântico, após terminar o curso na Alemanha para trabalhar nos Estados Unidos, onde integrou a equipe de “Moana” (2017), realizando o sonho de participar de um filme da Disney. Agora está no Canadá, prestando serviço para a Sony. Depois de “HT3”, outro longa animado por ela foi “Pé Pequeno”, que estreia em setembro.

Recentemente, terminou um projeto junto com a irmã, Nívea, que faz mestrado em música na Alemanha. Apresentado no mês passado, “Cockoo Land” foi criado especialmente para o concerto de conclusão dela. “Acho muito importante fazer trabalhos pessoais e não ficar somente ‘na sombra’ dos estúdios. A experiência que tive dirigindo curtas foi muito boa e hoje eu almejo também dirigir longa”.
 
Quase dez anos após se formar, você imaginaria que chegaria neste lugar?

Hoje existem muitos bons estúdios e excelentes animadoras do Brasil espalhadas pelo mundo, mas eu sou uma das primeiras mulheres brasileiras a trabalhar como artista 3D em um filme de CGI. Quando eu formei na faculdade, em 2009, ainda era animadora 2D e animava tudo tradicionalmente (papel, lápis e mesa de luz). Meu sonho sempre foi o de fazer filmes para cinema e consegui isso, primeiramente em 2010, quando trabalhei durante três meses na Otto Desenhos Animados, em Porto Alegre, como animadora no filme “Até que a Sbornia nos Separe”. Naquele momento, eu nunca poderia imaginar que um dia eu largaria o papel e a animação tradicional e que teria o meu nome nos créditos de um filme Disney ou Sony. 

Pela sua biografia, vejo que um ponto de virada foi ter investido na animação 3D, a partir da leitura de tutoriais na internet. O que significou essa mudança na carreira?

Eu usava o computador em casa somente pra estudar e baixar músicas, pesquisar sobre artistas favoritos, escrever pequenos artigos sobre artes. No final de 2010, comecei a estudar 3D sozinha porque, como animadora 2D tradicional, eu não conseguia nenhum emprego fixo. Senti que eu precisava caminhar de acordo com as demandas do mercado e esse novo conhecimento abriu várias portas para mim. Hoje, o computador é a minha principal ferramenta de trabalho.
 
Você morou em Porto Alegre, mudou-se para Alemanha, EUA e agora está no Canadá. Para trabalhar neste campo, é preciso ter essa vida nômade, indo para os lugares onde estão as produções? 

Infelizmente, a maioria dos estúdios trabalha com contratos por projeto. É preciso ser flexível para ir onde há uma oportunidade. Eu sou sempre aberta a novos desafios e aventuras, mas chega um momento que cansa. Quando recebi a oferta da Sony, por exemplo, achei que iria trabalhar na Califórnia e que poderia continuar por lá – naquele momento eu ainda morava em Burbank. No entanto, quando recebi o contrato e vi que era para trabalhar em Vancouver, no Canadá, demorei três dias para assinar, pois não sabia se estava preparada para reiniciar minha vida em outro país novamente. Mas, no fim, não me arrependi de ter vindo pra cá. Foi uma ótima decisão! 
(P.H.S.)

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